Paula se tornou sua inimiga desde que arrancou Celso de sua vida e o tomou como dela. A platinada teve de lidar com o abandono, com a rejeição e o desagradável "e se". Inúmeras vezes pensou e imaginou como as coisas seriam se ele tivesse escolhido ficar e não ir. Perder Celso foi uma derrota, e Carmem nunca lidou bem com derrotas. O amor que sentia pelo falecido Terrare acaba se esvaindo. E o que fazer quando o amor se esvai? No caso da Wollinger, substituí-lo por um ódio direcionado à pessoa que sugou a sua "felicidade" pareceu uma boa opção. Bom, apenas pareceu.
Carmem nunca soube ao certo o exato momento em que acabou se apaixonando por Paula Terrare, a mulher por quem ela deveria nutrir apenas uma rivalidade, mas tinha o conhecimento de que aquele sentimento era real e que poderia facilmente despi-la de sua máscara; a postura firme e, muitas vezes, cruel que adotara como modo de proteger a si mesma. É claro que a Wollinger temia desmoronar por outra pessoa novamente. Ter seus sentimentos expostos a tornaria uma pessoa vulnerável. E a vulnerabilidade, para a Wollinger, significava fraqueza. — uma ideia errônea sobre ser e estar vulnerável. Para ela, despir-se de sua máscara a colocaria em risco. Paula poderia deixá-la como Celso a deixou, ou então poderia brincar com seus sentimentos para mais tarde abandoná-la.
Em sua vida, antes de Paula aparecer, ninguém ousava desafiá-la. Gabriel não contava, era seu filho e sua fase de rebeldia já não a surpreendia mais, apesar de conseguir deixá-la desapontada por diversas vezes. Chegou um certo ponto em que ausência de desafios a entediava. Ninguém para bater de frente ou contradizê-la. Ninguém para tornar sua busca incessante pelo sucesso um pouco mais árdua. Ninguém para despertá-la. Até que a viúva de seu ex-noivo assumiu a presidência da Terrare e a Wollinger Cosméticos finalmente obteve uma concorrência à sua altura. A platinada odiava admitir — somente em seus pensamentos — que Paula sabia como enfrentá-la. Havia ódio e ressentimento, mas também havia emoção nos conflitos. Odiá-la era prazeroso, emocionante, estimulante. Quanto mais ódio, mais sede de superação. E foi o declínio da arquirrival que tornou as coisas mais interessantes. Quem poderia salvar Paula Terrare da falência? A resposta era óbvia. Carmem era a única disposta a salvá-la não por pena, mas pelo desejo de ser a sua salvadora. Paula havia tirado a sua paz, então nada mais justo do que tirar a dela. Celso Terrare deixou de ser a sua principal desculpa, se tornando apenas um pano de fundo e um motivo para que ela continuasse na vida da empresária.
Seus encontros eram sempre carregados de turbulências. Quando juntas, o caos se instalava. As discussões eram fervorosas, na maioria das vezes resultando em uma agressão física ou verbal. Carmem se divertia com esse encontro entre fogo e gasolina. Paula era explosiva e carregada de energia, com sangue nos olhos e pronta para enfrentar qualquer um que a tirasse do sério. Ah, e bonita, muito bonita. Carmem se pegou diversas vezes pensando no quão bela aquela mulher era. Chegava a ser irritante. Em uma de suas noites de vinho e queijo sozinha em sua casa, Carmem ficou pensando em qual seria a sensação de beijar a sua inimiga, arrancando de si mesma uma risada alta e jurando em voz baixa que era apenas o efeito do álcool subindo para a sua cabeça. Ela não podia negar que os traços da morena eram perfeitos. Seu corpo então... esbelto. Uma vez ou outra seu olhar costumava demorar no decote das roupas extravagantes que Paula usava. "Uma perua convencida", pensava quando a via, e esse pensamento sempre vinha acompanhado de um sorriso malicioso que curvava o canto de sua boca. O pânico veio quando a Wollinger finalmente percebeu que sua atração era mais do que física e ultrapassava barreiras que ela insistia em colocar. Ela já não desejava destruir a vida da arquirrival, mas sim mantê-la por perto. As humilhações e constantes alfinetadas eram meios de continuar presente em sua vida. Até um interesse repentino em Neném ela havia forjado, passando por cima de seu ciúmes muito bem escondido. Houve ainda uma tentativa frustrada de mantê-los afastados. Carmem estava quase certa de que a dinâmica de gato e rato continuaria para sempre definindo seu "relacionamento".
