Capítulo 01: Convite para relembrar

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 Foi em uma quinta-feira que recebi um telefonema, poderia ser um dia melhor ou uma notícia mais animadora. Era da minha tia, ela me contou que a minha mãe morreu ontem no hospital, a meia-noite. Aos prantos, foi dito que ela morrera durante o sono, se foi sem dor. Poucos dias depois de visitá-la. Foi um sentimento misto, tristeza da perda mas uma pequena parte sente que já era esperado, um sentimento repulsivo em minha opinião.

Ela morreu poucos meses depois do meu pai, não me lembro bem de que forma meu pai morrera, mas sei que ele se foi de forma natural e indolor, ao que me lembre....

"Clara, querida, eu sei que é difícil. Mas a vida é assim.." minha tia disse, tentando não chorar novamente. Ouvi ela respirar fundo, e foi mais firme em sua voz. "Bem, recebi o telefonema de que você agora herda a casa dos seus pais e é preciso que você vá morar lá" Ela suspirou "Eu sei que você não quer voltar pra lá. Mas é necessário minha querida. Ser quiser, eu posso ficar uns dias com você lá e.." "Não, tudo bem. Eu posso me virar sozinha. Muito obrigada por se preocupar comigo, de verdade.." respondi. Ouve um silêncio inquietante por um momento, se podia ouvir até o cair de um alfinete. Minha tia riu, quebrando o silêncio. "Bem, qualquer coisa me liga, ok? Te amo querida" disse em tom animador. "Obrigada tia. Também te amo" respondi com um sorriso forçado e desliguei.
Imediatamente o sorriso murchou.

"Merda." murmurei "Prometi a mim mesma nunca voltar lá...". Mesmo visitando meus pais enquanto vivos, eu odiava ficar naquele apartamento. Memórias ruins que impregnava o lugar, como se a casa se alimentasse de memórias....

Depois de 1 hora refletindo e repensando minha decisão e as informações recentes, comecei a fazer as minhas malas mas com certa relutância e repensando sobre minha relação com a minha família. Minha relação com a minha família, especialmente meus pais, sempre foi complicada. Por mais que eu queira, eles eram complicados e muito críticos e exigentes, principalmente quando se tratava de trabalho..sofri muito com a autoestima por causa disso e com isso, acabei aos poucos me distanciando deles." Clara isso! Clara aquilo!" murmurei com certa raiva.

Pego minha bolsinha de remédios, colocando alguns produtos para tratar a pele e meus remédios para ansiedade, calmantes e outros que meu médico havia receitado. De relance, as cicatrizes nos meus braços, ou melhor, minhas memórias cravadas em minha pele...tentei evitar olhar por muito tempo, não sabia o motivo, só não queria ver. Parei de arrumar as coisas e coloquei um casaco. Fiquei aliviada e continuei arrumando as malas.

Nem sabia que horas eram quando finalmente terminei de arrumar minhas coisas. Estava meio exausta. Atolei na cama como se tivesse caído encima de um saco grande de farinha. O pequeno apartamento que aluguei não era grande coisa, sim, não era o apartamento ideal para uma escritora. Barulhos dos vizinhos, ouvir carros nas ruas e às vezes alguns canos quebram mas, fora isso, é um lugar bacana para ser muito sincera.

Aos poucos meus olhos se fecham e sou forçada a dormir. Consigo ver uma criança falando algo, várias vezes...ao me aproximar, seu rosto era familiar..

NÃO QUERO VOLTAR PRA LÁ..

Ela estava chorando sangue, muito assustada, implorando. De repente, mãos finas e escuras surgiram dos ombros da garota. Uma criatura feminina escura surge de trás da menina. Seu rosto era distorcido de uma maneira horrível. Desespero e ódio estampados de forma distorcida. "É PRECISO SE LEMBRAR DO QUE ACONTECEU...." De repente a criança foi sugada aos gritos a escuridão. Tentei gritar por ela e tentar salvá-la mas foi em vão. Do nada, mãos fantasmagóricas apareceram do escuro agarrando meus braços, pernas e tronco mas não conseguia gritar por mais que quisesse. "VOLTE PARA O PASSADO... RELEMBRE E CONFRONTE O VENENO DE SEU PASSADO...!". Em um segundo, finalmente acordei de meu pesadelo graças a uma notificação de mensagem. "Ufa..! Talvez eu deva falar pro médico desses pesadelos...." levanto da cama e pego o celular da cabeceira da cama.

