A névoa densa recaia sobre o reino entre as montanhas mais altas do continente, trazendo uma leve brisa naquela noite friorenta de inverno para os moradores das redondezas. Mas não para Ahslinn, que já em pé caminhava pelos campos de vagalumes-azuis em busca de seu grande amigo de longa data, Aslan O'Murchadha, com seu coração acelerado. Estava matando seu turno de guarda naquela noite, mas em noites frias como aquelas para uma feérica de sangue ametista — uma cor considerada de classe média na hierarquia — era difícil manter-se parada enquanto os batimentos fortes em seu coração clamavam pelo elixir dos O'Murchadha — uma família de alquimistas —, um líquido do qual a maior parte de seus componentes eram compostos pelos vagalumes-azuis. O elixir ajudava a abaixar a adrenalina em sangue feérico, uma serventia a cada mês para não fazer com que a praga se rebela-se mais uma vez como a séculos atrás, quando um dos primeiros imperadores ao se esquecer da maldição que batia na porta de cada feérico a cada mês, acabou por sair a noite ao invés de trancar-se nos confins de seu palácio e causar uma contaminação extrema e uma carnificina em massa na população de Tölker. Apenas poucos milhares haviam sobrevivido. O que antes era uma nação em grande potencial em batalhas e guerras, hoje era considerado uma aldeia pequena sem conflitos, tendo em parte a noção de dois terços de sua população a sete palmos do chão.
Aslan estava em sua oficina — uma tenda de lona verde que ficava na frente perto dos campos de vagalumes —, coberto de grama até os cabelos azuis escuros e sua pele escura de um verde-florescente. Ele cheirava a cataplasma medicinal.
Ao ver Ahslinn se aproximando com um quê de euforia, não tardou a pegá-la pelo braço e a arrastar até os fundos de sua oficina, onde teriam um pouco mais de privacidade.
A oficina de um alquimista era reservada de produtos químicos, medicinais e produtos do qual Ahslinn não fazia ideia para o que serviam, mesmo conhecendo seu amigo desde o primário ainda ficava surpresa com as habilidades mágicas — e a inteligência — dele para a ciência.Fora interrompida de sua análise pelo local ao ter os olhos lilases furiosos e incrédulos em sua frente.
— O que você está fazendo aqui a essas horas da noite, Gwendolyn?
Ela não poderia deixar de observar o quão fofo Aslan era quando estava enfurecido, seus braços não conseguiam decidir se ficavam cruzados ou apoiados em sua cintura, além de bufar a cada segundo e seus pés ficarem impacientes.
A família O’Murchadha era de uma hierarquia teoricamente abaixo dos Gwendolyn, tendo em conta de serem duendes. Mas em Tölker, por terem um sangue da cor azulada, eram um “rank” acima dos feéricos ametistas.
Ahslinn foi despertada de seus devaneios com um estalar de dedos em sua frente. Certo, ela precisava se focar e conseguir o elixir o quanto antes.
— Preciso de elixir, não tenho muito tempo. Agora.
Não foi necessário pedir uma segunda vez, em um segundo Aslan já estava correndo por toda a sua — não tão minúscula — oficina, emitia um xingamento ou outro e assim que achou a pequena poção em um frasco de vidro, não tardou a entregá-lo para Ahslinn, com uma preocupação estampada em sua cara. O que a emputeceu.
— Eu estou bem, Aslan. Não precisa ficar fazendo essa carinha de cachorro abandonado pela matilha. Quem faz isso são os lobisomens, não os duendes. — Sorriu cinicamente.
Ouve-se um bufar pelo cômodo.
— Não sei por que eu ainda me preocupo com um ser tão fútil como você. Meus sinceros: vai se foder.
Encararam-se por pequenos segundos antes de caírem na gargalhada. Ahslinn não demorou-se para beber todo o licor no frasco, fazendo uma careta no final.
— Essa coisa tem um gosto horrível. — Colocou a língua para fora. Sentindo seu coração se acalmar.
— Até onde eu sei não existe uma espécie de vagalumes-azuis cujo gosto seja de morango, fadinha. — Rebateu Aslan, sentindo-se, no fundo, chateado.
