amizade estranha e a sessão de coaching

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P.O.V Kazutora Hanemiya, Pet Shop, em algum dia da semana...
Podia-se dizer que a vida corria normal dentro daquele estabelecimento. Ou pelo menos em seu novo normal: Chifuyu continuava estressado, Nara continuava a subornar Nozomi com seus milkshakes TODO santo dia, apenas para achar uma desculpa para ver Chifuyu, que imediatamente fechava a cara, Kazutora continuava se encontrando com as clientes e paquerando nas redes sociais e Nozomi... Nozomi continuava sendo a Nozomi.
— Suis-je la fleur de lune… — Geralmente, a encontrava entristecida no início do expediente, ela era sempre a primeira a chegar com Chifuyu. Ele logo saía para resolver outros problemas pessoais e deixava o Pet Shop fechado até Kazutora chegar. O motivo? Nozomi nunca teria coragem de ficar sozinha na loja. E ele a buscava em casa, já que ela tinha medo de se perder. Sim, mesmo fazendo o mesmo caminho todos os dias, ela continuava com uma péssima orientação!
Mas hoje, ao invés de estar quietinha em seu esconderijo favorito (o armário), Nozomi estava embaixo da mesa do balcão brincando com colagens enquanto cantarolava alguma música francesa.
— Ué, tá animadinha hoje? O que está aprontando? — Ele até se abaixou para ver as peripécias da garota. Ela sempre tinha algo muito incomum para mostrar.
Nozomi curiosamente, nunca se incomodava com as perguntas de Kazutora ou sua intromissão, então não teve problemas em mostrar.
— Pegando ideias. — Havia colagens de coisas bem aleatórias: algumas flores, fotos vintage, pedaços de tecidos, desenhos de borboletas, coisas de jornal...
— Para o quê?
— Fazer lacinhos... E talvez, chapéus. — Aquela menina... Era uma caixinha de surpresas. Às vezes, ficava tão focada em uma coisa que parecia viver em seu próprio mundinho. Na verdade, Kazutora sentia isso na maior parte do tempo.
Como de praxe, eles precisavam iniciar o dia com aquele pequeno ritual...
— Então, qual o seu segredo de hoje?
— Hm... — Nozomi já não tinha a mesma empolgação de antes. — Eu gosto de sorvete de flocos.
Kazutora explodiu.
— ISSO NÃO CHEGA NEM PERTO DE SER SEGREDO! SORVETE DE FLOCOS?! O QUE TEM DE REVELADOR NISSO? — Ela não sabia mesmo brincar. Kazutora sempre se empolgava para contar segredos que poucas pessoas sabiam, enquanto Nozomi sempre falava alguma besteira aleatória. — Quero coisas vergonhosas e constrangedoras, Nozomi! Não é possível que você não tenha!
Eram sempre coisas como:
“Eu sonho em comprar uma mochila de Frozen”.
“Eu gosto de macarrão com chantili”.
“Tenho medo de morcegos”.
Não tinha a menor graça brincar com alguém assim!
— Vergonhoso? — Aquilo parecia abstrato demais para ela compreender.
Kazutora pensou que era hora de ser um pouco mais sincero. Geralmente, ele gostava de falar de seus feitos como um verdadeiro conquistador. A maioria de seus segredos eram sobre paqueras e ficantes.
— Sabe, Nozomi... Eu posso me passar por sedutor e bom, sim eu saio com muitas mulheres, mas eu me sinto sozinho, sabe? Sinto que estou sempre procurando uma parte que falta na minha vida... Um vazio que existe e nunca é preenchido, você entende? — Mesmo que ela fosse difícil de conversa, Kazutora gostava daqueles momentos que passavam juntos. E se sentia confiante em contar seus segredos.
— Sozinho? Mas você sempre visita tantas clientes... Não é amigo delas?
Ele riu. Ela era mesmo muito inocente.
— Bom... Qual o seu segredo?
Nozomi pensou bem no “vergonhoso” e tentou puxar na memória algum acontecimento marcante.
— ...Nunca tive amigo.
— NUNCA?
Nozomi negou com a cabeça.
