Amanhecer

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POV JULIETTE

O despertador tocou. Acordei, apesar da falta de vontade em levantar e encarar a vida e todos os fatos que pudessem vir a seguir me forcei. Tinha aula logo cedo e hoje teria aula de direito penal e direito constitucional e elas eram realmente minha alegria. Que meu pai não descobrisse o que os professores falavam em sala de aula, diria que isso é pregação ideológica e de acordo com ele a única ideologia que devia ser compartilhada era aquela na qual ele e seus comparsas acreditavam.

Tomei meu banho e fui tomar meu café da manhã, papai já não estava em casa mas Fátima ainda estava se alimentando.

- Bom dia, minha filha.

- Bom dia, mãe.

- Planos para hoje?

- Bom, vou para aula e depois pretendo passar a tarde estudando na biblioteca com a Carla. Temos um trabalho para sexta.

- Que pena, filha! Queria sua ajuda para escolher a decoração do bingo beneficente desse domingo.

- Uma pena mesmo mãe. - Digo fingindo a minha melhor cara de tristeza.

Não adiantava, acho que meus pais realmente estão acreditando na personagem que ELES criaram para mim. O café em si estava uma ótimo, a comida de Vera era uma delícia e me fazia matar um pouco da saudade do meu nordeste. Saí de lá muito jovem mas sempre fui de honrar minhas raízes, e tudo que me remetia a minha terra me deixava com o coração quente, principalmente porque meu povo é um povo resistente de muitas histórias  e vitórias e isso parecia me deixar mais forte, lembrar que vim de lá.

Quando estava quase terminando o café minha mãe voltou a puxar assunto.

- Bom, mesmo sem sua ajuda acredito que a decoração ficará um arraso. Precisamos arranjar um vestido novo para você. Rodolffo vai estar lá! - Disse animada.

- Rodolffo? - Pergunto pois nem sequer me lembro de quem se trata.

- Sim, minha filha. O filho do Agenor, aquele empresário amigo do seu pai. O seu pai faz muito gosto que vocês se aproximem, Rodolffo seria um ótimo marido para você.

- Ah, claro. - Digo torcendo para que não tenha feito nenhuma expressão de nojo ao ouvir a palavra marido.

Não que eu não desejasse me casar, talvez eu até quisesse, mas em circunstâncias bem diferentes das que meus pais julgavam uma boa opção. Decidi terminar minha refeição por ali antes que a conversa tomasse um rumo ainda pior. Peguei minhas coisas e parti. Quando passei pela porta quase tomei um susto, Bil estava parado como uma estátua em frente à porta.

- Bom dia, dona Juliette. Tenho ordens explícitas de seu Lourival para acompanhá-la onde quer que você vá.

- Bil, eu só vou para aula.

- Então é para lá que vou. Está pronta?

- Estou. - Dei de ombros porque sabia que discutir não iria mudar nada, se meu pai mandou Bil iria cumprir mesmo que isso lhe custasse a vida.

Pelo menos no caminho convenci Bil de ele poderia sempre me esperar nos corredores, nada de entrar na sala de aula ou biblioteca comigo, eu já era bem grandinha para andar por aí com um chaveirinho de 1,90 m.

Como esperado, a manhã passou rapidamente, quando fazemos o que gostamos o tempo voa. Lanchei com Carla e fomos para biblioteca estudar e adiantar os trabalhos da semana, principalmente o que tínhamos para sexta. Bil cumpriu com sua palavra e ficou sempre me esperando na porta dos lugares onde eu estava, me poupando um pouquinho da vergonha.

Quando acabei e sai da biblioteca estranhei por ele não estar ali mas dei de ombros, sai andando pelo campus para ver se tinha algo de interessante, mesmo com toda repressão os estudantes mantinham atividades regulares de resistência, fossem atividades culturais ou palestras para nós atualizarem das situações caóticas que estavam por vir. Vez ou outra algum estudante mais engajado ou como dizia meu pai "cabeça do movimento" sumia e os estudantes se uniam em busca de respostas que na maioria das vezes não vinham. O cenário era angustiante mas eu não podia fechar meu olhos para o que acontecia ao meu redor, então com todo cuidado do mundo, sempre que possível, participava desses ambientes. Agora ficaria mais difícil com o Bil na minha cola, mas pelo jeito que ele sumiu hoje sei que terei algumas brechas.

Amor para além dos muros -  SarietteOnde histórias criam vida. Descubra agora