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Querida S/n

Minha querida, se soubesse o quanto a amo. Se eu pudesse, de algum jeito ficar. E, foi doloroso ter que partir, não pelo fato das minhas convulsões frequentes, nem a demasiada dor que meu corpo carregava. Mas sim, pela dor que meu coração carrega, de ter que deixar as duas pessoas que mais amo por conta de uma maldita doença. De ter que ver a revolta e raiva que sentirá e que, xingara Deus e até a mim por ter te deixado, queria estar aí para te abraçar após ler essa carta e tantas outras que, acredite em mim, doeu bastante.

Hoje, foi um dia de exames – tirando litros de sangue e tudo mais –. Você não pode me acompanhar na sala de exames, mas sei que estava aflita, sei que sempre reclamo de como é horrível os exames e até digo que seria melhor me matarem de vez mas você sempre me dá um tapa quando digo isso e diz:

— Cala a boca Noah Urrea! – enquanto eu apenas rio de sua raiva.

Mas hoje foi um dia a nível de se reclamar mesmo, eles fizeram tudo do que eu sempre digo mas, dessa vez, um pouco pior.

Mas a questão em si não é essa. Enquanto a enfermeira Mary – aquela que digo que tem cheiro daquelas roupas que ficam lá no fundo do guarda-roupa e só tiramos de lá, ou para botar para doar, ou para usar no frio quando nenhuma das outras blusas ainda está seca – tirava meu sangue me lembrei de uma coisa que aconteceu logo que nos conhecemos. Quando ainda éramos amigos com segundas intenções; nós e alguns dos nossos amigos do colegial saímos em uma festa e, você estava super nervosa (talvez pelo fato de ser sua primeira festa escondida dos pais). Então você ficou em um canto sem beber nem fumar como os outros faziam. E eu, que não era idiota já me aproximei iniciando a conversa mais ridícula de todas:

— Você já foi no hospital Blames de Fort? — disse me achando o cara.

Me lembro da sua cara de espanto ao me ver do nada e com uma pergunta sem noção. Me analisou por uns segundos como se perguntasse: "Qual o seu problema?". Então abriu um sorriso simpático e disse:

– Sim. Fui uma vez lá.

Você não tinha vontade de falar nada nem de conversar, dava para enxergar através de seus olhos. Mas seu lindo sorriso branco sempre disse o contrário, com aquele rosto simpático qualquer um acharia que você quisesse conversar ou saber de como a vida de um sedentário é difícil. Mas, na verdade, eu sempre soube que, naquele sorriso existia algo faltando, algo para ser falado, o que seus olhos diziam.

— Me desculpe, eu devo estar um pouco alterado por conta da bebida — ri no momento para descontrair.

— Tudo bem, eu só achei a pergunta um pouco aleatória.

Esse dia, em especial na festa, foi bem constrangedor você não queria conversar e eu não tinha assunto. Por um momento pensei que já não tinha chances com você e tudo mais. Mas, na próxima vez em que nos vimos foi diferente. Eu estava receoso por medo de acontecer o mesmo da última vez e de eu estragar tudo (de novo), então fiquei no meu canto e, dessa vez que veio foi você. Me pedindo desculpas por ter sido "indiferente" no dia e que, você estava muito preocupada no dia. Eu disse que estava tudo bem e então começamos a conversar para valer. Descobri que não tem cantor nem cantora favoritos porque se for falar irá demorar muito e que, você amava cantar e dançar. Me senti feliz por saber que também gostava de cantar e que tínhamos algo em comum. Resumindo, a conversa durou grande parte da noite e, posso dizer que tudo começou aí – é claro que não quero desmerecer o fato ocorrido na festa anterior.

Mas, apesar de, nesses pequenos trechos eu e, provavelmente você, termos nos divertido lembrando de um passado bem próximo, vale lembrar que eu morri!

(Sei que me chamou de bobo ou qualquer coisa agora)

E quero lembrar a você e a Cellina que as amo muito e essa é uma de muitas cartas que escrevi ou vou escrever (não depois de morto, é claro).

O que eu não fui para vocês (andamento)Onde histórias criam vida. Descubra agora