O movimento havia começado a aumentar naquela noite de sábado no hospital San Raphael em Atlanta, às pessoas não costumavam moderar na bebida no fim de semana e essas irresponsabilidades causavam as piores cenas que alguém poderia ver.
Desde que comecei meu intercâmbio em Atlanta, havia visto inúmeros acidentes, momentos que ficarão guardados na minha mente para sempre, talvez por que uma fratura exposta ainda fosse agonizante para mim, ou pelo simples fato de que fora de uma sala de cirurgia, onde eu estava impossibilitada de agir, de intervir, de ajudar de alguma forma, isso era uma das sensações mais apavorantes que eu costumava sentir.
Eu estava caminhando pelo hospital, eu adorava passar pelas paredes amadeiradas, estava verificando se algum paciente precisava de mim, em poucos minutos ouço uma pequena confusão nos corredores, meu nome é chamado no autofalante enquanto observo a maca passar, um garoto de cabelos negros, agora ensanguentados, seu rosto pálido, os olhos fechados em uma fina linha, enquanto seus lábios carnudos resmungavam coisas inaudíveis. Em alguns minutos eu já estava na sala de cirurgia, não era a primeira vez, mas era sempre assustador, ter a vida de uma pessoa em suas mãos era um dos sentimentos mais cruéis que poderíamos ter, tudo bem se salvasse ele, em alguns dias ele seguiria em frente, em pouco tempo formaria uma família, me convidaria para seu casamento como a mulher que salvou sua vida, seus pais iriam me agradecer, trazer bolos na hora do lanche, me deixando sem jeito, e enquanto lembrassem, eu seria sua heroína, mas, e se, ele morresse ali? Em segundos eu seria acusada de qualquer erro que nem ao menos cometi, ou cometi? Eu seria a responsável por tirar a vida de um desconhecido, por não ter feito meu melhor, as noites não seriam tão fáceis de dormir e os dias não seriam tão bons de se viver, sendo que nem ao menos o conheço.
Para minha sorte, naquela noite fria e estrelada, tudo havia dado certo, Park Jimin dormia tranquilamente ligado a aparelhos de monitoração, a cirurgia havia sido um sucesso, apesar dos riscos de sequelas, cinco pontos na cabeça, uma costela e uma perna quebrada, lesões leves no rosto e pelo resto de seu corpo, até agora era tudo que podíamos informar, mas ele estava bem, melhor do que eu poderia esperar de alguém que havia batido contra uma carreta, o anjo da guarda dele havia trabalhado bem essa noite e nós dois juntos formamos uma bela dupla, em alguns dias, ele estaria pronto para sua adorável viagem para a Flórida para visitar sua noiva. Em alguns minutos no hospital, já ouvia a senhora Park ligando para vários amigos da família, mulher usava um vestido vermelho justo e seus cabelos brancos delicadamente presos em um penteado trabalhoso, seus brincos e colar de pérolas brancas, enquanto segurava uma bolsa carmim embaixo do braço, ela andava de um lado para o outro, suas mãos tremiam pela abstinência de cigarro, enquanto a mesma repetia em várias ligações o quanto o filho estava nervoso aquela noite, que aquilo não devia ter acontecido e que todo futuro da família estava em jogo, a mesma repetia o quanto amava o filho e chorava ao telefone, mas quando desligava, a mesma voltava a agir como se ainda estivesse na festa elegante de onde a mesma parecia ter vindo, e em segundos, enquanto digitava algum outro número, esperava calmamente a pessoa do outro lado da linha atender para começar a chorar.
Eu detestava julgar o caráter de uma pessoa sem nem ao menos conhece-la, mas a senhora Park era realmente detestável, arrogante e de nariz em pé, e naquele momento, ela havia focado seu drama em mim.
-poderá falar com ele quando o mesmo acordar, por enquanto, seria melhor deixa-lo descansar, foi uma cirurgia delicada e... -a mesma me interrompia abruptamente, parecia não se importar com o que eu dizia, eu me senti culpada, talvez fosse apenas uma mãe tentando ver seu filho, mas ainda assim, ele não deveria ser acordado. -por favor, espere ele acordar, será melhor para sua recuperação.
