– Desculpa.
– Não precisa se sentir culpado.
– Você gostou?
– Que tipo de pergunta é essa. – Dou risada.
– É que... bom... foi a minha primeira vez. Digo, beijando um menino.Caralho, eu não tinha pensado nisso. De fato, até então ele era hétero, pelo menos pra todo mundo, ele era hétero...
– Porra, agora eu quem peço desculpas, não pensei que...Ele me interrompe:
– Não precisa se sentir culpado. – Ele me dá um sorriso amigável.Não sei mais o que dizer, nunca tinha tido esse tipo de relação. Geralmente, as pessoas que eu ficava tinham sua sexualidade bem explorada e aberta. Não como uma relação pública, mas consigo mesmo. Se conheciam, tinham certeza do que eram. Não queria, meio que, ficar no meio de tudo isso. Se conhecer toma tempo, se afirmar, muito mais. Não queria interferir nesse processo na vida dele.
– Você... tipo... não era hétero até ontem? Quem era aquela menina da festa? – Não consigo me segurar e metralho ele de perguntas.
– Eu... não conhecia ela, encontrei-a antes da festa. Acho que é uma das amigas de Lilian.
– Não respondeu à pergunta.
– Eu ainda sou.
– Não é não... – Rebato, incrédulo com o que acabei de ouvir.
– Não quero conversar sobre, pode ser? Nem hoje nem nunca mais. Podemos esquecer o que rolou aqui?
– Gato, não é assim que funciona... podemos não conversar agora, mas uma hora essa conversa vai surgir. Você não pode continuar fugindo das coisas Estevan, pode se abrir comigo, dizer o que sente de verdade... porra você não sabe mesmo o que é amizade né? Não tinha nenhum amigo na sua antiga cidade?
– Claro que tinha, ele só não era tão interessado em mim...
– Se acostume com isso... Não quer mesmo falar sobre? E quando eu quiser lhe dar um beijo? Como que fico?
– Se sua preocupação é essa...Ele me beija de novo. Já estou me acostumando com isso. Com aqueles lábios carnudos e macios. Aquela respiração ofegante, chegando quente ao meu rosto. Aqueles intensos olhos azuis me encarando de perto. Estava perdido.
– Você pode me beijar a hora que quiser...
– E a menina... vocês não estão juntos?
– Eu fiquei com ela pra... pra te fazer ciúmes...
"Mas que porra?" Penso. Ele só fez aquilo para me fazer ciúmes? Tipo??? QUE PORRA. Ele não precisava daquilo para chamar minha atenção... sem contar que soava nojento. Lembro dele colocando as mãos nos seios dela. Ele sabia que eu estava olhando... fez de propósito. Tinha tanta coisa na minha cabeça que eu, novamente, não sabia o que falar.
– Vamos combinar de nunca mais fazer isso? – Digo olhando sério para ele.
– Hahaha, vamos. Mas eu vou fazer de tudo para conseguir sua atenção.
– Menos isso...
– Menos isso. – Ele repete segurando meu dedo mindinho ao seu. – Prometo.Ele deita em meu colo e acho um bom momento para fazer carinho em sua cabeça. Ficamos ali virados para o mar, calados, contemplando a natureza, a companhia um do outro, nossas conversas. Minha mente ao mesmo tempo que estava uma bagunça, estava em paz, como uma comunhão, um acordo em achar a serenidade no caos.
***
– Estou ficando com fome. – Estevan levanta a blusa e alisa sua barriga enquanto me encara.
– Vamos então, faz horas que estamos sem comer.***
No carro, Estevan dirige atenciosamente sem se distrair da pista a sua frente. Não me olha uma vez sequer. Mas, enquanto estou com a cabeça recostada na janela do carro, aproveitando a brisa e curtindo a paisagem, sinto sua mão quente repousar sobre a minha perna, imediatamente, como uma resposta involuntária do meu corpo, apoio minha mão sobre a sua.
Ele coloca para tocar "Última vida submarina - Giovani Cidreira". E eu me sinto mais imerso ainda, como se aquele carro fosse um mundo inteiro, nosso. A paisagem lá fora, quilômetros de mar e faixas de areia, às vezes dunas, carregadas de coqueiros, servia de complemento para a paisagem mais linda, que estava aqui dentro. Paro de me perder na paisagem quando uma parte da canção acaba chamando a minha atenção, me para prestar atenção na letra da música.
"Comecei a navegar e nada
Porque tudo me pertence incerto
Essa culpa percorrendo a calma
Sua falta me deixando mudo
E as ideias corroendo a casa
E o futuro me fazendo um medo."
De novo, de alguma forma, ele não precisava falar, mas eu sabia que era justamente o que sentia. Conseguia ver em seu olhar, enquanto sussurrava a música, que tinha um significado profundo para ele. Já se tornava uma das minhas coisas favoritas nele... seu gosto musical. Me tocava de uma forma que nenhuma música me tocou antes, pareciam que as letras conversavam comigo. Melhor, que eram feitas para mim. E não tem sentimento melhor do que pertencimento.
A música suscitou algumas questões na minha cabeça, que tinham sido acalmadas pelos beijos e pelo momento que vivia.
Eu não o conhecia muito bem... ele parecia viver duas vidas, e a sua vida antiga parecia esmagá-lo. Mas se eu o queria, eu também ia ter que lidar com aquele peso. O estranho era que mesmo depois daquele contato íntimo, eu não sentia que ele me queria, não da forma que eu queria ele. Mas talvez fosse cedo demais para estar tirando conclusões tão concretas...
A vista de fora do carro já se tornava familiar quando começo a dar instruções de como chegar ao restaurante. De fato, não era muito difícil chegar lá, mas parecia que Estevan sabia o caminho, antes mesmo de eu falar a rua ele já estava direcionando que ia fazer a curva. Talvez ele conhecesse mais a cidade do que eu pensava.
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Amor eu dei
RomanceImagine-se viver num pequeno vilarejo com apenas mil habitantes. Imagine ser bissexual nessa pequena comunidade. Kayke, com 21 anos, conta com a ajuda do seu melhor amigo Fabrício para sobreviver no mundo hétero e limitado. Porém, tudo muda com a ch...