1 - Se o 'felizes para sempre' realmente existisse

18 2 0
                                    

Eu quero o divórcio!
Foi a última coisa que eu ouvi antes da porta bater. Olhar em volta do apartamento e descobrir que o nosso nós estava por um triz foi desesperador. Um casamento feliz, juvenil, com tantos sonhos dentro da mochila. Foi assim que começamos ainda no Brasil. Era estranho, mas sonhar ao lado dele foi a coisa mais certa que eu fiz. Começamos a namorar ainda na faculdade, eu estava fazendo licenciatura em letras e ele terminando a de moda. Foi lindo, ver seu olhar de felicidade quando ganhou o diploma; o de orgulho, quando me viu receber o meu. A nossa vida em São Paulo estava caminhando para um possível noivado quando veio a chance que eu esperava desde o começo do curso: mestrado em literatura na UCLA. Foi uma verdadeira batalha interna até eu ter coragem de contar para ele. Não queria que ele desistisse do sonho dele, havia conquistado a pouco seu almejado emprego numa marca conceituada e seria egoísmo meu pedir que ele desistisse de tudo para realizar apenas o meu sonho. Um sábado, a tarde, deu a luz que eu precisava: ele iria comigo. Era um almoço de família quando minha mãe, sem pestanejar, deixou escapar que eu estava em cima do prazo para mandar meus documentos para a universidade norte-americana. Ele ouviu, apenas deu um sorriso de canto e veio até mim. Quando o encarei de perto, ele apenas me abraçou e deixou que eu chorasse. Talvez, sabia que eu não exigiria aquilo dele. Eu sabia do sonho dele, sabia do quanto ele queria aquilo, mas ouvir o – eu vou com você – foi o suficiente para confirmar o que eu sabia: o nosso nós estava a um passo de dar certo.
Entre noivado e casamento não demorou muito. Foi apenas o tempo de arrumar a documentação com o cartório, para que ele pudesse ir comigo assim que as aulas começassem. Ele pediu demissão do emprego e, com um sorriso, disse que fundaria sua própria marca. Era o que ele sempre quis. A sua própria marca de roupas. Não demorou muito para que pudéssemos aterrissar em solo norte-americano. Os primeiros meses foram difíceis. Eram dias e dias sem dormir, ele trabalhando com sua marca e eu concentrada nos estudos. Foram noites sozinha, almoços em que deixava o prato dele pronto no micro-ondas sem garantias de que ele fosse comer, ligações para o Brasil insegura da minha relação. Mas, quando olhava para aliança, lembrava da sua promessa. Ele disse, no dia que casamos, que tudo daria certo e que, assim como a escritora favorita dele disse, que se a dor vem, a alegria também viria, então apenas deveríamos ser pacientes.
Realmente, a alegria veio. Quando estava próximo de terminar o curso de mestrado, e a marca dele estava se consolidando, a nossa vida passou a ficar tranquila. Foi com um sorriso que ele me incentivou a fazer o doutorado, assim como foi com um sorriso que o assisti abrir mais uma loja física de roupas. Compartilhar nossas conquistas foi a forma que eu percebi que a nossa felicidade existia. No início do doutorado, ele chegou com uma bolinha de pêlos marrom. Estava encolhido numa manta, ainda estávamos no inverno, mas seu rabo balançava com o aquecimento do apartamento. Koda. O nome foi ele quem deu. O nome do nosso primeiro filho. De repente, a nossa cama passou a ficar pequena e tivemos que ensinar, pela primeira vez, alguém a dormir em sua própria. Todos os dias, haviam dois anjos esperando eu chegar da universidade. Eu e o Koda também esperávamos ele voltar das suas incansáveis viagens de negócios.
O felizes para sempre dos contos de fada não existe. Mas, trabalhamos muito para chegar onde estávamos e, se o resultado disso fosse o nosso próprio felizes para sempre, eu estava tranquila. Entretanto, pela primeira vez, eu percebi que não seria suficiente para ele. Foi num outono que percebi que eu e o Koda ficávamos muito tempo sozinhos. Enquanto eu trabalhava no departamento de literatura latina da universidade, ele viajava cada vez mais. Eram dias e mais dias em semanas de moda, buscando novas ideias, tecidos,
modelos para estampar suas campanhas. Além de tudo, ainda arranjava tempo
para criar suas roupas e fazer as minhas saias. Eu poderia comprar, mas a crise
de riso veio quando cheguei em casa com uma saia cortada errado. Depois
disso, ele simplesmente disse – eu faço, vai ser mais fácil.
Estava cansativo e, na última viagem ao Brasil, minha mãe percebeu que
eu estava incomodada com algo. Percebeu que a felicidade com a qual fomos
para os EUA não estava mais pairando sobre nós. Não sabia explicar o porquê,
mas parecia que a nossa juventude estava desaparecendo num piscar de olhos
