3 • Fuga

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Comecei a me sentir inquieta e irritada por estar presa ali. Meu cotovelo estava machucado de tanto que belisquei e estava começando a ter dor de cabeça, primeiramente porque Sam não parava de falar. Quando alguém se cansava de ouvir suas histórias malucas, ele ia para outro canto e puxava assunto com outro.

No começo achei generoso da parte de Tom e Katie quererem me proteger de alguma coisa que eu não sei, mas sou tão capaz de fazer qualquer coisa quanto eles. Não foi a primeira vez que eu me mentia em confusão na escola; no primeiro ano tinha um garoto que me perseguia por conta das minhas sardas. Quando Katie Katie quebrou o nariz dele com um soco e ficou na detenção por uma semana. Ele parou de me bater, e então Katharine virou seu novo alvo, até ele ir embora da cidade no ano passado.

Quando os Patterson me atropelaram - sem querer - numa estrada deserta. Sem uma casa a vista, sem nenhum morador por perto e um único sinal de vida, a não ser um funcionário num posto de gasolina, procuraram meus pais por meses e não encontraram, e como não conseguiam ter filhos ainda, resolveram me levar para casa.

Lembro que Katie se mudou para a casa ao lado uma semana depois, e nossas mães mãe sempre saíam juntas e nos levavam.

- E Magnus estava completamente apaixonado por Adhara, e agora ele quer vingança...

A voz do Sam me tira de meus pensamentos. A um canto, o piso de cerâmica solta, assustando a todos.
- O que foi isso? - uma mulher diz, nervosa.
Crack outro quadrado espoca, voando pedaços do azulejo e acerta o olho de um homem.
- É isso, é o fim dos tempos. Vamos orar para deus salvar nossas almas.
Eu reviro os olhos. Acredito na existência de deus, mas se Katie estivesse ali, concordaria que é apenas o erro de algum arquiteto incompetente.
- É só uma tempestade muito forte que vai passar - argumentou Sam - fica calmo, os soldados estão cuidando disso.
- Pelo amor de deus garoto, cale a boca - uma enfermeira grita - quando isso acabar vou te encaminhar para um psiquiatra e...
- EI - grito - não precisa falar assim. Ninguém tem culpa do que está acontecendo lá fora. A polícia deve estar lá fora contendo os ladrões. - Concordo que Samuel é insuportável, mas escolhi por descontar minha raiva nela do que em alguém que foi gentil comigo.
- Ladrões - o homem ri com desdém - por favor, são demônios, isso sim. - Ele arregala os olhos para o nada - um deles mostrou os olhos vermelhos para mim e vim para cá correndo... eu vi.

Suspiro para o teto impaciente, ele estava inventando história. Sam ia dizer algo mas se escuta o barulho de correntes.

Alguém abre as portas. Professor Parkison.
- Podem sair, acabou a tempestade.
Todos soltam suspiros de alívio e correm em direção a saída, curiosos para ver o que havia acontecido.
- Vocês estão bem? - pergunta ele.
- Estamos, senhor... - não sei como chamá-lo agora. "Tio, professor, senhor".
- Estamos bem - Sam responde por mim.
- Que bom - o rosto dele está meio ensanguentado e tem um corte enorme no braço esquerdo - Você precisa voltar para Menschein com os outros, Laander.
- Está bem, padrinho.
Parkison dá um sorriso p'ra ele e o garoto vai embora. Eu coloco as mãos em frente ao corpo, esperando uma resposta para o que aconteceu.
- Obrigada por me salvar. Eles estão bem?
- Estão, sua mãe e seu irmão também.
Uma onda de felicidade percorre meu corpo e sinto um peso do peito que não sabia que tinha.
- Onde estão, quero vê-los.
- Ah sinto muito, estão bem longe daqui.
- Como assim? - de repente o medo volta - o que aconteceu?
- Estão seguros, não se preocupe - ele olha para o relógio em seu pulso - Devem estar entrando no avião agora mesmo.
- Do que o Sr. está falando? - penso que ele está brincando por um momento, mas lembro que ele não tem muito senso de humor.
- Nós os mandamos para Londres.
- Nós?
- Desculpe, muita coisa aconteceu. Vou te explicar daqui a pouco mas preciso que venha comigo agora mesmo.
Começo a sentir raiva.
- Não vou a lugar algum, quero ir para a casa.
Ele suspira.
- Você é muito teimosa.

***

Viaturas da federal e militar estão em frente ao hospital, interrogando pessoas aqui e ali. Enquanto sigo Parkison atravessando a multidão, ouço fragmentos de testemunhos.
- Tinham olhos vermelhos.
- Tinha um cachorro enorme com eles, era desse tamanho.
- Mataram o meu filho, ele era recém-nascido.
Sinto um aperto no coração.
- Olha ali, foi o homem que me salvou. Ele estava lutando com eles e deu um flechada no peito de um deles. É, ele os matou - gritou um homem apontando em nossa direção, e os policiais começaram a correr atrás dele.

Sr. Jonathan acelerou o passo e eu também, até entrarmos seguros numa limusine. Um homem com uniforme azul escuro fechou rapidamente a porta.
- É a garota? - pergunta um outro com o mesmo uniforme, mas este parece ser mais velho e pai do outro.

O professor apenas me olhou e eu nervosa confirmei com a cabeça. Os dois se entreolharam desconfiados e o mais novo estendeu a mão.
- Luke, prazer.
- Gwen - seu aperto é firme.
- Podemos ir? - pergunta o professor.
- Ainda não. - Luke responde - Liu foi buscar umas coisas ali no mercado.
- Porque o trouxeram? Pelo amor de deus, vamos nos atrasar - resmungou o pai de Luke.
- Esse garoto só dá trabalho - concorda Jonathan.
- Tenham paciência, é só o terceiro dia dele - diz Luke, sem tirar seus olhos verdes dos meus.
Abaixo a cabeça envergonhada.
- Já chega, vamos andando. Pietro, pisa no acelerador. Temos que tirar Gwen daqui antes que eles voltem.
Olho para ele confusa e meio nervosa.
- ESPERAAAA - alguém grita. Olho pelo vidro da jenela e vejo repórteres correndo atrás de um garoto asiático que carregava um monte de doces nas mãos. Pietro abre a porta e Liu entra.
- O que diabos aconteceu? - pergunta o pai de Luke, impaciente.
- Eles - ele responde com dificuldade por estar ofegante - algum fofoqueiro...

Luke lhe oferece uma água e a limusine começa a se movimentar.
- Sensei, acho que eles nos viram - diz ele, olhando para Parkison.
- Nem me diga.
- Sensei? - cochicho para mim mesma. Não quero irritá-lo ainda mais com as mil perguntas que tenho na cabeça.
Liu sobe a janela e mostra os dois dedos do meio para a multidão.
- Já chega, para com isso! - repreende Luke, puxando-o para dentro de novo - qual o seu problema?
- Que foi? Se não fosse por nós eles estariam mortos. Recebo muito pouco para isso.

Desvio o olhar dele quando ele começa a me olhar como se eu fosse um bicho exótico e interessante.
- É ela? - ele pergunta baixinho.
Luke afirma com a cabeça.

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