Revelações

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Terminado o café, atraída pelo canto agudo dos pássaros no parapeito do apartamento, Júlia levanta-se da mesa e abre a janela de vidro translúcido da cozinha, de modo a deixar entrar aquela agradável melodia pelo cômodo. Vendo-os ali a cantar alegremente, com um ar nostálgico, ela lembra-se da sua infância no sítio do avô.

Quando jogava as cascas de arroz junto ao milho às galinhas, era comum um pequeno grupo de pardais aproximar-se, momento em que ela observava com satisfação, pois sabia ser aquele um instante raro de cumplicidade entre espécies tão distintas. Parada ali a observá-los, era como se pudesse sentir o pulsar constante de seus pequenos corações.

-Nunca gostei de pardais.-Comenta Yara, em tom neutro, próxima à amiga.

-Por que não?-Indaga Julia, recuperando-se do susto que havia levado com a aproximação silenciosa da garota.

-Não sei.-Responde, pensativa.-Talvez porque eles sujem o batente da minha janela toda manhã.-Acrescenta, indiferente.

-Compreendo-Pondera Júlia, enquanto pensava em uma possível solução para aquela inconveniência.-Espere um pouco.-Diz, indo em direção ao armário fixo à uma das paredes da cozinha.

-Ei, o que você está pensando em fazer?-Pergunta Yara, enquanto observava, com dúvida, a menina abrir o pote de arroz e pegar um punhado deste, satisfeita.

-Olhe.-Diz, enquanto espalhava o arroz pela superfície lisa de mármore da janela.

Rapidamente, os pardais que estavam por perto aproximam-se da janela e devoram a pequena refeição, indo embora logo em seguida.

-O que você fez?-Indaga Yara, impressionada com a facilidade com que a menina havia se livrado dos pássaros.

-Fácil. Dei a eles o que queriam.

-Mas o que eles queriam? Ainda não entendi.-Pergunta, confusa.

-Yara.-Encarando-a com ternura.-Esses pássaros vinham até sua janela todos os dias na esperança de que algum ser humano, com humanidade o bastante para notar, dessem a eles um pouco de atenção.

-O que, o que isso significa?-Indaga, ainda confusa.

-Simples. Esses pássaros apenas buscavam que alguém lhe dessem o que comer.-Julia explica, serenamente, com o olhar fixo naqueles olhos castanhos da menina.-Mas, e você? Me parece que algo a incomoda.-Diz, atenta às expressões faciais da moça.

-Não é nada.-Responde, desviando o olhar.-Deve ser o cansaço.-Desabafa.-A noite ontem foi intensa.

-Me diverti muito. Rebolei até o chão.-Diz, com um largo sorriso de satisfação no rosto.

-Você estava linda.-Comenta Yara, hipnotizada com a beleza da amiga.

-Curioso.-Refletindo em voz alta.-Só agora percebo que um homem elegantemente alto nos encarava de vez em quando.-Julia diz, com o cenho franzido.

Sem dizer nada, Yara sai de perto da janela a qual Júlia observava com o olhar distante a paisagem urbana, sob passos rápidos, em direção a seu quarto.

-Ei, aonde você vai?-Pergunta à menina, sem entender o motivo daquela saída súbita.

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