O Sol mal sobe por debaixo do horizonte enquanto o rapaz amarra seu rabo-de-cavalo.
Cá de baixo, ao pé da colina, vê-se - sob a luz do Sol e da Lua - nosso protagonista a passos largos, determinados porém de sensação etérea, lançando rumo ao desconhecido. Subiu colinas, desceu montanhas, acompanhou leitos de rios, como vulto desgarrado que era. Mais tarde, prevendo a fome e percebendo a solitude, tirou, da grande mochila que carregava, três carretéis de linha de qualidade, juntou as três pontas, deixou-os ao chão e pôs-se a trançá-las.
- Desde o Kojiri... - dizia comparando o tamanho da trança com o da sua espada - até a Kashira...
Trançou mais um palmo, amarrou a linha firmemente no Kojiri; tirou um metal interessante da bolsa e o prendeu à outra ponta da corda. Moveu uma pedra, tirou três ou quatro minhocas, colocou a primeira no anzol e, deixando tudo menos sua vara de pescar ao pé do cajueiro e, cauteloso com passos de felino, cabreou pelo lado de um rochedo à beira do lago ao lado. Como que em ritual, flexionou os joelhos devagar até achar a posição confortável; preparou a katana embainhada, deu um, dois, três movimentos. O anzol estava na água, fez-se a primeira onda na superfície, seus ombros arquearam. Ao fundo, um anu perdido do bando levanta voo pesaroso de uma árvore à outra, olhar preocupado; por outro lado, nosso herói expira. Paciente, focado. Até que surge mais uma onda sobre a água, seus olhos se abriram, outra onda, mais outra, mais um pingo, outro. Começou a chover.
- Odeio chuva.
Imóvel, dizia para afastar o barulho do estômago.
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Mais tarde.
Chuva passara, fogueira acendera, peixe consumira, estrada seguira; sentira: que o rumo perdera; que a dúvida chegara. Quão mais obtuso o sol no céu, mais aguda a confusão das suas pernas; ofegava - não de cansaço, os membros ainda fortes - porém o olhar vazio, frustrado, sem rumo, calado, daqui consigo sentir os calafrios - tragados pelos matagais. Chega disso tudo? Os joelhos tocaram o chão, os chãos tocaram o cabelo. Deitou, dormiu.
Vibrando o solo, o som rouco, enferrujado e meio agudo de um apito ecoa pelos dois montes ao redor, saudando meia dúzia de casebres da vila segregada na colina de lá, fazendo o braço do Seu Geraldo - o patriarca - levantar, este acenando modesto em direção ao Trem das Dez e Meia, conhecia o maquinista, o operador, aquele e outros trens que passavam.
Da colina de cá, sacudindo a cabeça, assim içando o vôo dos pardais que grilavam aos pés da grama alta, Bela Adormecida segue o barulho de estalos graves vindos do fundo do vale. Com um estado de espírito se mostrando ligeiramente dicutível, parou, esfregou os olhos, caninos à mostra, ergueu mais a coluna, relaxou mais os ombros, fechou a boca, expirou. Parecia quase humano. Os olhos se encheram; logo após, se correram por sobre o maquinário sob a luz agressiva do sol. As rodas de ferro girando e girando, mantendo o movimento da grande fileira de vagões, tremendo as pedras à beira da estrada com a vibração constante. Baixinho se perguntou se aquilo que vinha vindo lá de trás emanava tanta energia física quanto já tinha visto na vida toda.
Começou a andar, os trilhos levavam pro horizonte. Apressou o passo, uma estrada de chão cortava a de ferro no meio, indo e voltando de lugar nenhum pra lugar nenhum. Começando a correr, deixava o alto do morro, a grande mala se embarulhando com as passadas vivas. Girou o corpo completamente, olhou em volta, a única coisa que mantinha seu olhar aceso era a locomotiva se distanciando. Logo corria com a maior velocidade que podia, transpassou os capins e as ervas-cidreiras tal qual um preá sob ameaça predatória; surge triunfante lá ao longe, ao pé do morro, aos trupicos e carrapichos. O cascalho dançando de baixo das suas sandálias, a energia alimentando sua coragem, antes corria, agora dançava, teve um encontro com as primeiras cabines, fez amizade com os vagões, namorando o trem preparou a postura, contou os passos, ritmou, gritou: três, dois, e...
Um salto desembestado, feroz, preciso, assíduo, ornamentado. A mochila cessando os barulhos, o trem continuando. O peito subindo e descendo. A fumaça subindo e subindo. O pardal descendo e descendo.
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The Train Keeps a Rollin'
AdventureTrês vidas vazias, um trem, algumas armas e... o peso da existência.