Rebekah mesclava-se intrinsicamente em St. Louis. Linda e perfeitamente.
Nuvens despontavam sob os arranha-céus de titânio e prata, enquadrando manhãs no ciano de seus olhos. Os fins de tarde se dissipavam no púrpura e lilás que ela gostava de usar nos lábios. E as nuvens, quando eclipsadas pelo Sol, derramavam o dourado que tingia seu cabelo.
Ou talvez fosse como o único ponto interessante da cidade era o Gateway Arch, e o dela, os peitos.
Não que ela tivesse deixado impune qualquer um que lhe dissesse isso.
Ela fora boa para o Missouri, e o Missouri fora bom com ela. Mas ela não lamentara ou hesitara quando um herdeiro de nome e grana lhe ofereceu uma saída. Dissera sim no instante em que ele pusera um joelho no chão, e já estava fora da cidade antes que o pai a pudesse chamar de puta.
Ela pegara o trem da linha 7 para Rhode Island, contando as nuvens e ligando estrelas até o litoral. Amaldiçoara as últimas sete gerações do marido, depois de tê-la deixado viajar sozinha quando ela atrasara o caminhão de mudança em 40 minutos. Decidira que deixá-lo organizar as caixas por si só enquanto passeava pelo centro seria uma punição apropriada. Ele, em retaliação, jogara fora seu suéter.
Era de seu ex-marido mesmo.
A casa não era grande coisa, mas tampouco ela o queria. O sussurrar das ondas e o crocitar de gaivotas limpara sua mente dos murmúrios e chiados da mãe, de uma forma que, pelas manhãs, ela esperava o som da torradeira e não da garrafa de vinho se estilhaçando na parede.
Não durara muito tempo. As vigas e espinhos enrolaram-se sob seus calcanhares novamente, estalando sob seu ouvido "ela é uma puta, adúltera, infiel. Eu ouvi dizer" e "como uma divorciada conseguiu tudo isso?".
Ela não se importava, mas a parte dela criada pela mãe sentia o ego enrolando-se em seu âmago, uma criatura arisca e arredia, que buscava pelo poder dos segredos que se escondiam por baixa de máscaras e fachadas. Fora uma coleção impressionante que ela coletara através dos anos, minuciosamente protegida num fichário colegial por um cadeado de portão.
Robert a ajudara com tudo isso, apesar de ter durado pouco. Rebekah não era capaz de se contentar com a atenção de uma única coisa, constante e imutável, e Robert mordia as amarras de uma aliança de ouro. Fora um casamento adorável, apesar de conturbado, mas seguiram com os títulos. Se não pela reputação, um pelo outro. Tornaram-se parceiros sob uma certidão velha e documentos oficiais.
Cúmplices, assim por dizer.
A casa na praia viera quando o pai de Robert adoeceu. Fruto de uma herança gorda e projetada para abrigar uma bilionária em luto e suas amigas de requinte e elegância.
Rebekah rolara escadaria abaixo com uma taça de champanhe, Robert vomitara na urna com as cinzas do pai.
Sua sogra nunca mais arquitetou uma festa para a alta sociedade, mesmo que marcasse o fim da vida de um filantropo.
Com doze anos de casamento, Robert morrera de uma complicação no coração. Ela nunca entendera os termos médicos, ou o motivo de Deus tê-lo tirado dela, mas entendera que fora uma vertente da mesma doença que roubara seu pai antes do esperado.
Ela nunca o odiara mais do que naquele instante, por ter dado ao filho aquele último presente de dor e mágoa.
Ela não chorara quando o encontrou. Ou quando foi ao funeral. Ou quando enfim assistiu o último canto do caixão ser coberto por terra.
Mas chegara a vomitar de tanto soluçar quase um mês depois, quando percebera que não tirara o suéter horroroso que ela dera à ele no natal há quase um mês inteiro. Porque lembrava ele, porque tinha seu cheiro, e ela era tão dependente dele que não chegara a notar o desespero por se agarrar às últimas reminiscências de sua morada.
Nem a casa da praia foi capaz de protegê-la dos comentários dessa vez. Ela ouvira sussurros e chiares como,
ela deveria ter sido mais dócil
deveria ter sido uma esposa melhor
se não fosse tão louca, talvez o coração dele tivesse aguentado.
Em seu túmulo, sua mãe havia mandado gravar "a última grande dinastia americana".
De uma forma ou outra, meio contrariada e calejada, ela concordava.
Rebekah mandou todos irem se foder com um bilhete pregado na entrada da cidade, escrito por canetas com perfume, glitter e um rancor massivo. Escrevera quem realmente era a mãe zelosa e quieta, o senador conservador e direito, a garota arrogante e confiante. Sentia os rumores mordiscando seus pés no voo para longe, sussurros de
Lá se vai a mulher mais sem vergonha que esta cidade já viu.
O que teria acontecido se ela nunca tivesse aparecido?
Ela se divertiu muito estragando tudo.
Ela saíra de Rhode Island, mas levara o nome dele junto. Era importante onde era vista, e aprendera a nadar em champagne e fazer chover dinheiro. Conhecera garotos que gostavam de mulheres mais velhas e homens que gostavam de meninas mais novas. Aprendera a jogar e apostar, agora que não tinha mais nada a perder.
Eventualmente, ela voltara para a casa de praia, onde ninguém que lembrasse de sua história restasse. As vezes, a podiam ver saltitando por entre as rochas, conversando com o mar da meia-noite e cantarolando junto à melodia do vento. Os anos de dores e lástimas endureceram sua pele, enriqueceram seu olhar. Tornaram-na sábia e experiente e vivida.
Até a primeira briga com seu vizinho, que a levara a roubar seu cachorro e tingi-lo de verde-limão.
Dizem que 50 anos é muito tempo para que uma casa espere silenciosa pelos dias de mulheres loucas e homens de maus hábitos. Dizem que as vigas apodreceram pela falta de risos e que as paredes entortaram por falta de berros. Dizem que as janelas estilhaçaram pela falta de gritos e que o teto se abriu pela falta de ego.
Dizem que ela esperou prostrada, quieta, esperando pela próxima mulher louca.
Até que foi comprada por mim.
the last great american dinasty - taylor swift.
RayDelveaux
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•𝐂𝐨𝐧𝐭𝐨𝐬 𝐝𝐞 𝐋𝐮𝐳 𝐞 𝐒𝐨𝐦•
Short Story𝐀 𝐋𝐞𝐧𝐝𝐚 - 𝐍𝐮𝐯𝐞𝐦𝐑𝐨𝐬𝐚 𝐍𝐨𝐬 𝐂𝐨𝐧𝐟𝐢𝐧𝐬 𝐝𝐨 𝐂𝐨𝐬𝐦𝐨𝐬 - 𝐀𝐩𝐞𝐧𝐚𝐬𝐎𝐮𝐭𝐫𝐨𝐀𝐧𝐨𝐧𝐢𝐦𝐨 𝐀 𝐔𝐥𝐭𝐢𝐦𝐚 𝐆𝐫𝐚𝐧𝐝𝐞 𝐃𝐢𝐧𝐚𝐬𝐭𝐢𝐚 𝐀𝐦𝐞𝐫𝐢𝐜𝐚𝐧𝐚 - 𝐑𝐚𝐲𝐃𝐞𝐥𝐯𝐞𝐚𝐮𝐱