Eide! Nas primeiras imagens que me lembro já estava com ela.
Aprendendo a caminhar, e quando observava as formas brancas e suaves que depois aprenderia que eram chamadas de 'nuvens'.
Logo me acostumei com a paisagem das nuvens, elas sempre estavam lá embaixo, no início das torres, se movimentando e soprando, tanto quando o sol brilhava, como à noite, quando a luz da lua e das estrelas dominavam o céu.
As torres douradas cintilavam com a luz do sol, e os zepelins esvoaçavam suavemente, de um lado para o outro, plainando, quando ia ao edifício maior, o grande centro, viajava num deles, junto com as outras crianças.
Eide me arrumava, aprumando minha roupa e limpando minha testa, eu não tinha cabelo, mas achava naturais, apenas os guerreiros e os criados possuíam, mas me ensinaram que nós, os neurais, e eu era um deles, não tínhamos cabelos, e íamos até a escola, onde treinávamos o dia inteiro, memorizávamos, eram exercícios repetitivos e chatos, mas o cansaço valia a pena, no final do dia retornava e podia abraçar Eide.
Com sete anos consegui criar um ser vivo! Era um pequeno equino, que os antigos chamavam de pônei, quando ele saiu trotando, meio desengonçado, do laboratório, eu cai e me machuquei, e Eide correu para me socorrer, era meu primeiro ser vivo, ele era muito bonito e alegre.
Mas, infelizmente, ele não sobreviveu... Quando eu chorei a morte do pequeno Karon, Eide estava lá e me consolou, falou que todas as coisas e pessoas que existiam tinham um princípio, e também um fim.
- E o que acontece quando somem? Para onde vão!? Lhe perguntei.
- Li num livro, muito antigo, que elas sempre retornam para as pessoas que amam, mas em outras formas! Transmigração! Ou retorno! – ela pausou, e concluiu com sua voz serena : Karon sempre estará com você! Ganesh!
Ela secou minhas lágrimas, mas hoje meu coração está frio, frio igual a uma pedra negra de ônix, adormecida no subterrâneo das torres do sol, embaixo das nuvens, da 'escuridão' e do solo.
Hoje minha iniciação está completa, eu entrei na 'mente', e faço parte dela, sou um neural, mas me falta uma última prova, a mais difícil. Entro na sala com um passo firme e paro diante de Eide, minha mãe.
Hoje é meu aniversário de quinze anos.
- Estou muito orgulhosa de você, Ganesh! Não tem motivo para hesitar e me desativar.
Olho para a chave fixada em seu peito, e por um momento lembro de toda a minha infância, e de todos os momentos em que ela esteve junto comigo, Eide era minha família. Os tutores, ao fundo, observavam impassíveis a cena, sem se mexerem, um silêncio de alguns segundos reinou na sala.
- Você voltará para me reencontrar!?
- Sim! Ela respondeu.
E virei à chave, se fosse humana, talvez Eide tivesse esboçado um sorriso, mas seu rosto metálico não denotava nenhuma expressão, seus olhos brilhantes e azuis se tornaram opacos e sem vida, e sua cabeça pendeu para frente, dois criados a seguraram e outros dois começaram a desmontar suas partes, seus braços, suas pernas, a carregando para a câmara de incineração.
Shura, meu tutor, me retirou do meu transe, ele havia retirado a placa-mãe, o 'coração' de Heide e estendeu para mim aquela peça preciosa.
- Obrigado mestre! Estou bem!
- Eu sei! Ganesh!
Ele se virou sem mais nada a dizer, demorei um tempo para lhe seguir, e fraquejando, olhei para trás e vi as partes de Eide, que os criados levavam, fechei os olhos, intensamente, e virei o rosto para o portal a minha frente, a dor que eu sentia era muito, muito profunda, mas meu coração era negro e frio, como a pedra de ônix, escondida embaixo das nuvens, envolta na 'escuridão', sobre o solo, nas catacumbas, esperando o seu instante...
"O que acontece quando se vão"
"Sempre retornam para as pessoas que amam!"
Ganesh, realmente, acreditava nisso, e a partir daquele momento escondeu esse sentimento de todos. Enquanto segurava com firmeza o 'coração' de Eide: sua mãe robô!
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DECOCITY
Science FictionNum futuro distópico toda a humanidade vive apenas numa única cidade: DECOCITY. Dividida em castas predeterminadas no nascimento pela genética. A sociedade segue três regras fundamentais: 1. Obedecer sempre a 'mente' 2. Nunca sair da cidade 3. Human...