Garoto estragado

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Fórum: Wild Sis

Tópico: Adeus

?????* diz: Pessoal, esse é meu adeus. Minha vida não está nada fácil, meus pais não me entendem e falam o tempo todo que sou um fardo. Eles nem mesmo planejaram o meu parto, gostam de dizer que fui um acidente ou um atraso na vida deles. Hoje à noite me matarei ouvindo Satellites, meu único amigo e que esteve comigo nos momentos mais difíceis. Partirei junto de Kotori, tenho certeza que ela irá me guiar para o céu. Obrigado por todo o apoio.


Um homem de cabelos negros e olhos dourados estava sentado numa mesa de um restaurante chamado Baratie. O restaurante não era um lugar fino, mas também não era qualquer um que conseguiria pagar a conta de uma refeição. Mihawk experimentava um vinho, que o sommelier havia acabado de colocar na sua taça.

— Meu senhor, não é mesmo uma belezura?

Deu mais uma golada saboreando a bebida e estalando os lábios logo em seguida, mas não respondeu o sommelier. — Gostaria que o chef viesse até a minha mesa.

O sommelier engoliu em seco, levar bronca de seu patrão não era nada bom quando se tratava de Zeff. — O vinho não te agradou? Posso trazer outro...

— Não há nada de errado com o vinho. Na verdade, isso aqui é o máximo que essa espelunca pode servir. — Levou a taça até um de seus olhos e começou a observar o restaurante através da coloração rala e vermelha. — Estou esperando, meu pobre rapaz inexperiente.

— Sim, senhor!! — O sommelier correu atrás do chef, sem compreender a aura intimidadora daquele homem, seu olhar lhe pareceu meio sociopata.

Mihawk não precisou esperar muito, porque Zeff, o chef, logo foi ao seu encontro muito feliz. — Bastardo, o que faz aqui?! Ainda não está comendo?! — Virou-se para os garçons que lhe acompanharam. — Seus inúteis, vão buscar algo para ele comer!!!

Saíram com os rabos entre as pernas e encontraram alguns cozinheiros espiando pela janela da porta da cozinha, pois nunca viram o patrão sendo tão amigável com alguém. Era de costume Zeff dar um chute no cliente e não de querer dividir a mesa com ele — esse era um dos motivos do restaurante não ganhar tanto renome. O que estava havendo nesse dia? Um milagre? Será que se jogassem na loteria, venceriam?

— Então, seu irmão se matou e agora vai morar com o seu sobrinho nessa cidade?

— Sim, e aproveitei para te rever. — Mihawk limpava o canto da boca com um lenço, havia acabado sua refeição. Ele sabia que Zeff não gostava de restos no prato, portanto, teve todo o cuidado para não ficar nenhum grão. O chef sorriu por ele ainda se lembrar disso. — Quantos anos?

— Sei lá, é tempo pra carái.

Os dois costumavam ser amigos no período da escola e da faculdade, até que traçaram rumos diferentes.

— Nunca pensei que seu irmão um dia faria isso. Ele era uma pessoa doce, ao contrário de você. — Apontava com um dedo, censurando o amigo. — Eu conseguiria entender por que você se mataria, seu gótico de merda! Mas seu irmão?!

— Ele foi fraco, Zeff. — Mihawk empurrou sua cadeira e se levantou.

— Não diga uma coisa dessas! — Estava espantado com a frieza do amigo com o seu próprio irmão. — Eu sei que você é frio, mas agir assim logo com o seu irmão... ele precisava de ajuda!

— Já vi que vai insistir nesse assunto. — Fez um sinal para um garçom. — A conta por favor!

Zeff também se levantou e olhou na direção do garçom. — Conta coisa nenhuma! Foi por conta da casa. Tem certeza que não precisa mais de nada?

Mihawk sabia que Zeff estava querendo dizer algo além de comida, pelo visto seu amigo ainda era aquele garoto que se preocupava com todos. — Não, obrigado. Agora preciso ver meu sobrinho.

