Duplo Impacto

01

Madison

Eu sabia que minha quarta-feira seria ruim assim que pisei no saguão do meu prédio e encontrei a minha vizinha de porta, a Sra Sparks, carregando uma caixa de papelão cheia de jogos de tabuleiro. Entendi logo de cara o que significava. Era mais uma tentativa desesperada dela de fazer amigos e daquela vez ela devia achar que convidá-los para jogar Damas ou a edição mais antiga de Batalha Naval seria a melhor forma. 

Como sempre, eu seria a única a levá-la a sério e me sentaria em sua salinha vintage cheia de almofadas feitas à mão com uma xícara de chá gelado e biscoitos esfarelados de aveia.

Aquela mulher precisava urgentemente de colegas de bingo e eu de planos para essa noite a fim de evitar aquele destino de novo. Não dava para estar sempre disponível para ela, por mais que eu sentisse pena. Um suspiro me escapa. Tenho certeza que Heather estaria fazendo suas piadas sobre eu ser a boa Samaritana das pessoas em tempo integral se estivesse aqui comigo. 

Estou no metrô, à caminho do trabalho, rezando para que o dia seja melhor do que minhas expectativas, frustradas com o que me aguarda à noite caso eu não encontre uma fuga, gritam. Vivo em um bairro bem simples, longe do centro onde o MacchiCat Coffee, um café temático de gatinhos adoráveis, fica localizado. Adoro trabalhar lá, mesmo que seja longe do meu modesto apartamento em um prédio de três andares. Heather o apelidou de "muquifo" quando me mudei, mas a ignorei. Minha irmã gêmea e eu raramente concordamos, de qualquer jeito.

A única decisão em comum entre nós foi a de sair da casa dos nossos pais e deixá-los fazerem o que quiserem de suas vidas. Minha mãe, Margot Blanchet, sempre pareceu um tubarão: se ela ficasse parada por tempo demais praticamente morria. Precisava estar sempre ativa com alguma ocupação e perdi as contas de em quantas atividades ela se meteu no tempo em que ainda morávamos todos juntos. Crochê, Yoga, golf, hidroginástica, clube do livro e muitas outras, uma mais inusitada que a outra.

Sendo assim, não foi uma surpresa tão grande quando ela me ligou numa noite e avisou que iria sair em férias permanentes com meu pai. Os dois viajariam para o estado do Colorado e alugariam um trailer para explorar cada pedra da região. No fim, eles realmente o fizeram e estão a mais de um ano fora. Quando os primeiros seis meses passaram eu tinha certeza que minha mãe, uma hora ou outra, iria acabar se empolgando com isso e que os dois estariam visitando outros estados do país. Acertei na mosca. Hoje em dia eles estão em um novo trailer, visitando parques nacionais no Canadá.

Com a viagem deles fiquei me sentindo bem melhor em relação à começar minha própria vida e Heather com certeza ficou confortável também. Ela conseguiu um apartamento incrível no centro, do tipo em que o chão inteiro é coberto por um carpete, com uma varanda e tudo mais, espaço de sobra para seus dois cachorros, e até hoje tento descobrir como conseguiu pagar algo daquele porte. 

Minha irmã é misteriosa sobre o que fez com sua liberdade ao sairmos de casa e eu não insisto muito no assunto. Somos gêmeas, mas não nascemos grudadas. Ela merece sua privacidade.

A voz eletrônica de mulher soa ao longo do vagão cheio, despertando algumas pessoas que dormiam nos assentos e me avisando da próxima parada em minha estação. Respiro fundo quando o metrô diminui a velocidade e me preparo de verdade para encarar o dia. 

...

— Madison! Aí está você! — Abigail grita para mim da cozinha atrás do balcão de madeira clara assim que ouve o sininho acima da porta de vidro da cafeteria soar. A cabeça dela aparece pela porta, seu amontoado de cachos escuros domados para trás por uma tiara de strass colorido. — Finalmente! Eu achei que ia precisar prender esses bichos nos fundos!