Ali estava, pensou Ahslinn, estava demorando para o drama do duende começar.
Antes que o pudesse provocar mais, fora calada com um barulho estrondoso de uma explosão — uma explosão que qualquer um de Tölker sabia a quem pertencia —, que jogou ambos os jovens até o outro lado da oficina, o barulho acabou por machucar os ouvidos sensíveis da Gwendolyn. Aslan levantou-se rapidamente e correu até o lado de Ahslinn, que ergueu o braço para o amigo ajudar, sendo totalmente ignorada pelo alquimista, que ajoelhou-se ao lado de suas poções, tentando recuperar, falhamente, o que sobrava delas. As lágrimas gordas que desciam de seu rosto foram o ápice para Ahslinn.
— Fala sério… — Resmungou ao ficar de pé, acariciando suas têmporas e tentando ao máximo retirar toda a sujeira que ficou grudada em seu uniforme da guarda. Sabia o que aquele som denunciava, só não sabia para quem.
Antes que pudessem se recuperar e procurar o motivo de toda aquela algazarra, a tenda no instante seguinte fora invadida pelos guardas reais do rei de Tölker, Ahslinn ajoelhou-se com a cabeça mirada para o chão, puxando o amigo junto para fazer a referência. O rei, em pessoa, estava em sua presença.
Em um manejar fraco com sua mão, os guardas começaram a revirar o que sobrava da oficina de Aslan — poções que não foram destruídas durante a explosão, frascos de elixir feérico, potes com cataplasma ou resíduos químicos… —, até acharem em um baú escondido entre a bagunça de livros de alquimismo o que eles procuravam, não demorando para entregar até o rei, que ao ler parecia compreender as pesquisas do amigo — o que Ahslinn mentalmente se chocou, pois a letra de seu amigo era um total garrancho.
— Cadete Gwendolyn. — A voz calma, porém em tom de firmeza falou, um arrepio subiu por toda a coluna da feérica. Ela estava totalmente ferrada. — E o alquimista mais velho da família O'Murchadha.
— Vossa Majestade. — proclamaram em uníssono, o cheiro de seus medos sendo perceptível diante a figura de uma hierarquia maior.
— Creio que estejam um pouco confusos pela minha vinda inusitada, gostaria de me desculpas pela bagunça que meus poderes fizeram em sua… tenda, jovem O’Murchadha, é uma lástima que tenha perdido tantos ofícios valiosos — Sorriu, sarcástico. Ahslinn percebia o quanto Aslan se tremia de repulsa e ódio por aquilo. — Mas não vim aqui para papear com vocês, crianças. Apesar que a ideia me fascine. Eu quero algo de vocês, e se vocês não me deram mandarei meus guardas darem uma visitinha bem feliz até a casa de seus familiares, o que acham?
Infelizmente, tanto Ahslinn quanto Aslan saberiam aonde aquela visitinha iria dar.
— O que você deseja, Vossa Majestade? — Fora Aslan quem tomou a frente, pintando um sorriso nos lábios do rei.
— O que eu quero é muito simples, pequeno O’Murchadha. O que eu quero é que você, junto da Cadete Gwendolyn, vão atrás de um pequeno menino chamado Azel, e o tragam até a mim. Minha esposa precisará do sangue dele, só ele a pode curar nesse momento.
Havia rumores de que rainha de Tölker estava de cama já fazia uma década por conta de uma doença, mas ela de fato nunca fora comprovada.
— A curar de que exatamente? — A coragem dessa vez vinha de Ahslinn.
Não demorou-se muito até o rei os responder, de forma tranquila.
— Da Praga.
Ouve-se novamente o barulho de uma nova explosão fora da oficina. Aslan e Ahslinn estavam, novamente, sozinhos na pequena tenda, onde o silêncio vinha a reinar.
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Tölker
FantasyA praga havia chegado a Tölker, um reino cuja tranquilidade entre os moradores era evidente, e agora Ahslinn seria obrigada a embarcar em uma viagem a outros reinos em busca da cura.