— Isso é impossível, Nozomi! Todo mundo teve algum amigo na vida!
— Eu não. — Nozomi respondeu aquilo com muita sinceridade. — Sozinha na escola. Ninguém brincava comigo. “Esquisita, ninguém quer ser amigo dela”. Eu levava muitas bonecas, mas ninguém brincava comigo. Sozinha na hora do lanche... Por isso o bicho-papão me achou...
De novo essa história de bicho-papão... O que diabos ela queria dizer com aquilo?
— Nozomi, você está mentindo. — Ela olhou assustada para ele, não esperando uma resposta daquelas. — Você tem sim um amigo. A gente é amigo, não é?
— ...Somos?
— Claro que somos! Você é minha amiga! Eu também já me senti assim... — Talvez essa fosse a hora ideal de contar a sua história? Kazutora achava que sim, mas ainda não se sentia pronto. O que Nozomi, uma pessoa tão traumatizada pensaria sobre suas atitudes do passado? — Vamos sair qualquer dia desses? Tem um fliperama muito legal na cidade!
— Fliperama?
— Eu costumava ir pra lá quando era criança. Tenho certeza de que vai gostar!
— Tá bom! Gostei. — De alguma forma, aquilo animou Nozomi. Durante muitas vezes em sua vida, Kazutora se sentiu sozinho, mas aquela garota... Ela realmente parecia ter sido esquecida pelo mundo. O que seria dela sem o Chifuyu por perto e a mercê da mãe?
Mais tarde naquele dia...
Nozomi estava distraída limpando o balcão algumas horas após o almoço, como o lugar estava pouco movimentado, ela não sentia medo de ficar na entrada da loja.
Grande erro...
— TOQUINHO, CALMA!! — Como um estrondo, duas feras assassinas entraram no estabelecimento. Nozomi não teve nem tempo de reagir, simplesmente saiu engatinhando atrás de Kazutora, mas foi impedida pela tutora das feras, que puxou seu colarinho como quem puxava uma criança. — Menina. Onde pensa que vai?
— K-kazutora!!! — Mesmo assim, Nozomi conseguiu escapar da cliente maluca e correu para os fundos, onde seu colega dava banho em um gatinho. — C-CLIENTE!!
Ela imediatamente se escondeu atrás do rapaz, trêmula e pálida. Nunca viu cães tão grandes! Era um verdadeiro filme de terror para Nozomi, que morria de medo de cachorros bravos. Ele, sem entender nada, apenas foi até a entrada da loja para resolver a situação. 
A cliente era uma jovem de cabelos rosados e olhos claros, parecia muito jovem e... Irritada! As feras se sentaram ao seu lado, enquanto ela esperava impacientemente por algum funcionário.
— M-me desculpe, senhorita... O que deseja? — Kazutora suspirou. Já sabia de quem se tratava... A irmã doida de Nara.
— Vim aqui para almoçar, é lógico!! O que você pensa que eu vim fazer aqui com o Toquinho e o Chiquinho?! É claro que eu quero que eles tomem banho! — Ela era tão barulhenta e bravinha quanto a irmã mais velha. — E quem é essa menina vacilona que me deixou no vácuo?! Qual o teu problema, garota? Eu só vou ser atendida por ela agora!
Kazutora se controlou para não perder a paciência, cliente barraqueira era sempre um problemão.
— E-eu sinto muito pelo transtorno, senhorita. É que a Nozomi, a nossa funcionária, tem fobia de cachorros. —  Até Kazutora tinha um pouquinho de medo daqueles Dobermans. Aquele era um serviço para Chifuyu, que se dava melhor com cachorros assustadores como aqueles!
— Fobia o caramba! Traga ela aqui! Quem ela pensa que é para dar as costas para o Toquinho e o Chiquinho? Sabia que eles têm sentimentos, garota? O que você ia achar se fosse ignorada e alguém fugisse de você como se fosse um monstro?! Venha aqui!
Quase chorando, Nozomi saiu de trás de Kazutora. Foi ela mesmo que causou aquele problema e não podia prejudicar o colega. Totalmente cabisbaixa e tremendo de medo, ela foi na direção da garota.
