Conexão por acaso

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Enquanto caminhava pelas ruas barulhentas de Belo Horizonte, seus longos cabelos cor mel, brilhantes, espalhavam-se pelo ambiente em grandes madeixas ou, para ela, uma plantação de trigo iluminada pela luz suave da manhã. Cheia de charme, de sua pele vívida emanava um perfume adocicado de ébano, marcando as primeiras horas da manhã com seu aroma notável.

Pensar nisso fazia-a lembrar-se de sua vida no sítio do avô. Passara a infância e parte da adolescência ali. "Ah, como eram doces as goiabas recém colhidas!" pensava, em tom nostálgico, quase que a sentir a textura suculenta da fruta por entre os lábios.

Mas, um acontecimento mudou tudo. Rapidamente tentou afastar esses pensamentos da memória. Sua vida de camponesa era passado, ela deveria focar em seu futuro na capital, refletia consigo mesma.

Imersa em suas lembranças, ela caminha distraidamente pela rua movimentada quando se esbarra em uma moça, cujo olhares se cruzaram no mesmo instante.

Era uma guria encantadora. Seus profundos olhos caramelo, confusos, como se ainda a assimilar o encontro inesperado, demonstravam um misto de empatia e gentileza, tornando-a um ser maravilhosamente atraente. Os cabelos castanhos, cuidadosamente arrumados em uma trança, denunciavam ser de uma maciez e sedosidade ao simples toque do olhar. Junto à pele bronzeada, recaia uma camiseta regata simples, mas que realçava de maneira única o contraste existente entre aqueles fios organizados em um penteado e o rosto vivaz. Em conjunto, uma calça jeans rasgada deixava à mostra fragmentos de sua pele morena e, mais embaixo, um par de tênis casual feito de veludo preto recobria os delicados pés da jovem.

Ambas, confusas, encararam-se mutuamente, formando um silêncio incômodo no espaço. Uma espécie de vão gelado entre as duas moças.

-Oh, desculpe-me pela minha falta de atenção.-Admite, envergonhada, a jovem de cabelos cor mel.

-Tudo bem. Eu também sou um pouco distraída.-Diz a menina de trança, em um sorriso discreto.-Ei, qual seu nome?-Indaga, enquanto encarava aqueles profundos olhos esmeralda.

-Júlia.-Diz, um pouco tímida, mas a sustentar com curiosidade seu olhar doce.

-Que nome lindo. -Comenta, com sinceridade- Me lembra aquele aconchego que o inverno trás consigo. -Acrescenta, em tom nostálgico.

-Gosta dessa estação do ano?-Júlia indaga, reparando em seu visual descolado, porém único.

-Sim, gosto da sensação de cuidado que essa estação trás.-Diz, tentando se lembrar de onde vinha aquele sotaque notável que acompanhava a moça de uma forma delicada, tornando-a ainda mais bonita.

-Também gosto. Mas prefiro a primavera. Toda a energia que acompanha os messes que essa estação ocupa me revigoram. -Ri.-Posso saber seu nome?-Pergunta, curiosa.

-Yara.-As letras saíram de seus lábios finos, em melodia.

"Yara" aquele nome ecoava pela mente de Júlia, passando a habitar seus pensamentos. A jovem prostrada a sua frente tocava-a com sua voz de um modo sutil, ao mesmo tempo que a aquietava, um formigamento estranho, como cócegas de leve.

-Você tem um sotaque lindo. De onde vem?-Yara pergunta, curiosa.

- Obrigada. Sou do interior de Minas Gerais.-Reponde, saindo daquele estado momentâneo de transe.

-Hum, amo as comidas típicas dessa região. -Yara desabafa, em tom nostálgico.-O cheiro do café recém coado e aquele pão de queijo quentinho me encantam.-Acrescenta, quase que a sentir o gosto do queijo puxento em sua boca.

Enquanto pensava nisso, ela lembra-se que estava atrasada para o trabalho, distante dali dez minutos. Incrédula em como poderia ter se esquecido desse importante compromisso, Yara despede-se apressadamente de Júlia, lançando-lhe um último olhar penetrante, que a deixou pensativa por um longo tempo.

A garota continua sua caminhada matinal pela cidade em direção a um parque não muito longe dali, com a mente perdida em suas lembranças de infância. Após vagar um pouco pelo espaço, ela resolve acomodar-se em um banco situado entre duas árvores pomposas.

Júlia estava confusa. Não conseguia parar de pensar naquela menina e em seu olhar tocante, os lábios doces, o cabelo sedoso, cuja vontade de se perder com os dedos ali era tentadora. "Mas, por que estava pensando naquilo?" Se questionava. "Ela era hétero. Óbvio." Insistia em dizer a si mesma.

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