e que eu estava perdendo a oportunidade de viver com quem eu amava. Parecia,
sem querer, que eu estava vivendo a sombra dele, mesmo que eu tivesse minha
própria carreira. Eu sentia saudades, mas não ousaria lhe dizer para diminuir o
ritmo, sabendo que aquilo era tudo o que ele sonhou. Minha mãe concordou e
fez um cafuné em meus cabelos, como era quando eu chorava quando criança.
Eu estava conseguindo levar meus sentimentos conflituosos, até que a mãe dele
perguntou, num mesmo almoço de sábado, o que toda a família estava receosa
em perguntar: vocês não acham que está na hora de ter um filho?
Minha mãe sabia das minhas inseguranças, mas também, não deixava de
dar seu olhar esperançoso ao ouvir a pergunta da mãe do genro. Ambos filhos
únicos, os nossos pais queriam netos. Sim, no plural: netos. Eu apenas olhei
para ele, enquanto ele passou a mão pelo meu ombro e fechei os olhos
pensando que filhos nunca esteve nos planos dele. Eu poderia ter engravidado
antes, mas como faria a pós-graduação com uma criança? Como lidaríamos com
a abertura da sua marca enquanto tivéssemos uma criança? Com o Koda já é
difícil, imagina uma criança. Não foi a partir disso que a crise começou, mas sim
da minha ideia idiota de perguntar se ele queria tentar ter um filho assim que
retornamos aos EUA. A recepção foi exatamente do jeito que eu imaginava: -
ainda não é a hora Gabi – ele disse sem ao menos pestanejar.
E quando vai ser a hora? – Perguntei ao Koda quando ele saiu para
trabalhar. O cão parecia entender o meu questionamento e veio até próximo dos
meus pés, deitou e deu sua cabeça para que eu fizesse carinho. Eu já estou com
32 anos. As mulheres, infelizmente, tem a limitação física que envolve a
gestação. Eu não poderia esperar muito mais tempo. As perguntas que eu
evitava, começaram a rodar meu pensamento: será que ele não quer ter filhos
comigo? Será que eu não sou boa? Nós somos capazes de ter um filho? Tentei
tirar esses questionamentos do pensamento e focar em um resumo que um dos
meus alunos mandou com atraso. Mas, não demorou até que eu ficasse com
dúvidas e decidi ir ao médico. Aproveitei o desconforto na garganta que estava
quando retornei do Brasil, e resolvi fazer um check-up. Depois disso, tive a
certeza que ter filhos seria uma tarefa complexa, já que eu teria pouco tempo
para ter uma gestação saudável. Foi noutro sábado de tarde que ele viu a
papelada dos exames na bancada, por puro descuido, esqueci de guardar antes
que ele voltasse. Foi enquanto falava ao telefone com a minha mãe que percebi
que ele havia retornado.
- Faz tempo que você está aí? – Perguntei pigarreando, com minha garganta
ainda em seus dias ruins, assim que desliguei o telefone, prometendo à minha
mãe que ligaria mais tarde.
- O suficiente. – Ele respondeu seco.
- Beni, não é o que você está pensando. – Respondi receosa.
- O que eu estou pensando Gabriela? – Perguntou seco, com tom de amargura
na voz – Conversamos sobre isso, concordamos que não era a hora ainda e
você simplesmente vai ao médico? O que eu estou pensando Gabriela? – Em
anos, pela primeira vez ele alterou o seu tom de voz.
- Você queria que eu fizesse o quê Benjamin? – Respondi já com lágrimas nos
olhos, com a garganta fechada, começando a pedir socorro – Você quer que eu
espere ficar mais velha e não possa mais ter filhos?
- Eu só falei que agora não era a hora! – Ele gritou e bateu com a mão na
bancada – Eu comecei a expandir a empresa, não tenho tempo para uma criança
agora! – Pela primeira vez, comecei a me assustar com ele.
- Você nunca tem tempo para nada! – Fui em sua direção, com a voz falhando.
Ele é alto, eu também, nossos olhos se encontraram e não reconheci o
sentimento que havia ali – Você está mais preocupado com a sua carreira do
que com a nossa família, você só quer saber de modelos e desfiles, mas esquece
de mim e do Koda, não lembro da última vez que te vi chegar em casa e desde
que voltamos do Brasil, você está distante! – Esbravejei com lágrimas nos olhos
– Você não me ama mais, Benjamin! Você ama só a sua carreira! Você nem me perguntou para o que eram os exames e já deduziu tudo! Assim como faz com os seus funcionários! Sinto te informar, eu não sou sua funcionária! Na verdade, nem sei até quando vou conseguir ser sua esposa! – Vi seu semblante mudar, agora era raiva. Ele estava sentindo muita raiva.
- Eu quero o divórcio Gabriela. – Ele disse em tom baixo, fechando os olhos procurando manter a calma para não dizer besteiras – Eu quero o divórcio! – Disse mais uma vez e virou as costas me deixando sozinha, em lágrimas, provando que eu realmente não significava mais nada para ele.


UM DIA DE SOL [ORIGINAL]Onde histórias criam vida. Descubra agora