Não abra a janela

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Estava em mais um período em que a ansiedade se fortalecia cada vez mais em meu corpo, não controlava direito minhas pernas e mãos com certa frequência, muitas vezes o ar faltava de meus pulmões e eu acabava na calçada da casa na companhia de meu cachorro, esperando que a brisa das árvores fizesse o ar circular por meu corpo novamente. Graças a Deus por, naquela noite, ser algo mais brando, apenas uma crise de insônia. Lembro de conseguir ouvir a TV ligada e as risadas do meu primo acompanhadas dos sons do aparelho. Preferi ignorar, afinal sabia que dormindo ou não, teria que me levantar cedo no dia seguinte, havia uma prova da faculdade me esperando. Talvez esse fosse o motivo da insônia.

Por volta de 01h o sono começou a me envolver e o alívio de não ter que acordar tão cansada no outro dia me preencheu. Suspirei fundo e senti o colchão me envolvendo, estava completamente relaxada. Foi então que tudo começou a acontecer.

Cinco minutos de sono se passaram e acordei com um barulho na janela, alguém tinha jogado algo do lado de fora, uma tampinha de garrafa talvez. Pensei ser o vizinho com suas festas de meio de semana, mas não havia barulho algum vindo de lá, então provavelmente fosse algum fruto da minha mente turbulenta. Ainda podia ouvir a TV de longe, meu primo provavelmente já havia pegado no sono.

Outro barulho. Dessa vez pude ter certeza de que não era mais um devaneio, me levantei da cama e fui até a sala, afinal para aquele "pestinha" de 20 anos tentar aprontar uma comigo não precisava de muito, mas não, ele dormia como acabara de concluir. Decidi então ir ao quarto dos meus pais, se algo estivesse errado do lado daquele corredor sinistro vizinho a minha cama eles também teriam percebido, já que a janela deles também foi construída dando acesso a ele, mas os dois dormiam tranquilamente. Meu primo mais velho tinha dormido cedo naquele dia, pois pegou pesado no serviço, não teria chances de ser ele.

O sermão do meu pai passou pela minha cabeça, principalmente o momento em que ele falou sobre os dons espirituais e a a expulsão de demônios. Tentei esquecer, isso não aconteceria comigo.

Fui me deitar pela segunda vez na noite, assim que fechei o olho o barulho começou de outra forma, parecia que alguém tinha jogado uma pedra um pouco maior que uma brita dessa vez.

"Mas que absurdo", pensei. Já era madrugada, o vizinho não tinha algo melhor para fazer além de atrapalhar mais ainda meu sono numa noite difícil como essa? Parecia que dormir já estava ficando impossível. Abri a janela com uma certa hesitação, já que o corredor sempre me dava calafrios, mas dessa vez iria brigar com o vizinho, não deixaria passar batido mais uma noite mal dormida por causa dele. Me surpreendi ao ver a casa completamente apagada. Fechei a janela.

O sermão veio a minha mente mais uma vez. Fechei os olhos com força na esperança daquelas palavras sumirem da minha cabeça, junto com todos os pensamentos sinistros que vinham com ele. Não funcionou. O corredor escuro e frio do lado de fora da janela se misturou as lembranças do sermão, sentia meu corpo tremer por baixo da minha pele.

Abri os olhos mais uma vez depois de mais uma tentativa frustrada de pegar no sono. Uma sensação de estar sendo observada me invadiu e logo todo o meu corpo começou a ter calafrios seguidos, sabia que o que me observava vinha de cima e, infelizmente, não estava falando de Deus. A hesitação de olhar para o guarda-roupa era grande, mas a curiosidade era maior. Assim que levantei meu olhar eu a vi.

Os cabelos eram bagunçados, a roupa em farrapos, o corpo parecia estar sujo, mas o que mais me deixou apavorada foi seu rosto, ou melhor, a falta dele. Tentei procurar por um mínimo olhar ou expressão, mas nada havia ali. Contudo ainda assim conseguia sentir sua alegria e contentamento ao ver o pavor expresso em mim, pavor esse que acabou não me fazendo perceber, por alguns segundos, que ela se aproximava cada vez mais da cama.

Conseguia vê-la descendo do guarda-roupa pelos nichos, meu coração acelerava, fechei os olhos com força e me lembrei mais uma vez do sermão: "Podemos pedir a Deus para nos livrar de situações como essa". Ela estava prestes a alcançar a cama, comecei a orar a mesma frase: "Deus não estou pronta, não deixe isso me machucar". Ao abrir os olhos pude escutar o despertador, já era de manhã, eu havia dormido enquanto repetia aquela oração. Acabei questionando minha sanidade, afinal aquilo foi real ou não?

Apesar da quase constante sensação de estar sendo seguida e observada eu preferia não acreditar que tinha ligação com os acontecimentos passados, mas...

Eu a vi novamente.

Estávamos em outra casa, uma casa melhor e mais espaçosa, a janela do meu novo quarto ficava fechada o dia todo, por motivos óbvios, mas fui forçada por uma mãe claustrofóbica a abri-la um pouco, antes de dormir aquela noite, assim que abri um vento frio adentrou o quarto fechei cerca de cinco minutos depois. A sensação que sempre me perseguia tinha aumentado, liguei o ventilador e o ar condicionado, o calor havia voltado com tudo depois daquele vento, desliguei a luz e fiquei feliz pela pouca claridade que o eletrodoméstico deixava no quarto, me cobri até a cabeça pelo tempo que consegui. Como eu gostaria de ter ficado com meu corpo embaixo das cobertas!

A vi se levantando ao lado da prateleira, ela virou sua cabeça diretamente para mim, sentia sua raiva no meio do vazio em seu rosto. Sua raiva foi evidente ao vir direto em minha direção, os braços esticados, tentando me tocar, seu corpo parecia flutuar rapidamente no chão ao mesmo tempo em que ela parecia correr com seus próprios pés, mas por algum motivo antes que chegasse ao lado da minha cama ela desapareceu. Fechei meus olhos de forma brusca e os abri de novo, acreditei por alguns segundos que era apenas uma ilusão, me virei para a parede com medo do que poderia acontecer se estivesse virada para o restante do cômodo. Acabei não conseguindo fechar os olhos, tamanho era o medo que me corroía e por isso pude ver através da sombra que se formava pela luz do ar-condicionado ela descendo pelo ventilador, bem acima de mim. Não sei como ela fez aquilo, já que as paletas ainda giravam.

Não me contive desta vez.

Meu grito foi alto, alto o suficiente para chamar a atenção de meus pais no quarto ao lado, eles entraram e ascenderam a luz, a mulher foi embora. Meu coração estava acelerado, meu corpo tremia, minha voz havia sumido, uma crise de pânico.

Meus pais não sabiam o que fazer, nem o que aconteceu, a única coisa que consegui pronunciar depois de alguns minutos foi "eu vi algo descendo pelo ventilador", eles acharam que talvez fosse uma paralisia do sono ou sonambulismo. Por precaução eles me tiraram do quarto e dormi no chão do quarto deles aquela noite, no colchão para visitas.

Se tudo o que aconteceu foi algo da minha mente ainda tenho minhas dúvidas, afinal acredito no sobrenatural. Porém de uma coisa eu tenho certeza: nunca mais abro a janela a noite.

A Mulher sem RostoOnde histórias criam vida. Descubra agora