Quando acordei no dia seguinte, olhei pela janela e vi que estava nevando. Ainda era metade de outubro, o outono tinha acabado de começar, entretanto ainda assim, caía neve como se fosse um dia de inverno.
Minha cabeça ultimamente estava sempre à mil, a vida calma e positiva que eu sempre tive até então, estava virando de cabeça para baixo. Eu queria entender mais sobre o que tinha acontecido com o meu tio, a eterna sensação de perigo que eu sentia no meu peito quando pensava nisso, a sensação que eu era apenas um coelho selvagem e uma raposa estava a espreita, esperando para me atacar na hora certa. E o pior de tudo, eu não sei nem como me defender.
Para completar com a cereja do bolo, eu também não conseguia tirar John da minha cabeça, fechando os olhos eu já conseguia ver flashes de memórias, o olhar cinzento dele, com as pupilas dilatadas na meia luz do quarto, a respiração ofegante, os lábios dele tocando os meus, o cheiro intenso do perfume dele. Cada memória me fazia arrepiar e querer cada vez mais. Mas eu fiz uma decisão no dia anterior que eu deveria manter, se ele está com a namorada, ele que resolva as questões com ela primeiro antes de querer algo comigo, não sou uma pessoa necessariamente orgulhosa, mas me recuso ser "o outro" em uma relação. Eu entendo que seja complicado ser aberto ou sair do armário para os pais, e claro, ele pode muito bem ser bissexual, mas ter uma namorada? Isso já é demais para mim.Era uma manhã de sábado e eu já sabia que hoje de noite, no meu jardim, o coven dos meus pais iria se reunir para poder discutir o que fazer com relação às ameaças.
Quando cheguei a cozinha vi minha mãe preparando de um lado o jantar para receber as visitas, de outro alguns detalhes que poderiam ser úteis para seja lá qual o ritual que eles vão tentar fazer. A mistura de cheiros era interessante e confusa.
"Você não dormiu bem, sua mente está confusa... O que aconteceu?" ela disse, mais uma vez me dando a certeza que ela amarrou nossos espíritos. Pode também ser intuição de mãe, mas eu duvido.
"Estou preocupado com tudo que está acontecendo, só isso" era verdade, ela só não sabia o que era tudo.
"Vai ficar tudo bem, você está seguro, todos estamos, eles vão ter que passar por mim antes de chegar em você, e eles não vão conseguir" ela disse sorrindo.
Minha mãe é uma mulher baixinha mas destemida, ela é a força da família, se ela diz que eles não conseguem passar por ela, eu acredito sinceramente.
"Ah! Você acordou! Consegue pegar algumas coisas no sótão para mim?" Meu pai aparece na porta que dá para o jardim, o cabelo azul e o rosto já com algumas marcas de idade, estão sujos de terra e possivelmente cinzas.
"Posso sim, o que exatamente?"
"Algumas velas, pretas, brancas e vermelhas. Uma taça de metal e uma adaga que era da minha avó, você vai saber qual é" ele diz pensativo "acho que é isso"
A casa é uma mistura de novo e antigo, com 90% antigo e 10% novo eu diria. Ela é feita em boa parte de madeira, os cômodos não fazem muito sentido, é uma casa alta mas não muito larga. Com alguns mistérios que correm pela família há séculos provavelmente.
Ela me lembra um pouco a casa dos Weasley de Harry Potter, mas menos mágica e com menos gente.Ao chegar ao sótão, procuro os objetos que meu pai pediu. Depois de pegar as velas e a taça, procuro a adaga e acho uma impressionante, ela parece ser feita de cobre, o punhal tem um veludo preto cobrindo ele, ao longo dela vejo alguns detalhes feitos com pedras da lua e da estrela. É a adaga mais bonita que já vi com certeza.
Ao lado dela eu vejo um colar de prata com uma pedra pequena vermelha no meio, por instinto pego ele e coloco no bolso. Sinto que preciso daquilo naquele momento.Quando eu desço até a cozinha para entregar as coisas ao meu pai, ele ainda está na porta, falando algo com a minha mãe que não consigo escutar direito. Ambos tem uma expressão séria no rosto.
Quando percebem que eu cheguei os dois param de conversar e meu pai sorri para mim. Ele pega a cesta que eu segurava com os objetos e me agradece saindo para o jardim de novo. Então eu percebo algo que não tinha notado antes, está calor.