Como uma luz no fim do túnel, a mudança repentina no comportamento de Paula Terrare trouxe esperança para a dona da Wollinger Cosméticos. Aquele fogo divertido havia cessado, dando lugar a uma intimidade que Carmem não imaginou que pudesse ter com ela nem mesmo em seus sonhos. E com isso, a Wollinger se sentiu mais á vontade e segura para demonstrar como realmente se sentia. Bastou uma conversa sem o desejo de derramar sangue, um abraço caloroso em público e algumas massagens com mãos firmes para desmontá-la. Lá se vai a empresária dura e má que pisa em todos que ousam ficar na sua frente. A platinada buscou por mais toques e correu em direção ao afeto que tanto desejou. Queria senti-la, cheirá-la, tê-la. Queria pressionar os lábios contra os dela até que seu ar fizesse falta. Sempre que podia arrancava da mais nova um abraço demorado. Agarrava toda a oportunidade que surgia para visitá-la, se enfiar em seu quarto e se deitar em sua cama. E há quem diga que o amor não nos torna pessoas diferentes... A verdade era que Carmem estava rendida, ciente de seus sentimentos e nada envergonhada deles. Não os estranhou porque lidou com eles por um longo período de tempo e foi um alívio colocá-los para fora. Não os estranhou porque o seu amor era como qualquer outro; sem hora, sem rótulos e sem gênero. Não os estranhou porque nunca havia sentido algo tão confortante antes. Carmem Wollinger é, por inteira, feita de sentimentos. Negar o seu amor seria como deixar-se de lado.
Mesmo longe de ser um amor totalmente romântico e nos moldes tradicionais, o sentimento ainda se fazia presente e de modo muito confuso, na verdade. Acontece que com Carmem não há a certeza de uma relação saudável porque a mesma nunca esteve em uma. Suas relações passadas entregam a dificuldade de viver um amor funcional. Não seria capaz de reproduzir um sentimento pleno porque é algo que nunca foi dado a ela. Sua família era disfuncional e seus relacionamentos amorosos não possuíam consistência. Talvez seja por isso que nem mesmo a traição de Paula foi capaz de trazer Carmem de volta para a realidade. Ela ainda estava apaixonada por aquela mulher e nem as idas e vindas de brigas entre elas abalaram a certeza que ela tinha de seus próprios sentimentos. A prova disso foi a descoberta sobre a troca de corpos. O choque não foi de imediato porque ao longo do tempo ela foi notando as mudanças. Sem se esquecer da rivalidade que ainda existia entre elas, Carmem usou a chantagem para recuperar o bom e velho relacionamento "morde e assopra", mantendo-a no seu dia a dia.
"Ela disse que um de nós ia morrer em um ano."
O que Neném, no corpo de Paula, havia dito naquele dia ecoou por diversas vezes em sua mente. Dessa vez Carmem realmente corria o risco de perder o amor da sua vida. A ideia de não tê-la mais por perto a deixava doente. O que seria dela sem a sua arquirrival? De repente, a Wollinger sentiu que deveria deixar claro o que sentia por Paula com suas próprias palavras. Ela sabia muito bem onde encontrá-la. Conhecia muito bem aquela mulher. Durante todo o caminho até o cemitério, a platinada organizou e reorganizou suas falas. Sentiu uma pontada de tristeza atravessá-la e desejou que Neném estivesse mentindo sobre a Morte. Que ela levasse ele então, ou o doutor... até mesmo a jovem que adorava cantar. Qualquer um que não fosse a sua Paula.
"Quando você fica chateada você vem chorar as pitangas com o Celso, né?"
Foi inevitável não rir. Aquele homem alto, de cabelo curto e barba rasa era, na verdade, a mulher por quem ela estava apaixonada. Carmem se sentiu tola por não ter percebido antes. Somente o jeitinho caricato da morena era o suficiente para entregá-la. No fundo, mas bem lá no fundo, a platinada estava morrendo de saudades das ofensas toscas e dos gestos exagerados que ela fazia com as mãos. Era como se tudo tivesse voltado ao normal. Quer dizer, não tudo... mas Paula estava lá e em qual corpo ela estava já não importava mais. Em frente ao túmulo de Celso, o homem que a abandonou, Carmem admitiu que não queria perdê-la, a puxando para um abraço que ela sabia que deixaria a empresária confusa. Se o finado pudesse vê-las, provavelmente ficaria perplexo. Uma risadinha curta escapou por entre seus lábios ao imaginar essa cena.
"Não, eu te amo. Eu amo te odiar."
Sim. De corpo e alma e com todo o seu coração.
"Minha vida sem você não tem sentido nenhum, Paula Terrare."
Carmem viu confusão em seus olhos e esquiva nas palavras seguintes. O silêncio reinou entre elas. Deitou a cabeça no ombro da outra e aproveitou aquele raro momento em que nenhuma briga teve início. Durante aquele sossego a Wollinger se permitiu imaginar outro cenário como aquele, abraçando a ideia de que um dia estarão juntas
Em Paris
com champanhe
e glamour.
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RomanceOh diga-me agora, onde está minha culpa Em te amar com todo o meu coração. Leve-me para a verdade e eu Te seguirei com a minha vida.