Enquanto dirigia, Mihawk se lembrou de como Zoro era muito novo para ter uma cara tão fechada. Seu irmão dizia que era tímido e que por isso não era apto para cuidar do dojô, diferente da filha cheia de energia, e até comentava que o achava sem graça. Mihawk às vezes pedia para levá-lo a algum profissional a fim de saber o porquê do menino não conseguir fazer uma amizade. Mas seu irmão lhe ignorava, quando sabia que podia contar com a filha no dojô. Uma vez Zoro perguntou ao seu tio por que seu pai dizia que era um garoto quebrado e não era como sua irmã, uma garota espirituosa. Tudo isso piorou com a morte da mãe, que era a única pessoa que demonstrava afeto pelo menino. No dia do enterro, seu irmão ainda lhe diria que gostaria que Zoro fosse uma menina e a filha um menino. E no enterro da filha, diria que queria que fosse Zoro no seu lugar.

Era noite de lua cheia e Mihawk entrou na alameda da casa de seu irmão até estacionar o carro na rua. Assim que saiu do veículo, a porta da casa foi aberta e Zoro saiu por ela, ele havia escutado o motor do carro e foi logo recebê-lo. O tio ficou surpreso de como seu sobrinho mudara desde o enterro de sua irmã, havia ganhado mais massa e estava mais alto, pelo visto não desistiu do kendô e logo se tornaria homem. — Garoto, leve minha mudança para o meu quarto. — Ordenou, enquanto abria o porta-malas e mostrava todas as caixas que Zoro teria que carregar.

O garoto continuou paralisado, achava estranho seu tio já lhe dar uma ordem sem mesmo perguntar se estava bem.

— É surdo? — Perguntou com descaso, apressando o sobrinho, que carregou cada caixa para o segundo andar no quarto de seu pai.

Mihawk estava no hall da casa dando uma olhada e notando que o ambiente era arrumado. Ele pensou que Zoro ser caprichoso seria conveniente, já que não gostava de sujeira, mas não sabia que era tudo graças a faxina de Sanji no domingo. Depois deu uma olhada na geladeira para saber o que preparar no jantar. No entanto, sentiu uma presença e fechou o eletrodoméstico, encontrando Zoro ofegante e suado por carregar tantas caixas, na entrada da cozinha.

— Mais alguma coisa? — Perguntou o rapaz.

— Senta na mesa.

Zoro obedeceu, o olhar de seu tio ficou mais tenebroso com os anos e simplesmente não conseguiu deixar de fazer o que mandava. Mihawk se sentou na mesa também e ainda na sua frente, continuaria encarando seus olhos dourados.

— Como está se sentindo?

Finalmente fez a pergunta que Zoro achava que faria assim que lhe visse.

— Bem.

Mihawk tamborilou os dedos sobre a mesa e ergueu o queixo. — Quem não ficaria bem com a morte daquele desgraçado?

Seu tio realmente estava mais sinistro, dizendo algo assim para uma pessoa que acabara de falecer e essa pessoa era o seu próprio irmão. — N-Não se sente mal com a morte dele? — Se praguejou por sua voz falhar com a pergunta, o homem devia estar vendo que continuou sendo um covarde durante esses anos que os dois não se viram. Deveria estar pensando que não era apto de cuidar do dojô como seu pai dizia.

— Você sente?

As orbes douradas lhe encaravam com todo o peso do mundo, Zoro estremeceu ainda mais. — Sinto só que meu objetivo não foi cumprido.

— Qual?

As perguntas eram monossilábicas e ainda assim cravavam firmes em seus ouvidos. O garoto desviou o olhar, não conseguia mais encarar o seu tio, e quando passou a fitar a mesa, notou gotas caírem sobre a madeira com verniz, estava chorando e não havia percebido até aquele momento. — O de fazê-lo me notar e me achar útil para o dojô. — Não se continha mais e as lágrimas desciam com mais força, escondeu o rosto em seus braços sobre a mesa e chorava desesperadamente. Um peso de culpa e desespero esvaia de seu corpo nas lágrimas que tanto segurou. Aquele tempo todo não sabia o que fazer com elas, não sabia se deveria chorar por um cara que acabou com sua infância, e nem se deveria por ser seu pai. Mas havia um pouco de alívio naquele choro, porque chorava por si mesmo.

Mihawk se levantou do seu assento e ficou ao lado do sobrinho, resolveu ser carinhoso colocando sua mão sobre as costas dele. Um ato simples e que era o seu máximo, não tinha como demonstrar um afeto maior que esse. Mas Zoro não reclamou, conseguiu se tranquilizar com o toque quente de seu tio e dormiu ali mesmo sobre a mesa, deixando o outro a pensar que seu sobrinho definitivamente era um idiota.  

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