Dying In (Your) Beauty

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Essa história curtinha escrevi quando estava com insônia há alguns meses. 

Se trata de um Character Study, um tipo de escrita que sou muito fã, mas tenho vergonha de postar em português.

A encontrei no meio de outras histórias arquivadas e fiquei feliz de vê-la novamente.

Não se trata de algo super bem escrito EU ESTAVA SEM DORMIR, mas ver Kara pós crise mundial vendo o mundo florescer só porque a Lena existe é um sonho constante meu(?) Específico demais!

Este vai para Theo, Maklá e Madha.

Se alguém mais achar interessante, posso fazer uma segunda parte, ou mais Ones durante meu recesso.

Comente e me deixe saber suas impressões. Boa leitura.

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Kara Danvers estava a um oceano longe de casa por um impulso urgente de fuga. Passara os últimos meses observando a torre Eiffel da sacada de um quarto alugado, no qual retirava-se somente para fazer refeições breves e caminhar dentre os nativos. Seu francês havia melhorado consideravelmente desde o início da estadia, no entanto, impossível escapar do seu sotaque americano.

Esses dias haviam chegado ao fim sem remorso algum.

Nem mesmo a torre mais brilhante do mundo fora capaz de prendê-la mais um dia nos aposentos fúnebres com paredes avermelhadas sangria que faziam Kara pensar se não pudera tê-las pintado das próprias veias.

As indicações frenéticas dos familiares soam exageradas, possivelmente viram algo no andar 'tic-tic' das francesas que Kara simplesmente fora incompetente em enxergar.

Após ruminar as possibilidades do próximo destino, decidira um e partira. Evidentemente que a vista da janela atual tinha de ser diferente, ora, enfiou-se na primeira pensão de Brightenshire, Inglaterra, que vira pela janela do automóvel. O quarto era menor, a pintura arranhada e desbotada, e a cama – felizmente extensa – rangia pelas molas velhas.

Até agora, Kara viu chuva e tempo nublado, mas a experiência sensorial desta terra era a mesma de Paris.

— Senhorita Danvers? — ouviu-se uma batida seca na porta escancarada.

Um rapaz calvo a encarava incerto, com vestimentas formais pretas e brancas muito engomadas, as mãos justapostas à frente do corpo mantendo sua melhor postura.

— Sou Alexander, ajudo aqui e sou filho da proprietária... Ela quer saber se está interessada no jantar hoje. — controlou o trânsito de seus dizeres para ser translúcido, pois totalmente transparente o faria inútil às vontades dos hóspedes.

— Desço em minutos. — Kara passou as mãos na saia do vestido evitando o rosto do empregado. Provavelmente jamais houvera sido pago.

— Seria de maior proveito ser breve, Senhorita Danvers. Está esfriando a esta hora.

— Lavarei as mãos e compareço à mesa. — forçou um sorriso.

Alexander sumiu corredor afundo; quase imediatamente Danvers estava a bater os sapatos no piso do mesmo trajeto do inglês. Para seu terror íntimo, quanto mais caminhava, mais aproximava-se de um gigantesco espelho no final da rota.

A superfície prateada a assombrou desde a porta do quarto. Kara congelou em frente do inimigo mímico. Dedilhou as próprias feições agora capaz de vê-las com clareza deixando para trás os borrões à cores de uma janela fosca de umidade. Sua pele era branca eivada pelo dourado das ondas pueris dos cabelos presos firmemente num coque; seus olhos chamativos eram azuis por trás de óculos consideravelmente grossos nas lentes e finíssimas nos arcos pretos. Seu feminino rosto exposto permanecia exposto ao mundo enquanto o vestido cobria o que era capaz do início do pescoço até os tornozelos.

Cada detalhe recordava o quase bordão de sua mãe: Tão bonita, minha menina. Se ao menos...

Percebendo as mãos que tanto revolvia sobre o rosto chegou à conclusão que deveria voltar e pôr luvas... Seria rude usá-las à mesa, pensando melhor.

(...)

A Americana cruzou os talheres sobre o parto sujo sem lembrar com precisão o que acabara de comer.

— Geralmente temos sobremesa. — o rapaz inglês de mais cedo reapareceu constrangido — Torta de maçã. Hoje nos faltaram as maçãs.

Kara aveludou seus gestos imediatamente.

— Estou satisfeita, felizmente. Não há motivo para preocupação. — forçou um sorriso mal direcionado.

Levantou-se do assento.

"Lex!" um sussurro agressivo surgiu de uma voz donzel; A pobre Danvers, de certo, pegara uma febre dessas do mediterrâneo nas idas e voltas nessa brincadeira esdrúxula de meter-se em navios – assim ela pensava.

Seu pulso apático tornou-se forte atropelando o sangue a latejar em seus ouvidos que, pela primeira vez, pôde ouvir nitidamente a tempestade lá fora; a mesma que aqui estava muito antes da estrangeira a ser referida. O chiado da chuva e Kara Danvers encontraram-se no mesmo plano da realidade. As bochechas anteriormente encadecidamente mórbidas incendiaram com uma febre repentina que cromatizaram-nas em acerejado.

Poderia ser a epifania pré-óbito de uma gripe desconhecida... Ou, efeito curioso à figura mais magnífica – única palavra óbvia – pairada apenas a alguns pés de distância de si.

Era uma jovem local de cabelos negros em demasiado, compridíssimos e encharcados tal como o vestido pérola na iminência de revelar tudo da moça se não fossem as roupas de baixo. A imaginação de Kara podia vividamente sentir a suavidade da pele leitosa da mesma só de olhar os braços acima, o pescoço cuja extensão era majestosa, escorriam gotículas d'água até a clavícula de depressões fundas.

A arquitetura do perfil de seu rosto não fora simplesmente uma concepção de Deus, solta e igualitária entre seus filhos, fora posta fragmento por fragmento pela arte em si. Kara jamais entendera as artes visuais apesar do piano lhe chamar atenção desde os primórdios de sua educação; sua família, além de caótica, era inteiramente letrada e privilegiada quando comparada aos trabalhadores industriais, inclusive mulheres como Kara.

A crise econômica retirou muito dos cidadãos, no entanto, Danvers perdera apenas dinheiro de família, uma parte dele, não saberia dizer em porcentagens. Crise alguma retiraria os aprendizados doces e traumáticos de sua curta vida de vinte e sete anos; um deles seria sua indiferença quanto ao teto do Louvre, às estátuas greco-romanas, ao sorriso da Monalisa e qualquer vista natural que cruzara seu caminho durante sua viagem caríssima.

Esta jovem, essa que segurava uma cesta no antebraço, descalça e entranhada de água da chuva, obtinha o poder de encher os olhos míopes de uma Americana da maneira que tanto a estimularam sentir-se sobre O Nascimento de Vênus, um Van Gogh original, O Beijo... Todos eram apenas tintas secas numa tela – Deus conforte o coração de sua professora que falara tão apaixonada destas peças. Essa criatura inglesa era o que havia de mais vivo dentre as artes e nenhuma das harmonias do piano velho no meio da sala pertencente à família Danvers poderia soar melhor que o sussurro dela.

Alexander trouxe imediatamente uma toalha para cobrir a obra-prima.

— Lena, o que houve com você?!

— Fui buscar as maçãs pela manhã e fiquei presa debaixo de uma macieira quando começou a chover. — sua voz era trêmula;...

Lena dirigiu seus olhos verdes aos olhos de Kara.

O universo acaba de nascer.


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