A mosca retornara, rodeando o ouvido de Antônio, que acordou de súbito com o coração disparando. Pegara no sono sentado ali em frente a Pedrinho e, por alguns instantes, confuso, chegou a pensar que tudo não passara de um pesadelo. A ilusão, porém, dissipou-se com um simples olhar para a cama. O inseto novamente pousado sobre o rosto do filho fez seu coração gelar. Voltou a abaná-lo para longe, deixando escapar um suspiro lento.
Deu-se conta de que perdera muito tempo: já estava amanhecendo e a forte chuva que caía quando adormeceu dera lugar a uma garoa lenta, fina, fria. Em breve, seu filho não estaria mais ali. Não podia ter dormido. O sono e o cansaço lhe roubaram parte dos últimos momentos com Pedrinho.
Chico apareceu à porta.
– Tudo bem, tio?
Antônio fez "sim" com a cabeça sem tirar os olhos da cama.
– E Maria? – perguntou com voz baixa.
– Na varanda, tio. Sentada no balanço, quieta.
– Muito triste?
Chico não conseguiu responder com palavras. Cerrou os lábios para evitar um soluço de tristeza e acenou com a cabeça.
– Teu irmão já voltou? Trouxe o Padre Simão?
Chico calou. Fez-se um silêncio de alguns segundos.
– Voltou, tio. Mas sem o padre. Não conseguiu chegar à cidade. Muita lama no caminho. Sabe a curva do Brás? Então! Logo depois a estrada não se esparrama para baixo até o corguinho? Está tudo inundado lá. Tudo enlameado. Não vamos conseguir chamar o padre, tio.
Antônio perdeu o chão. Vieram-lhe à mente as últimas palavras que ouviu Pedrinho dizer, quando os estertores já haviam começado e o menino mal conseguia respirar. Em meio a frases desconexas, uma, sussurrada, dita com a dor de um esforço final, foi entendida pelo pai em desespero à beira da cama.
– Traz o padre para mim! Eu queria ver o padre!
Só ele entendeu. Teve que sair em seguida do quarto devido aos berros de Maria que, ensandecida, lhe mandava pegar um pano mergulhado em água fria para a cabeça do menino. Quando voltou, já eram os segundos finais. Morto o menino, mandou chamarem o padre imediatamente e pôs-se de sentinela ao lado da cama, de onde não saíra até então.
Mas, agora, o padre não viria...
Levantou-se com os joelhos tremendo. Não era nem sombra do Antônio de até alguns meses. Olhou no fundo dos olhos de Chico, respirando com dificuldade.
– Toma meu lugar ao lado da cama.
– Aonde o senhor vai, tio?
– Arrumar as coisas. O padre não vem. O padre não vem. Já tá amanhecendo e daqui a pouco as pessoas começam a chegar. Tenho que arrumar as coisas.
Saiu cambaleando do quarto. Ao passar ao lado de Chico, esse pensou ter ouvido novamente seu tio balbuciando: "O padre não vem".
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Velórios de Pedrinho
Short StoryComo uma simples criança vive a morte de um parente. E como parentes vivem a morte de uma simples criança