Era Joseph Cooper, o amigo que conheci em uma convenção nerd. Ficamos amigos depois de um bate-papo sentados com os amigos dele no jardim no estabelecimento, foi algo único e difícil de esquecer. Desde quando nos vimos pessoalmente, nós ficamos muito amigos mas nada além disso por mais que meus pais me perguntem se eu tinha sentimentos por ele, o que é só amizade pura. Ele tem namorada antes mesmo de nos conhecermos o que é uma das razões mais obvias de ser só amizade. Joseph soube do que aconteceu através das redes sociais, possivelmente dos meus tios.
"Soube que você perdeu sua mãe.... Sinto muito mesmo, se quiser conversar estou aqui tá?" Só suspirei. Comecei a digitar no celular, pensando bem no que responder. Do nada alguém começou a me ligar, quase deixei cair meu celular no susto! Era minha melhor amiga e quase irmã Elizabeth ou, como a chamo, Lizzie. Somos amigas desde bebês, íamos ao colégio e morávamos no mesmo apartamento até que a família dela se mudou de lá e só um tempo depois voltamos a nos ver. Respirei fundo para não parecer muito ofegante e aceitei a ligação "Alô...? Lizzie...?" Perguntei, com um tom mais animador possível. "Bom dia Clara, tá tudo bem? Soube do que aconteceu ontem..." Elizabeth disse, meio preocupada. Só suspirei "Pois é... Está meio complicado ultimamente... As coisas estão meio.... Fora do lugar.... E infelizmente terei que morar na casa dos meus pais, está na herança mesmo...." disse. "Olha....se quiser, eu posso passar lá e te visitar ou passar umas noites com você, que tal?" Elizabeth sabia que era complicado ter que revirar os monstros do passado mas não queria me sentir fraca na frente de ninguém, mesmo que uma parte de mim deseje muita ajuda, não era assim que o mundo girava, era cruel demais para os mais fracos, pisa até quando não aguenta mais. "Só uma visita já está ótimo, obrigada.." menti mesmo com certa relutância, "Bem mas..... O.k., me avise quando chegar lá por favor.." Ela disse, sabendo que mesmo tentando insistir, eu não mudaria de ideia. "Claro que vou avisar" Respondi, quase sussurrando. "Ótimo, te amo muito. Não faça besteira". Eu só ri de leve "Relaxa, nada disso vai acontecer, prometo. Te amo também, querida irmã" E desliguei. Olhei de leve na pilha de livros para levar e peguei um dos meus livros favoritos que uma garotinha cai em um buraco em um mundo completamente bizarro mas lindo, sorri levemente, queria que o mundo fosse mais simples e feliz de se viver.
Peguei uma grande mochila e comecei pegando os remédios, materiais de higiene, minhas pelúcias e Mister Buddy um dos personagens de jogo mais famoso, "Buddy's Great Adventures" e muitos outros jogos da franquia, logo depois tive que escolher quais dos meus livros favoritos e alguns cadernos de desenho para alguns projetos porque se botasse muita coisa, a mochila poderia rasgar. Mochila pronta, roupa preparada desde ontem, agora vestida...Era hora de ir. "Lá vamos nós...." Peguei minhas malas e mochila e, depois de abrir a porta, me virei pra ver pela última vez o apartamento com um sentimento de vazio e muita tristeza mas não sabia o motivo exato e parecia que ficaria assim por horas, mas felizmente, pude me desprender desse estado, tranquei a porta e desci as escadas, mesmo que o elevador esteja funcionando como se esquecesse o mundo ao redor. 

Fragmentos do passadoOnde histórias criam vida. Descubra agora