Como tudo deve ser

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-- Eu amo o meu trabalho.
-- Eu amo o meu trabalho.
-- Eu amo o meu trabalho.

Repetia isso enquanto passava a terceira camada de base no rosto e mais uma camada de batom.

Ritual irritante e que odiava, mas estava virando algo cada vez mais frequente.

Frustrado mas não tinha o que fazer.

Cansado, todavia trabalhar sozinho e ter contato com o mínimo de pessoas era a motivação para ir pra editora.

Mesmo o transporte público sendo um martirio ainda mais no inverno ou dias chuvosos tudo compensava ao chegar na minha sala climatizada, vazia e solitária.

Adorava estar sozinho, poucos momentos de paz mas muito apreciados pois pouco isso me era ofertado.

Levava a minha comida em uma bolsa térmica pra não ter que me misturar no refeitório, já via aquele bando na chegada e saída não preciso olhar pra eles mastigando e ruminando como um bando de animais.

Já estava a um ano na empresa e já tinha estipulado rotina e manias, todos sabiam dos meus hábitos peculiares.

O primeiro e fundamental não me dirija a palavra a não ser que pergunte ou seja uma urgência de trabalho que nenhum outro conseguiu resolver.

O segundo e primordial não entre em hipótese alguma em minha sala, tinha até incensos para manter o ambiente mais leve e purificado e não iria o contaminar com pessoas, então todo o trabalho é deixado no balcão da entrada que instalei estrategicamente próximo da porta pra deixarem todo material necessário e não precisarem entrar e me perturbar.

E terceiro que acho que deveria ser regra da raça humana em geral não toque em mim, não sou touchscreen, não gosto de contato físico, quando precisar falar comigo fale a distância não tenho sensor de aproximação, não preciso que fique perto ou encoste, fale o que quiser com uma certa distância que entenderei de qualquer maneira, por isso preservo meu espaço pessoal.

Adoro lidar com livros e edições, gosto de ler de tudo um pouco.

Em meu acervo pessoal tenho obras fantásticas que leio com frequência e parece que toda vez é emocionante.

Tais como: o inferno de Dante, advogado do diabo, na margem do rio Piedra sente e chorei, tinha vários do Paulo Coelho achava um excelente escritor, onze minutos é um que recomendo é perfeito.

Quem não se emociona com uma história de amor entre uma pobre garota de programa e um homem romântico.

Suspirei em lembrar das minhas estrofes favoritas daquela obra, triste que histórias intensas de amor sejam todas fictícias pois não acredito em amor.

Coloco minha echarpe azul e depois uma jaqueta, trabalhava com roupas sociais mas blazer jamais, curtia minhas jaquetas de couro ou moletom no escritório tirava mas não ficaria em transporte público de terno, blazer e essas coisas todas.

Suspirei dando uma última olhada no espelho e forjando meu melhor sorriso.

Mais um dia.

Então sai de casa indo até a parada de ônibus, entrei e sentei no banco do lado da janela, ainda bem que hoje está vazio, odeio pegar ônibus de manhã lotado, e o pior é aguentar gente fedida em plena 6 da matina.

Como as pessoas já estão fedendo as 6 da manhã, ainda bem que continuam de máscaras porque já basta a catinga de suor mais bafo amanhecido nem lúcifer foi tão mal a ponto de criar isso, foi coisa dos humanos.

Estalei o pescoço e peguei meu celular conferindo a hora, agora já dava pra mandar uma mensagem para a dona do meu coração.

Você

Acordo indecorosoOnde histórias criam vida. Descubra agora