Capítulo 32: Lobo Negro.

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A floresta era um borrão de escuridão a minha volta. Eu estava correndo. Não sabia porque, mas sabia que precisava correr. Algo molhado escorria das minhas mãos, ensopando meus dedos. Continuei correndo, desviando das árvores. Mas forcei minha mão para cima, vendo que ela estava manchada de vermelho e bem no centro da palma, havia um corte longo.

Tropecei e caí, rolando por uma parte descida da floresta. Meus braços batiam em tudo e minhas pernas ardiam a cada tranco que eu dava no chão. Ouvi o grito de alguém. Era uma voz masculina, que parecia implorar por alguma coisa. Meu corpo se chocou contra uma árvore caída e eu gritei de dor, sentindo como se estivéssemos sendo rasgada ao meio.

O céu estava estrelado em cima de mim, enquanto minha mente ficava nublada pela dor e minha cabeça girava. Olhei para o lado, vendo o objeto que brilhava sobre a luz da lua e das estrelas. O medalhão, estava sujo de sangue e rachado ao meio. A pedra branca e cintilante que antes estava cravada ali, havia sumido.

Acorde! —Me ergui de uma vez só, sentindo Ágape encima de mim, enfiando as garras na minha roupa e batendo a pata em minha testa. Eu estava em cima de um galho, que se entrelaçava em outro. Mas quase caí dele com o susto. —Louisa, acorde!

—O que... —Meu peito estava acelerado por conta do sonho. Meu estômago estava embrulhado pelas imagens da minha mão cheia de sangue e a dor que eu senti quando cai, parecia estar ali, tomando conta de mim. —Ágape...

—Shiiii! —Resmungou, grudando o corpo pequeno em mim. Só então percebi as fadinhas estavam escondidas e encolhidas atrás das folhas das árvores e algumas, embaixo da minha jaqueta. Estavam silenciosas e nem um pouco brilhantes, como antes. —Tem alguma coisa na floresta.

O sangue sumiu do meu rosto, enquanto eu olhava ao redor. Mas a noite estava escura demais. Não havia um único som agora. O silêncio era mais incômodo do que os barulhos dos animais noturnos. O desconforto tomou conta de mim e eu passei a mão ao redor de Ágape, o apertando contra mim. Ele não se importou com isso. Mas por um segundo, pensei ter sentindo ele tremer. Não de frio, mas de medo.

As fadinhas se afundaram na minha jaqueta, ficando fora de vista, quando um barulho soou pela floresta. Era algo pesado, quebrando um galho no chão. Olhei para baixo, vendo que não havia nada embaixo da árvore que eu estava. Meu coração estava martelando dentro do peito e eu tentava conter minha respiração.

—Ágape? —Ele soltou um murmúrio, que parecia um choramingo, muito, muito baixo. Estava olhando fixamente para um ponto da floresta. Suas pupilas se dilataram e ele choramingou de novo.

—Criatura das Sombras. —Ele se virou, esfregando a cabeça na minha jaqueta, como se quisesse se esconder da mesma forma que as fadinhas haviam feito. —Vamos morrer! Nós vamos morrer. —Começou a repetir, enfiando a cabeça dentro da minha jaqueta.

Meus dedos tremerem e eu vi a criatura. O corpo era longo e imenso, maior que uma ovelha adulta, como as que eu costumava ver na vila. Os pelos eram negros e espessos. As orelhas estavam erguidas, enquanto as quatro patas se moviam, silenciosas pelo chão da floresta. O grito de desespero se entalou na minha garganta, enquanto meus olhos ficavam embaçados.

Ágape continuava murmurando que iríamos morrer, apavorado demais, com o corpo tremendo contra mim. Ergui a mão, puxando uma flecha do suporte e levando até o arco. O movimento foi lento. Mas o Lobo Negro parou de andar, a poucos metros de nós. Prendi a respiração quando ele fitou ao redor, parecendo farejar.

Levei a mão a cabeça de Ágape e apertei sua boca, até ele ficar em silêncio. Com uma respiração pesada, ergui o arco e apontei para o lobo. Atiraria nele, mesmo que tivesse uma péssima mira. Atiraria nele a qualquer momento. E como se soubesse que estava sendo ameaçado, ele ergueu a cabeça e seus olhos grandes e negros me encararam. O rosnado que saiu da sua boca me fez soltar a corda. A flecha cortou o ar e atingiu o chão a centímetros dele. O lobo pulou, atravessando a floresta até estar embaixo da minha árvore, com um grunhido horrível.

Ágape gritou alguma coisa e quando eu vi, ele já havia saído em disparada pelo galho, saltando para outro. Corri também, saltando para outro galho e quase caindo no processo. As fadinhas se dispersaram, fugindo enquanto murmuravam assustadas. O lobo rosnou mais alto, tentando subir na árvore.

Pulei para outra árvore. Meus pés deslizaram no galho cheio de musgo e minhas mãos agarraram o que estava na altura do meus olhos. Mas antes que eu conseguisse recuperar o equilíbrio, o galho se quebrou e eu despenquei. Ouvi Ágape gritar, mas eu já estava com a cara no chão, com o corpo inteiro doendo. Não tive tempo de pensar. Agarrei o arco e sai em disparada, vendo o Lobo Negro me seguir, saltando pelas raizes, correndo na minha direção.

Ágape saltou para o chão na minha frente, aterrissando e voltando a correr. Saquei a adaga, mesmo tendo certeza que seria morta em segundos quando ele me pegasse. Meus pés escorregaram no chão cheio de folhas e eu ouvi o barulho de água corrente.

—CORRE! —Ágape berrou, completamente desesperado. Olhei para frente, enquanto tentava correr mais rápido. A floresta acabava em um rio, que cortava ela no meio. Vi Ágape arfar de surpresa quando percebeu pra onde estávamos indo. Olhei para trás, vendo o lobo ficando mais próximo ainda. Sem pensar, enfiei a adaga no suporte de novo e prendi o arco nas minhas costas, depois agarrei Ágape e pulei para a água violenta, ouvindo ele choramingar.

Meu corpo se chocou contra a água e meus músculos se contraíram em reprovação. Afundei, engolindo água até não aguentar mais. Submergi, com Ágape agarrado a minha jaqueta, murmurando algo sobre gatos odiarem água. Mas eu afundei antes de conseguir pensar. A água estava rápida e violenta demais, me arrastando. Meus braços e pernas bateram contra as pedras no fundo e eu tentei nadar pra cima, pra conseguir ar.

Ágape gritou quando consegui submergir de novo. Meus olhos varreram as árvores ao redor do rio, mas o lobo havia desaparecido. Agarrei o gato e comecei a nadar para o outro lado. Meus braços doíam. Minhas pernas estavam cansadas e minha garganta ardia. Me arrastei pelas pedras até estar fora da água. Ágape se arrepiou ao meu lado, com os pelos molhados e os olhos esbugalhados. O vento frio bateu contra mim e eu trinquei os dentes contra a onda de frio.

Isso não era nada bom.


Continua...

Feitiços de Almas e Sangue / Vol. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora