Parte 2

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Eu e Horiki.

Andávamos juntos, sempre escarnecendo um do outro e fazendo pouco

caso de nós mesmos. Se isso é o que se pode chamar de "amizade" neste

mundo, então de fato éramos amigos.

Contando com o cavalheirismo da madame do bar de Kyobashi (pode

ser estranho usar uma palavra como "cavalheirismo" para uma mulher, mas,

conforme minha experiência, pelo menos na metrópole as mulheres

possuem muito mais cavalheirismo do que os homens. Os homens, em sua

maioria, são grandes covardes que só se importam com a aparência, além de

serem uns sovinas), casei-me informalmente com a menina da tabacaria,

Yoshiko, e aluguei um quarto num pequeno apartamento em Tsukiji, perto

do rio Sumida, onde passamos a viver juntos. Parei de beber e gastava todas

as minhas energias na tarefa de desenhar, que vinha se tornando minha

verdadeira profissão. Após o jantar, saíamos para assistir a algum filme, e

na volta para casa passávamos em algum café ou comprávamos algum vaso

de flores. No entanto, o que mais me alegrava era mesmo ouvir as palavras

ou observar os movimentos de minha pequena noiva, que confiava em mim

do fundo do seu coração. Parecia, assim, que, aos poucos, talvez eu pudesse

tornar-me um ser humano, que iria sobreviver sem a necessidade de uma

morte horrível. Justamente no momento em que esses pensamentos

ingênuos começavam a aquecer meu peito, Horiki surgiu na minha frente.

- Olá, seu tarado! Mas hein? Você está até parecendo um sujeito

razoável! Hoje vim como mensageiro da senhora de Koenji.

Falando isso, baixou a voz de repente e apontou com o queixo para

Yoshiko, que preparava o chá na cozinha, perguntando se podia continuar.

- Não me importo. Pode dizer o que quiser - respondi calmamente.
De fato, Yoshiko tinha o que se poderia chamar de dom para confiar em

pessoas. Ela não suspeitava de minhas relações com a madame do bar de

Kyobashi e, mesmo tendo contado a ela sobre o incidente ocorrido em

Kamakura, ela seguia sem desconfiar de Tsuneko. Não por eu ser um

mentiroso competente: certas vezes, eu lhe falava diretamente, mas ela

ouvia tudo o que eu dizia como se fossem piadas.

- Como sempre, você parece estar seguro de si. Não é nada importante

mesmo. Ela me pediu que o avisasse para visitar os lados de Koenji de vez

em quando.

Quando finalmente começo a esquecer, vem essa ave sinistra a rasgar a

ferida da memória com o bico. De súbito, as lembranças de vergonhas e

crimes do passado se descortinaram vividamente diante dos meus olhos,

fazendo com que eu desejasse gritar de pavor e não conseguisse mais

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