— De que lado você deseja levar um soco? Hm? — A menina já estava até preparando o punho.
— TÁ LOUCA?! — Mas antes que Kazutora pudesse proteger Nozomi, Kawaragi agiu rápido demais, mas no meio do golpe...
— B-R-I-N-C-A-D-E-I-R-I-N-H-A!! — Nozomi ficou sem chão quando a menina parou e sorriu para ela. — Você acha que eu realmente fiquei brava, garota? Como você é boba! Acha que eu ia realmente bater em você?!
— ...E-eu... — Nozomi quase choramingou de medo. Aquela menina era assustadora! — Achei.
Para o alívio de Nozomi, aquela cliente maluca estava apenas brincando. Ainda assim, ficou receosa e com um olho no peixe e outro no gato. Enquanto Kazutora cuidava dos Dobbermans, Kawaragi Senju conversou com ela, mostrando-se uma pessoa bem diferente da primeira impressão.
— O quê?! Você realmente achou que eu iria fazer isso, Nozomi?! Você acha que eu bateria em uma moça indefesa? — Nozomi assentiu, o que deixou Kawaragi um tanto constrangida com sua brincadeira. Será que ela intimidava tanto assim? — M-me desculpe... É que a minha irmã falou de você e queria ver se era assim mesmo!
— Irmã?
— ...A Nara. É aquela mulher esquisitona que vive atrás do seu primo! Mas ela gostou de você, acredita? E ela não gosta de ninguém! Disse que você era uma menina muito educada e gentil, “diferente daquele escr...” ela é um “anjo” de pessoa, né?! — Senju deu uma risadinha. — Bom, ela não é tão durona assim, na verdade, ela é louca pelo seu primo, o Chifuyu. Até me subornava para que eu fosse tirar satisfações com ele, bom, ela sempre foi muito apaixonada...
— Entendo... — Nozomi sorriu levemente. Ela não sabia sobre as histórias de Chifuyu, mas pensava que ele faria uma boa dupla com Nara.
— Nozomi-Chan, por que você foi tão passiva comigo? Na verdade, pensei eu você ia me bater ou me xingar! Você ia simplesmente aceitar apanhar de uma cliente?
Nozomi assentiu. — Foi erro meu.
Imediatamente, Senju explodiu.
— Mas você NÃO pode aceitar esse tipo de coisa! Como pode simplesmente deixar que os outros te maltratem? Não faça mais isso!
Nozomi não entendeu o que Senju quis dizer.
— Você tem que se impor mais, se alguém falasse aquilo pra mim, eu mandava ir para aquele... E ia quebrar o braço do infeliz!
— É um pouco extremo.
As respostas práticas de Nozomi faziam Senju rir. Ela era uma menina tão simplista! Totalmente passiva e pura. Bom, elas eram realmente diferentes... Por algum motivo que Kawaragi não sabia explicar, ela sentiu vontade de conhecer aquela garota misteriosa. Com toda a sua experiência com gangues e conflitos, ela sabia que havia algo de profundo em Nozomi. Talvez um passado sombrio?
— Quer sair comigo qualquer dia desses? — De qualquer forma, ela era muito curiosa. E sua curiosidade a fez ter vontade de conhecer aquela menina mais afundo. Sua irmã mais velha a conhecia bem: sabia que ela teria vontade de ser amiga de Nozomi.
Imediatamente, Nozomi se assustou e virou seu rosto completamente para a direção da garota.
— ...P-por que quer sair comigo?
— Não sei! Gostei de você! E... Conheço uns lugares legais! Qual o seu número? — Ela já foi pegando o celular para salvar.
— Não tenho celular.
— AHN?! Como assim não tem celular? Todo mundo tem celular!
Nozomi não parecia achar aquilo nada estranho, para o medo de Kawaragi!
— Não sou boa com tecnologias...
Definitivamente, era uma garota peculiar.
— E como a gente vai conversar? Por pombo correio?
— Ainda existe?
— Foi ironia hahaha! Bom, a gente vai dar um jeito! Mas então, aceita sair comigo?
Nozomi continuou receosa. — Tem que ser com os cachorros?
Novamente, Senju riu.