Foi questão de segundos para que o seu esposo chegasse com um adolescente idêntico ao homem descansando no quarto 618. A família Park era incrivelmente bonita, mas desconexa, o pai do Jimin tinha cabelos castanhos, com alguns fios prateados, estava com um terno de giz riscado, ele parecia irritado com a situação, ainda mais com sua esposa, já o garoto, Park Hyujin, com seus longos cabelos castanhos com luzes loiras, quase platinada, se mantinha sentado observando seus pais discutirem, não parecia ter muito mais que 16 anos, 10 anos a menos que seu irmão, seus olhos eram levemente semelhantes com os de uma raposa, ele parecia assustado e triste, abraçado a um casaco de beisibol, e parecia ser a única pessoa que realmente se importava com Jimin, não por algum assunto de família ou negócios, e sim por realmente amar o garoto.
Quando meu turno acabou, as duas da manhã de domingo, apenas me troquei e bati o cartão, mas ainda assim parte de mim se preocupava com a situação de Jimin, que enquanto dormia profundamente parecia um anjo, talvez eu fosse realmente fútil por acreditar que ele era tão genuinamente angelical quanto sua aparência, mas seus pais pareciam realmente demoníacos por suas atitudes. Antes de sair do hospital, resolvi passar pelo quarto do mesmo para ver a situação, e ao adentrar pude ver Park Hyujin, me encarar assustado, e pelo silêncio no hospital, seus pais haviam o deixado.
-você está bem? Precisa de alguma coisa? - me aproximo aos poucos do garoto, ele parecia tão triste e abalado, mas também cansado, para ser mais exata, ele parecia exausto.
-ele vai acordar, não vai? -a voz do garoto era baixa, mas ainda assim rouca, o mesmo me olhava e eu sabia que ele só estava a procura de esperança, eu não sabia exatamente o que fazer para acalma-lo, mas eu podia apenas tentar.
-vai, ele vai sim, mas ele passou por uma cirurgia complicada, precisa descansar e você também. - Falo calmamente para o rapaz, ele parecia estar pensativo, tinha mais coisas que queria dizer do que podia e isso me deixava um pouco curiosa.
Em alguns minutos, eu havia levado para o quarto um cobertor extra, um chocolate quente e um travesseiro, na esperança de que o garoto mais jovem ficasse confortável, não era aconselhável um adolescente ficar no hospital como acompanhante, mas ouvi dizer que seus pais haviam assinado um termo e questionar uma família influente como eles era um erro que o hospital não estava disposto a cometer.
Naquele dia, eu cheguei em casa durante o amanhecer, as quatro e meia da manhã, apenas a tempo de tomar um banho, aproveitar a bela vista da sacada, a luz do sol refletindo nos prédios, enquanto eu admirava e agradecia por ter conseguido salvar aquele garoto do acidente, mas não conseguia parar de pensar se ele era realmente feliz, nos razões dele estar a 150km/h em uma pista de 80km, as razões para qual seu irmão se sentia tão triste e pressionado, enquanto seus pais pareciam mais interessados com a reação de sua noiva ou dos paparazzi que rondaram o hospital naquela noite. Quando deitei na minha cama naquela manhã, minha mente apenas pairava sobre o mistério que rondavam a família Park, e o quanto Jimin teria para contar quando acordasse, talvez eu nem devesse me meter em algo tão íntimo, eu só devia trabalhar para a recuperação do mesmo, mas ainda assim, de todas as famílias de vítimas que havia visto, de todos os acompanhantes, ninguém havia me chamado tanta atenção como a família Park.
As 5 horas da manhã, eu estava stalkeando o Instagram do jovem, onde haviam apenas sete fotos, sendo três de seu gatinho preto com imensos olhos verdes chamado Plagg, a foto de um livro cuja a capa estava em coreano e eu nem sequer conseguia entender, uma foto do mesmo em uma praia onde ele observava o mar, uma dele com seu irmão mais novo em um campo de beisibol onde o mesmo usava a jaqueta que havia visto mais cedo nos braços de Hyujin, e uma com sua noiva, ela tinha longos cabelos negros e era muito bonita, o mesmo dava um leve sorriso forçado, seus olhos eram completamente negros, quase como ônix. Ele parecia tão simples de decifrar, um garoto de família rica que iria herdar todo o império Park nas empresas de energia de Atlanta, obrigado a casar com a filha de um deputado famoso para manter os negócios da família, como em qualquer clichê da netflix, eu me sentia em Dinastia, mas ao ver o garoto e seu irmão no hospital, eu sentia que havia algo a mais e por mais que fosse antiprofissional, eu estava ansiosa para descobrir.
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Don't You Remember?
FanfictionElena é uma médica recém formada que trabalha em um dos maiores hospitais da cidade de Atlanta, onde em um dos seus plantões recebe um paciente que havia sofrido um acidente de carro que havia afetado sua memória. No decorrer da história sua famíli...