Não revisada
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Foi difícil para Alex finalmente decidir ir embora.
Ele fez suas malas com calma, tirou os troféus e as medalhas da parede e os guardou numa grande caixa de papelão. Fez sua cama e olhou para os papéis largados em cima dela. Haviam duas cartas, uma para sua mãe, e outra que ele deveria enviar pelo correio ao seu pai. Desta vez, não haveriam mensagens, não haveriam ligações. Não haveriam gritos (ao menos não os que ele pudesse ouvir), e não haveria nem mesmo uma gota de sangue pingando no chão. Nada de cabelos caindo sem parar e tanto choro preso, dali pra frente seriam apenas os dias de treino, os dias de jogos, as noites de cinema e as festinhas do pijama sem medo de uma porta se abrir abruptamente no meio da noite.
Nas cartas ele dizia os motivos que o fizeram ir embora, os motivos que o levaram a parar e aceitar que não merecia aquilo que recebia diariamente, que ele valia mais do que uma reputação familiar, do que a violência e pressão que cresceram junto de si no berço, elas não definiam quem ele era de verdade. Que ele nunca, se tornaria como eles.
Antes de se despedir da casa onde cresceu, Alex queimou ambas as cartas.
Eles não mereciam. Não mereciam suas palavras, suas justificativas, sua despedida. Entregar aquelas cartas seria entregar a versão de si mesmo que ele não queria mais ser, seria um rastro de si mesmo que ele estaria deixando para trás e ele não queria mais nenhum fantasma a sua porta.
Assim, ele atravessou a fachada de mármore e guardou as velhas chaves debaixo do tapete, pela última vez.
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Menos de uma hora depois, ela se encontrava na estação de trem, a partir dali tudo seria diferente. Era nisso que ela tentava acreditar, mas não era fácil. Não era fácil acreditar que ela estava indo embora, que ela estava partindo para sempre da vida que sempre teve. Que estava crescendo. Que o que não passava de um mantra de infância para aguentar um ambiente hostil se tornava uma realidade.
Ela podia ir. Ela podia dar uma festa com todas as pessoas que ele amava. E ele não precisava convidar uma família que nunca a deu amor. Ela não precisava se desculpar por ir embora e crescer.
Ela estava se despedaçando aos poucos durante anos, e nunca havia percebido.
O trem chegou, as portas se abriram e ele passou pelas pessoas com uma sutileza que ele nunca teve antes. Os bancos estavam frios, e as pessoas caladas. Ele se lembrou de algo num livro que havia lido na infância muito tempo atrás, que "a questão de estar perdido era que você tinha liberdade para ir a qualquer lugar, mas não sabia onde ficava lugar nenhum".
Então, quando ela finalmente chega ao apartamento, horas depois, percebe que ainda pode ver o mundo azul, e não tão mais cinza. Ela ainda pode seguir as estações na vida nova, pode fazer seu chá e sua torrada na sua cozinha, pode pendurar seus pôsteres e tingir suas roupas no seu novo quarto, que tudo continuará igual, e ao mesmo tempo diferente. Ele não precisa voltar.
Ele não precisa voltar.
Ele pode ir. Ele pode fazer uma festa e convidar todos que ele ama. Ele pode começar uma família que sempre o dará amor. E ele não precisa se desculpar por fazer tudo isso sozinho. Ele não precisa se arrepender.
Alex tirou as chaves do bolso e encarou a porta. Era a entrada para sua nova vida, e era assustador pra caralho.
Quando adentrou a sala de estar, e viu a cabeleira loira de seu namorado agarrado ao gatinho deles no sofá novo, da casa nova, da sua nova vida, ela pensou que poderia chorar. De medo, de alegria, de tantas coisas...
Ela não estava mais perdida. Ela estava em casa.
Pela primeira vez na sua vida, ela estava em casa.
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Matilda - Alex Fierro
FanficVocê pode ir. Você pode dar uma festa e convidar todos que você ama. Você pode começar uma família que sempre o dará amor. E você não precisa se sentir culpado por fazer tudo isso sozinho.