— Eu vou deixar eles em casa, não se preocupe!
— Tá bom. — Ela era realmente bem prática.
— Então eu vejo você qualquer dia, tá? — Após seus cãezinhos tomarem banho, Senju se despediu de Nozomi, que ainda parecia bem confusa com a situação. — Tchau, Kazutora! Obrigada por cuidar do Toquinho e do Chiquinho!
E assim como veio em um estrondo, saiu num estrondo.
— Menina esquisita... Igualzinha a irmã, mas parece que ela gostou de você... — Kazutora sorriu para Nozomi. — As pessoas gostam de você, Nozomi!
Ela não parecia muito certa disso...
— Você percebeu que o Chifuyu anda sumido? Ele deve estar fazendo aquilo de novo... — Kazutora revirou os olhos. E claro, Nozomi não sabia do que ele estava falando.
— CHEGUEII!!! Como vocês estão, família?
Sim, o pior que Kazutora poderia esperar realmente aconteceu. Chifuyu voltou de mais uma de suas palestras motivacionais. Um verdadeiro saco! De tempos em tempos, ele ia para esses cursos e palestras de empreendedores e voltava vomitando frases motivacionais.
— ? — Nozomi reagiu da mesma forma que Kazutora reagiu.
— Tenho novidades! Acabei de voltar do curso para gestores de empresas e estou cheio de ideias para melhorar a loja! Então teremos mudanças na nossa gestão! Muitas ideias legais para o nosso time evoluir!
Nozomi ignorou e tentou fugir para o estoque, mas Chifuyu a segurou. Kazutora só queria rir com a indiferença da prima de seu patrão. Ela literalmente fazia tudo de forma tão sincera e coerente!
— Hoje, o dia vai ser diferente: vamos fazer uma dinâmica de grupo para alinharmos as nossas metas! Quero todo mundo sentado no chão da sala!
— Você só tem dois funcionários, Chifuyu. Não precisa falar “todo mundo”... — Ele era mesmo apenas um idiota. Um idiota gentil, mas ainda assim, um idiota.
Quando Kazutora pensou que não poderia piorar, Chifuyu entregou papéis coloridos para os dois e os obrigou a escrever suas metas para o ano.
— Vamos, gente! Motivação! Nozomi, NÃO É PRA DESENHAR BORBOLETAS NO PAPÉL! — Chifuyu repreendeu a prima. — Escrevam coisas do coração! Eu já escrevi a minhaaa!
— Aff... — Kazutora pensou por alguns minutos. Até finalmente escrever sua meta. Eram essas coisas que ele tinha que aceitar para não ficar desempregado.
Nozomi continuou refletindo por muito tempo. Tempo até demais, mas quando viu que estava para trás, logo escreveu sua meta.
— Vamos revisar elas juntas! Vamos ver o que o Kazutora escreveu... — Ele ficou todo animado para ler, mas quando o fez, sua expressão mudou. Seu rosto ficou vermelho de tanta raiva e foi inevitável não bater na nuca do amigo. — “Quero uma namorada”. VAI SE FODER, KAZUTORA! O que isso tem a ver com a loja?! CADÊ A SUA SERIEDADE?
— Você não falou que tinha que ser a ver com o Pet Shop!
— Eu preciso mesmo falar, seu idiota? Veja a Nozomi, ela é tão séria e leva o trabalho muito melhor do que... — Novamente, uma pausa constrangedora. — “Quero um amigo”.
Kazutora gargalhou naquele momento. Enquanto Chifuyu queria chorar de lamentação.
— Eu tenho os dois funcionários mais idiotas desse planeta!! Deus, me dê forças!
— E qual a sua meta, Chifuyu?
Chifuyu ficou corado e tentou esconder o seu papel. — D-deixa pra lá, não quero mais fazer coisas diferentes com vocês...
— Mostra. — Kazutora pressionou, até roubar o papel de sua mão e chorar de tanto rir. Ao mesmo tempo em que sentia vergonha de Chifuyu.
“Quero sair da casa da minha mãe”.

O Seu Jeito de Andar - Kazutora HanemiyaOnde histórias criam vida. Descubra agora