Entardecer

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POV JULIETTE

Era fim de tarde e eu só precisava sair de casa. Estava cansada. Eu sempre fiz de tudo por eles, vivi de renúncias para sustentar a perfeição que eles fingiam. A filha perfeita, a família perfeita... Dinheiro, status e uma falsa felicidade às custas de um preço alto demais.

Meu pai um famoso promotor de justiça, minha mãe uma das socialites mais conhecidas do Rio de Janeiro, sempre com seus jantares e eventos beneficentes que não tinham como objetivo ajudar ninguém verdadeiramente e sim promover ela. Ambos sustentam uma relação que é uma farsa, dentro de casa é o terror.

Meu pai um machista autoritário, minha mãe a típica "submissa" que engole todas as atitudes perversas dele para manter o status conquistado na sociedade.

Para mim aquilo não valia de nada. Além de tudo que eu passava em casa pelas ruas, a opressão não era muito diferente. O Rio dos anos 70 apesar de parecer muito progressista é um antro de maldade, o desgoverno, a polícia e o próprio judiciário perseguiam e torturavam pessoas por suas crenças, por suas esperanças de um mundo melhor e mais igualitário. E meu pai, para piorar, era só mais um dos que estavam por trás de tudo isso, sujando as mãos por conta de um inimigo invisível e inexistente.

Ainda era difícil para mim engolir que minha família saída do interior da Paraíba que viu e sentiu a pobreza de perto fosse conivente a esse regime ditatorial.

Meus dias se resumiam a estudar, curso direito na UFRJ, algo que sinto que a qualquer momento pode ser tirado de mim devido as convicções idiotas do meu pai. Além disso, dentre minhas principais atividades estão, ficar trancafiada em casa e ser o fantoche dos meus pais. Eu sorrio, aceno e  finjo que concordo com tudo que eles propõem. Eu não tenho muitos amigos, não tenho muitos refúgios e mal podia sair de casa. Antigamente podia sair pelo menos para ir à praia, respirar ar puro, observar o mar e tentar colocar a cabeça no lugar mas ultimamente minha vida se resumia a ficar presa entre os muros que foram construídos ao meu redor, sufocando cada vez mais.

Hoje, depois de mais uma discussão ridícula entre meus pais, consegui fugir, sem ninguém na minha cola para me "proteger". Proteção era o que meu pai alegava mas eu sabia muito bem que ele morria de medo de descobrir que eu estava envolvida com um grupo de "revolucionários".  Apesar da prisão que eles construíram ao meu redor não conseguiam encarcerar minhas ideias e sempre que possível eu deixava claro o quão absurdo era o que estávamos vivendo e quanto eu sentia vergonha de ser sustentada por ações tão horríveis quanto as que meu pai tomava.

Eu precisava respirar.

Entrei no meu Opala e fui direto para o Arpoador, muitas vezes lá era sossegado e eu podia organizar minha mente para aturar pelo menos por mais um tempo aquela tortura.

Hoje eu estava especialmente abalada e saí andando tão depressa em busca de um refúgio que nem notei uma moça sentada no chão, ela estava tão concentrada escrevendo que também nem reparou que vinha um furacão na sua direção.

Acabei derrubando todas as folhas dela no chão, por sorte não estava ventando muito senão todo seu trabalho seria perdido.

- Ei, onde vai assim com tanta pressa? - Disse a moça.

- Olha, moça, me desculpa! Eu estava tão perdida nos meus pensamentos que nem notei que tinha mais alguém por aqui. - Respondi de cabeça baixa, eu sou realmente muito desastrada, mas nunca me acostumei com isso e sempre morria de vergonha por ser tão avoada.

- Tudo bem. Acontece. - Ela me respondeu.

Decidi olhar para ela, ela me lançava um sorriso tímido e um olhar compreensivo. E que olhar! Nunca tinha visto aquele tom de verde nos olhos de alguém antes, devia ser por conta do tom do céu, o sol estava começando a se por, um tom levemente rosado dominava uma parte do céu e o cenário parecia combinar perfeitamente com o olhar dela. Por um momento eu me perdi ali.

Amor para além dos muros -  SarietteOnde histórias criam vida. Descubra agora