Olho para o jardim e o sol bate nas plantas que estão apenas começando a ganhar as cores do outono, meu pai está usando apenas um macacão de jardinagem e uma regata branca. Nem sinal de neve.Eu sempre fui uma pessoa extremamente sensitiva. Quando criança minha mãe dizia que eu tinha vários espíritos como amigos e chamava eles para tomar chá comigo. Com 10 anos meus pais iam viajar e me deixar com meu tio Sam, eu chorava e chorava dizendo que eles precisavam passar mais um dia comigo, descobrimos que naquela noite houve um acidente de engarrafamento na rodovia que eles iriam passar. Com 12 anos eu disse para o meu pai que sentia que ele deveria ir ao médico pois sentia algo de errado, ele descobriu um pequeno tumor que foi removido cirúrgicamente e tudo ficou bem.
Minha mãe diz que nasci conectado a magia, o que faz sentido pois nasci durante o Samhein, diz minha mãe que foi um dos Samheins mais impressionantes que ela já viveu, mas ela estava parindo um bebê então se não fosse, eu me surpreenderia.
Sempre senti essa conexão com a natureza, mas definitivamente, alucinações nunca foram parte dessa conexão. Desde que completei 16 anos sinto que estive cada vez mais sensível, e agora perto de completar 18, sinto como se estivesse sobre constante efeito de drogas. O mundo inteiro parece um pouco diferente, e é por isso que eu sei que ver neve no início do outono deve significar algo, e preciso descobrir o que exatamente.De acordo com um dos livros na estante do escritório dos meus pais, consigo ver que sonhar com neve significa bons presságios, desenvolvimento pessoal e emocional, mas sonhar com uma tempestade de neve mostra dificuldades no caminho mas com um bom final. A questão é, eu não estava sonhando, eu estava bem acordado.
Pensei algumas vezes em falar com a minha mãe sobre o assunto, mas por mais que ela aparente estar calma com tudo que está acontecendo, vejo que ela está triste pelo meu tio, tensa com a carta e a beira de um colapso por ansiedade. Então resolvo enviar uma mensagem no grupo para Claire e Luke para que eles possam me encontrar em uma lanchonete da cidade.
Quando entro na lanchonete vejo que os dois já estão sentados na mesa que geralmente ficamos quando vamos lá.
Sento e já explico para eles sobre a minha visão de manhã.
"Será que não é apenas uma previsão? Tipo, vai nevar esse inverno ou sei lá" - Luke começa.
"Eu duvido sinceramente, minha cabeça está sempre focada em dois assuntos, então imagino que seja relacionado a um deles pelo menos"
"Dois?" - Claire diz me olha com um olhar desconfiado.
"Hmm... Sim" tento pensar rápido em alguma desculpa "O assassinato e o ritual que vai acontecer hoje"
"Hmm" Claire resmunga "Verdade, vai ser hoje, será que deveríamos ir? Bom, será que podemos ir?"
"Bom, em teoria não, mas podemos ir em segredo pelo menos. A janela do escritório dá para o jardim"
"Combinado, daqui então já vamos direto para a sua casa." ela disse enquanto tomava seu milk-shake.
Quando abro a boca para começar a falar algo, olho para a porta da lanchonete abrindo e perco todos os pensamentos que antes ocupavam a minha cabeça. Lá está ele, o sorriso de canto de boca, os olhos de céu nublado. John entra na lanchonete e logo atrás vem Louise, sorrindo e conversando animada sobre algo, estava com aquele mesmo olhar do jantar, o que mais me dói é ver o quão apaixonada ela está por ele.
Nossos olhares se cruzam e eu tento desviar mas só consigo quando ouço uma voz que parece distante dizendo "Ah! Nick! Olha John, o Nick também está aqui!" Louise fala sorrindo, ugh eu queria odiar ela mas mais uma vez, a culpa não é dela. Ela não sabe de nada. Mas agora já não posso mais me esconder, eles já estão vindo em nossa direção.
"O menino novo? Como vocês se conhecem?" - Claire parece confusa
"É uma longa história".
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Depois de literalmente Anos, venho anunciar a volta de Lien, vejo os comentários de vocês aqui sempre e senti que essa história precisa de uma continuação! Obrigada a todo mundo que se interessa pela história! Vocês são incríveis.
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Lien
Подростковая литератураNick nasceu em uma família de bruxos, não bruxos de histórias fantásticas com poderes extraordinários, e sim bruxos religiosos que creem em deuses e os cultuam. Ele não esconde sua religião e acaba sofrendo algumas consequências por isso. Na esco...