Na primeira vez que aconteceu... Eu confesso, eu não esperava. Todos os sinais estavam lá, é claro. Todas as vezes em que ela ficou internada no hospital, ou quando ela vomitou sangue, ou o pior diagnóstico que alguém pode receber no século XXI: câncer. Ah sim e piora, pois além do câncer ela também tinha uma doença auto-imuni QUE DIMINUIA A IMUNIDADE...
Como eu não enxerguei? Simples. Eu não queria. "Esse tipo de coisa não acontece com a gente", eu costumava pensar. Mas acontece sim, e acontece o tempo todo. A verdade é que a verdade estava na minha frente o tempo todo. "Mas ela lutou a vida inteira, ela era uma guerreira, ela era uma heroína, e os heróis sempre vencem no final, certo?" Bom... A Marvel já deixou claro que não é o caso.
Eu ainda lembro quando meu pai disse que precisava me falar algo sério, e eu, nos meus 13 anos, estava preocupada em baixar ilegalmente a música "what about love" do Shawn Mendes (nem preciso dizer que eu nunca mais ouvi essa música na minha vida). Eu sentei do lado dele, e quando ele disse "é sobre a tua mãe" eu ri e falei "ela morreu?".
Eu só queria que ele risse de volta, que ele falasse qualquer coisa... Mas ele só ficou em silêncio.
Eu lembro que todo mundo tava chorando, mas eu tava incrivelmente calma. Não é por que eu não me importasse, longe disso. É por que eu simplesmente não processei a informação. Só pode ser piada ne? Esse tipo de coisa não acontece com a gente.
A minha teimosia é tão grande que no velório tudo o que eu pensava era "isso só pode ser um boneco de cera muito bem feito, a qualquer momento a minha mãe vai aparecer e dizer que estava em um programa de proteção a testemunhas por que era testemunha de um crime." Eu não to brincando, essa foi a história que eu criei para me convencer de que era impossível que a pessoa mais importante da minha vida tinha deixado de existir. A eternidade é algo insuportável, e por toda a eternidade, aquela pessoa deixará de sorrir.
Sinceramente? Eu ainda estou esperando ela aparecer e dizer que estava naquele programa de proteção a testemunha.
Mas ela estava doente, certo? Eu podia mentir para mim mesma, mas parte de mim sempre teve medo. Como na vez em que ela caiu no sono com o celular na mão e eu entrei em pânico e tentei de todas as formas acrodá-la.
Mas aí aconteceu de novo...
Eu acordei estranhamente de bom humor, tava em uma vibe legal de auto estima ouvindo "no scars to your beutiful" da Alessia Cara. Até gravei um video que por motivos óbvios nunca verá a luz do dia, por que tudo parece bobo e estúpido depois da ligação que eu recebi.
Seguinte, eu não costumava receber muitas ligações na época, ainda mais direto no meu número, apesar de ainda ser comum ligar direto para o número. Mas a primeira, e única, coisa que eu ouvi foi "ela morreu".
Como assim ela morreu? Eu falei com ela no facebook esses dias! Ela disse que tava com saudade, que queria me ver, eu disse que não tinha dinheiro para pegar o trem... Mas era notícia na televisão, era noticia na cidade inteira, por que quando você morre jovem em um acidente de carro, por que o motorista (e todos os passageiros) estavam bêbados, você vira notícia.
Era tão surreal, que eu simplesmente sai correndo sem rumo, e quem me parasse na rua para perguntar por que eu estava correndo e chorando, eu tinha que parar para falar a coisa mais absurda de todas: ela morreu.
Eu disse que para ela que não tinha como pegar o trem para visitar... Eu podia ter me esforçado, pois no fim das contas, eu acabei pegando o trem para ir no funeral. Eu também peguei carona com um casal de estranhos que havia parado na calçada para perguntar se eu tava bem, mas naquele ponto eu nem me importava mais. Eu precisava chegar lá e ver o surreal com os meus próprios olhos.
E assim eu vi a segunda pessoa mais importante da minha vida ir embora, em um piscar de olhos. Eu não tinha explicações mirabolantes na minha mente, eu simplesmente neguei a informação. Eu evito pensar sobre isso, eu evito falar sobre isso. As vezes quando eu sonho com ela, ela nunca está "viva", como nós estamos agora... Sempre no meio termo, sempre algo diferente. Mas eu acordo e tento esquecer por que eu não quero aceitar, eu não posso aceitar.
Por que a vida iria levar as duas pessoas que estiveram do meu lado desde sempre, e me deixar aqui? Por que não me levou junto? Por que eu tenho que acordar todos os dias em mundo onde a minha mãe e a minha tia (que era basicamente a irmã mais velha que eu não tive) não existem? Pra quem eu vou pedir socorro quando eu estiver mal? Quem vai me dar ordens e sermãos quando eu fizer algo errado?
Toda vez que algo grande e significante na minha vida acontecer, eu não vou estar 100% feliz ou satisfeita, por que elas não vão estar ali para ver e celebrar junto comigo. Eu estarei para sempre quebrada. O resto da minha vida, eu terei um pedaço de mim faltando, e sempre vai doer, e eu nunca vou superar. Eu nunca vou aceitar. Eu não aceito.
E a pior parde? A pior parte é que toda vez que eu conheço alguém... Eu tenho medo. Toda vez que alguém me liga... Eu tenho medo. Toda vez que alguém vai viajar, ou demora para chegar em casa... Eu tenho medo.
E eu juro... Eu juro que se eu perder mais alguém...
...
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☹ SAD ☹
No FicciónÀs vezes queremos matar pessoas, às vezes queremos abraça-las. Eu só quero distância delas.