Jantar

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Meu bem, meu bem
Use a inteligência uma vez só
Quantos idiotas vivem só
Sem ter amor

Nós só percebemos os erros falados quando acontecem diante de nós.

A campainha tocou e três mundos distintos - mas interligados - pararam. O melhor que ele poderia ter estava diante de todos, esse é o primeiro mundo. Azul royal, cabelos claros, baixa estatura, imponente. Os olhares se voltaram para ela: Dirce, a ex-noiva do Doutor Barbosa.

- Como vai, Úrsula? - Sorriu satisfeita. O impacto poderia ser cortado com uma navalha de tão denso.

Aquela que o mandou procurar algo melhor, essa é o segundo mundo. Rosé, cabelos castanhos, alta, imperiosa. O olhar dela se voltou para o amado, Violeta Camargo não engoliu o fato dele estar tão absorto com a presença da suposta traidora.

Aquele que não queria algo melhor, pois o melhor já era ela, esse é o terceiro mundo. Cinza chumbo, cabelos grisalhos, alto, observador. O olhar dele estava estagnado na mulher parada a porta, mesmo que sentisse sobre ele o fuzilar da bela flor.

O clima pesou, ainda tinha a governanta presa entre os mundos, aquela, coitada, estava sentenciada.

- Dirce... - Eugênio murmurou.

O corpo de Violeta queimou, não da maneira que queimava na tarde anterior, muito pior - era ciúme, não volúpia. O tremelicar sutil de Eugênio a fez perceber que, quem sabe, realmente existisse algo melhor do que ela. Aquele sentimento incerto a destruía, fazia cada nervo enrijecer, os dentes trincaram.

- Não vai me convidar para entrar, Úrsula? - Ergueu o queixo frente à frente com a governanta.

O cinismo da mulher deixou Violeta em alerta, não eram rivais, jamais, nunca, não a enxergaria dessa forma mesmo que Eugênio ainda estivesse completamente preso a ela, ao jeito dela, ao perfume doce que adentrava a casa, ao retorno inesperado. Mesmo que ainda não conseguisse tirar o olhar do rosto dele, ainda que o segurasse pelo braço impulsivamente assim que Dirce se aproximou - soltou rapidamente em um pico de lucidez, não poderia transparecer sentimento algum pelo sócio. Sócios. Eram só isso.

- Quanto tempo, Eugênio. - Sorriu.

- Muito tempo, Dirce. - Ele beijou a mão dela em sinal de cordialidade.

Para Eugênio, tê-la na casa dela era humilhante. Ele foi traído nas vésperas do casamento! Dirce era um conflito interno, aquele amor que não aconteceu, mas, se tivesse acontecido, mudaria tudo. Seus olhos seguiam a mulher que ainda o olhava com um sorriso sutil nos lábios.

- Esta é Violeta Camargo, minha sócia na tecelagem. - Respirou fundo. - Violeta, esta é Dirce, minha...

- Convidada. - A mulher respondeu. - Muito prazer, Dona Violeta. - Estendeu a mão.

- Muito prazer. - Forçou um sorriso, estava desconfortável. Apertou a mão dela.

Aquela noite estava apenas começando.

Os americanos foram recepcionados, Dirce era esposa de um deles - não que isso tenha aliviado a tensão de Violeta, afinal, adultério era uma palavra presente no cotidiano dela. Eugênio estava visivelmente incomodado com tudo aquilo, o olhar do homem vagava entre a ex-noiva e a amante que por algum motivo se distanciou dele, não demorou a perceber que Violeta não parava de olhá-lo com tanta gana que era cômico. Ela estava com... Ciúmes?

Um dos homens se aproximou de Violeta com um sorriso galanteador, pegou a mão dela e beijou causando em Eugênio certa insatisfação. Ele não conseguiu ouvir, mas o senhor disse algo que a fez rir. Talvez fosse nervosismo pela língua estrangeira, ela provavelmente não deve ter entendido.

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