capítulo 1

140 10 1
                                    

8 anos depois, por Juliana

Houve um tempo em que eu invejei os adultos. Não, não que a minha infância tenha sido doce e fácil de se levar, porém uma parte inocente de mim achava que os problemas da minha mãe e do chino eram mais fáceis de se resolver... Hoje com 27 anos eu percebo que não, que não é bem assim.

A verdade é que eu entendi que ao longo do tempo os problemas vão se agravando, apesar de ter nascido em uma família conturbada, eu, bem... Eu não precisava fazer escolhas, eles mesmo estando totalmente errados escolhiam por mim. Onde iríamos morar, onde eu ia estudar ou simplesmente não ia estudar.
Tudo era resolvido por eles, eu achando ruim ou não apenas seguia o fluxo como uma criança e adolescente "normal".

Hoje com 27 anos me pergunto se a vida é apenas isso, trabalhar, pagar boletos e conviver com pessoas vazias. A verdade é que eu sinto falta dos meus 19 anos, sim aquele ano dentre todos os anos da minha vida com certeza foi o melhor.

Engraçado como pela primeira vez o sol brilhou intenso para mim naquela manhã de quarta-feira, engraçado que a minha vida problemática e sem graça ganhou um fôlego e cores, era como se eu estivesse vendo o preto e branco ficar colorido só com a passagem dela pelo meu lado direito.

Um perfume tão suave invadiu o meu caminho, enchendo os meus pulmões com ânimo, ânimo de vida. Sensações raras e que muitas vezes me fazem questionar se tudo foi um sonho, uma ilusão. Valentina entrou na minha vida com uma leveza que me fez flutuar em terra firme e ao mesmo tempo como um furacão, um furacão que devastou todas as estruturas que eu tinha.

8 anos e eu ainda penso nela, uma mistura de dor e saudade permanece comigo em cada segundo da minha existência, as vezes me pergunto se em algum momento ela lembra de nós, se em algum momento eu fui pra ela tudo o que ela foi pra mim. Chego as vezes a me iludir achando que talvez, talvez ela um dia me procure e diga que se arrependeu de tudo. ILUSÕES!!! Eu sei.

Me mantive com o mesmo número de telefone por 3 anos, na esperança que ela entrasse em contato, sendo bem sincera comigo mesma, só troquei de número quando sofri um assalto, é ridículo eu sei.

As vezes sento na praça, na nossa praça, olho as crianças em volta, olho os casais, os idosos e pessoas se exercitando... Todos seguem as suas vidas, menos eu. Olho para os casais com seus filhos e penso nela e em como podia ser a nossa família, olho pra os idosos e me imagino com ela envelhecendo do meu lado.

Chego a pensar que estou doente, uma doença incurável chamada VALENTINA CARVAJAL.

Me afogo em uma amargura solitária, de casa para o trabalho e do trabalho para casa, eventos necessários e só. Lupe me visita com frequência, vejo a preocupação em seu olhar, em alguns momentos ela tenta falar algo sobre a Valentina, sobre os Carvajais, porém o meu silêncio como resposta a priva de continuar. Não quero ouvir nada sobre o casamento da Valentina, se ela já tem filho, se está feliz, pra falar a verdade a última vez que a vi foi vestida de noiva entretanto na maior catedral do México para casar com o Lucho.

Chorei tanto naquele dia e durante toda aquela semana que desidratei, não me alimentava bem e acabei indo parar no hospital, depois desses dias infernais comecei a viver no automático, estudar e estudar, estágio e trabalho tudo pra não pensar nela, até que desisti de me iludir, entendi que quanto mais eu tentava não pensar nela mais eu pensava. Por isso cheguei a uma conclusão Valentina me infectou, me deixou doente e eu não sei aonde achar a cura.

Quando o chino morreu eu pensei em procurar por ela, pra ser honesta acreditei que ela fosse me procurar. Esperei por ela durante todo o velório e dia e dias depois segui esperando, pois ela mais do que ninguém sabia a transformação que foi a minha vida com a transmigração que nossos pais sofreram.

No fundo agradeço a Deus, pois pude viver 4 anos diferentes com o chino, não tive muito contato com ele, mas as vezes em que estivemos juntos vi a sua mudança, no último ano antes da sua morte posso dizer que chamei ele de pai com carinho, ele passou a me abraçar e dizer que tinha orgulho de mim, vejo esses momentos como um presente de Deus para a infância e adolescência sem afeto que eu tive.

Hoje eu sou tudo o que a Valentina disse que eu seria, com 27 anos sou a designer jovem de moda mais conhecida da América Latina. Estou me destacando cada dia mais na minha área, já tenho uma loja referência em todo o México, e estou negociando para abrir filiais. Minha marca está crescendo e eu deveria está explodindo de orgulho e felicidade, se não fosse o fato que chego em casa e me sinto vazia, gostaria de falar pra ela cada coisinha que acontece no meu dia.

No primeiro ano em que ela me deixou, eu escrevi todos os dias em um caderno tudo o que eu vivia, escrevia como se estivesse conversando com ela de tanta falta que eu sentia, depois passei a ficar em silêncio e conversar internamente comigo mesma.

Lembro do brilho do seu olhar, da confiança que ela me passava, ninguém nunca acreditou em mim como a Valentina e por isso dói tanto. Apesar de odiar as mentiras a realidade na maioria das vezes é mais cruel.

Outra coisa que descobri depois de adulta é que a verdade não dói apenas uma vez como dizem por aí. A verdade é tão dolorida quando a mentira, o que difere uma da outra é que a mentira te dá uma anestesia, a ilusão de que tudo pode ser lindo e a verdade, a verdade te rouba essa anestesia te causando toda dor sem pena.

Me sinto parada no tempo.
É normal não ter vontade de sorrir?
É normal fingir sorrisos para fingir uma falsa alegria?
É normal dizer que está bem para evitar as 1001 perguntas sobre o motivo de você não estar bem?

Viver no automático com uma mente barulhenta é terrível. De todos os meus barulhos internos um ecoa mais dentro de mim, será que ela ao menos uma vez ou outra lembra de mim?

Nada é igual Onde histórias criam vida. Descubra agora