Capítulo 1

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Heloísa Camargo observou a filha sair da casa batendo a porta com mais força do que deveria. Afundou-se no sofá, imersa em angústia. Era mais uma discussão com Olívia. Mais uma que ela não sabia apontar a origem, como se tudo o que falava pudesse ser o estopim de mais uma discussão. E estava exausta. Profundamente cansada de toda aquela situação.

Lembrava-se de quinze anos antes. Olívia era uma menina alegre, sorridente e a relação das duas era perfeita. Mas o divórcio com Matias Tapajós não foi fácil, e Heloísa subestimou o ex-marido. Filho de um juiz importante, herdeiro de uma fortuna, Matias teve todas as conexões para tirar dela a única preciosidade que Heloísa tinha. Ganhou a guarda de Olívia e mudou-se com a filha para os Estados Unidos.

Ainda doía todos os dias. Heloísa imaginou que dar um basta em uma vida de humilhações e até agressões custaria o patrimônio que construíram juntos. Mas jamais imaginou que Matias seria tão cruel e pediria a guarda de uma filha para quem ele não dava qualquer atenção. Foi aquele seu erro, porque se soubesse que perderia Olívia, teria encontrado forças em si mesma para suportar muito mais.

Apegava-se ao fato de que Matias não deixou faltar nada à Olívia. Nem mesmo um amor deturpado que consistia em jogar a filha contra ela em qualquer oportunidade. Olívia já era outra menina depois de dois meses morando apenas com o pai, e Heloísa nunca mais conseguiu conquista-la. Não importava quantas viagens fizesse, quanto tempo de qualidade tentasse proporcionar. Nem mesmo dois anos morando nos Estados Unidos e convivendo mais de perto foram suficientes.

Sua filha a desprezava. Não era sequer ódio. Era quase uma indiferença, uma convivência por obrigação. E agora, aos dezenove anos, não tinha mesmo muito o que fazer. Olívia não era mais uma criança, era dona de suas próprias decisões e conviver com Heloísa não era uma prioridade. E por isso Heloísa achava que deveria se sentir grata por, ao menos, ter a filha por perto para que qualquer conversa virasse discussão.

Era uma novidade em meio a uma tragédia. Três meses antes Matias havia sofrido um acidente de carro. Sua esposa, a mulher com quem refez a vida e à quem Olívia chamava de mãe, havia falecido naquela noite. E Matias apresentava sequelas neurológicas graves. Perdas de memória, dependência para realizar qualquer atividade, períodos de agressividade. Foram todas aquelas dificuldades que levaram Olívia a tomar a decisão de retornar ao Brasil.

Não era por Heloísa, e sim por Matias. Para que seu pai tivesse uma rede de apoio maior, que incluía muito mais do que ela. O principal motivo era o irmão de Luciana, falecida esposa de Matias. Leônidas Lobato era dono de uma clínica de reabilitação com métodos inovadores e estava disposto a prestar todo o cuidado à Matias.

Eles agora moravam em uma casa no mesmo condomínio que Heloísa morava. Havia sido um acerto de Olívia com Violeta, a irmã de Heloísa que era corretora de imóveis. A relação de Olívia com a tia era boa, assim como era com Elisa e Isadora, suas primas. Era apenas com a mãe que a mais nova das Camargo tinha problemas, e esse era outro motivo pelo qual Heloísa as vezes achava que deveria ser grata.

Mas a verdade é que estava cansada. Olívia havia passado em sua casa simplesmente para buscar uma torta que Elisa havia mandado por Heloísa. Uma palavra errada, um descuido, e uma nova discussão. Heloísa se esforçava para ao menos mostrar que estava disponível, que poderia ajudar Olívia, mas era sempre em vão.

- Dona Olívia, Dona Olívia. – Manuela chegou na sala, segurando a torta. – Já foi?

- Já, Manuela. – Heloísa deu um sorriso triste. – Como um furacão, como sempre.

- Brigaram de novo. – Manuela resmungou. – Eu ouvi os gritos lá dos fundos. Como é que podem ser tão parecidas?

- Não somos parecidas, Manuela. – suspirou . – Eu mal conheço minha filha, e pelo visto nunca vou conhecer.

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