Capítulo 11

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As pessoas aqui estão todas abraçadas, todos trajam preto antes mesmo de ouvirem a notícia que vem a seguir, o luto é visível e preenche o olhar de cada um.
"Infelizmente, não foi possível salvá-la."
A tensão que paira no ar é tão grande que sinto-a quase palpável, há cheiro de chaga, se é que possível.
O temor percorre todo meu corpo e consigo sentir meu coração se afogar, não me alimento há horas, a aparência gélida permanece em mim, a tontura e dor de cabeça passaram, mas minhas mãos perpetuam trêmulas.
Será isso que irei eventualmente ouvir da boca do médico responsável por Megan?
"Infelizmente, não foi possível salvá-la."
Uma frase tão pequena foi capaz de desestabilizar toda a família, nesse instante, a matriarca aparenta implodir em lágrimas, sua primogênita acaba de falecer, sepse.
Meus pais estão agitados ao meu lado, tão lívidos quanto eu, é evidente que não notaram cheiro de álcool, ou estaríamos em meio a um sermão.
As horas aqui passam mais devagar, até que um médico se aproxima e nos deixa afobados.
"Bom dia, a paciente Megan Lawrence está bem e se encontra adormecida no momento, a jovem deu entrada no hospital apresentando sinais claros de overdose, felizmente, por se tratar de um grau leve, foi reversível através de uma lavagem estomacal para evitar mais danos, assim que Megan despertar, sua saída é liberada."
Nós três envolvemos o doutor em um abraço desajeitado.
Megan voltará para casa.
Durante a noite, alguns parentes aparecem para jantar e se reunir, conversamos calmamente e fizemos o possível para que minha irmã se sentisse confortável, no fim, o dia não foi tão ruim.
Tia Sam e Jason estão aqui, ela sorri apesar de seus olhos gritarem, usa uma linda blusa vermelha de mangas longas, sua mandíbula revela um escuro hematoma.
"O corrimão daquela escada velha se desfez, o lugar está mesmo precisando de uma reforma."-diz Samantha, como resposta às perguntas eufóricas da família.
Espera, Jason escolheu aquela casa há um ano atrás, para que minha tia saísse da casa do meus avós e ele pudesse usufruir do seu dinheiro sem vigilância, como uma casa escolhida a dedo, com mobília e materiais de ponta pode ter o corrimão simplesmente destruído repentinamente? A não ser que uma força a mais tenha sido exercida sobre ele...
Jason empurrou tia Sam da escada.
"Ei, garota, estou falando com você."-chama Jason, em pé em minha frente.
Volto meu olhar para ele lentamente.
"Pegue um pouco de café, sua tia está machucada, não quer que ela faça esforço, não é?"
Fixo meus olhos em seu grosso bigode loiro, como ele consegue ser tão desprezível? Não pode buscar uma mísera xícara de café? Pois então vou pegar.
Me retiro do cômodo e me destino à mesa, sinto meu sangue ferver. Ele estava agredindo Sam este tempo todo, Jason Russel é o responsável por cada hematoma, cada queimadura, cada marca e cada corte que, agora, obrigam minha tia a usar roupas compostas como dissimulação.
Sabe, eu me recordo do dia em que ela o trouxe aqui a primeira vez, ele era... simpático demais, gentil demais, era perfeito, como ela mesma dizia encantada. Jason se mudou de seu estado de origem e em um ano eles começaram a morar juntos, também me lembro de como Samantha chorou aquele dia, enquanto se despedia da casa em que morou a vida toda e, claro, de seus pais.
Coloco o café numa xícara e o observo.
E se eu cuspir nele? Não, isso é bobagem, afasto os pensamentos, apesar dele merecer.
Retorno à sala de estar, onde espera impacientemente, então estico a mão portadora do café e, antes que ele o segure com firmeza, solto-o no ar, que logo é despejado em seus pés e pernas, o café fervente entra em contato com a pele de Jason e o queima.
"Filho da puta"-digo enquanto observo os cacos de vidro cortarem levemente seus pés.
Jason grita de dor, um homem tão másculo chorando por um pouco de café?
"AURORA!!!!!!"-gritam meus pais.
Eles ainda não enxergaram?
De repente, uma onda de culpa me invade. Me sinto culpada, culpada por não tê-lo afetado mais.
"Menina imbecil! Não presta atenção em nada do que faz? Olhe para o estado dos meus pés!!Olhe para meus pés!!!"-ele rosna de dor enquanto sacode suas mãos enormes.
Sinto meu rosto corar e me empertigo por completo. Por uma fração de segundos, todo meu corpo se prepara para receber um tapa.
Mas ele não vem.
Jason olha ao redor, tia Sam está pálida, consigo notar lágrimas sorrateiras que insistem em escorrer por seu rosto impassível. Além disso, toda a família está aqui, Jason retoma o olhar para mim e dispara:
"Aurora, caramba, me perdoe, esse tipo de coisa acontece, não se preocupe."-diz ele, com os olhos presunçosos e os dentes semicerrados forçando o sorriso mais torto que já vi em toda a minha vida.
"É uma pena, o café era para sua tia."-diz ele, abraçando Sam por trás como se demonstrasse carinho.-"Esperava que ela relaxasse um pouco."-A sim, é previsível que ele queira bancar o bonzinho perto da família, mas então por que ele mesmo não foi buscar a porra do café?
Desvio o olhar para meu pai esperando uma expressão de reprovação, mas, ele está minimamente sorrindo?
Ele pisca rapidamente para mim, agora eu entendo.
É assim que meu pai age quando apoia alguma atitude minha.
A máscara de Jason caiu.
Meu pai, Benjamin Lawrence, se direciona até o marido de minha tia com um sorriso tão brilhante que é capaz de cegar qualquer um aqui.
"Jason! Peço perdão por Aurie, minha filha é desastrada assim mesmo."-dispara ele, com as mãos nas costas de Russel.-"Faça o seguinte, volte para casa, limpe-se e descanse, Samantha poderá dormir aqui esta noite, é bom passar um tempo sozinho, longe da mulher, não é?"-meu pai sorri e o acompanha até a porta, é inacreditável como ele sabe exatamente o que falar e como falar, suas palavras saem exatamente como Jason queria.
É possível notar como a publicidade tornou meu pai eloquente, ele sabe lidar com todo tipo de gente e falar exatamente o que querem ouvir.
Jason se despede gentilmente de toda a família. Sinto-o apertar minha mão com força, agora ele sabe que estou ciente de seu segredinho.
Após a saída do traste, toda a família discute pela incontável vez sobre o futuro do relacionamento de tia Sam, até que ela admite.
"Sim... vocês tem razão, talvez ele se altere um pouco demais de vez em quando, mas eu posso lidar com isso, por favor, não o denunciem! Por favor! Posso pedir para que ele saia da casa, só não o denunciem por favor."-fala ela, chorando de soluçar, nunca a vi dessa forma.
Todos agem calmamente, ninguém decide insistir nesse momento, ela o mandará embora, por hoje, já é o suficiente.
Horas se passam e todos os parentes vão embora, tia Sam irá dormir em meu quarto hoje, após um calmante, a deitamos.
Me destino a um longo e quente banho, sinto como se finalmente conseguisse respirar desde a festa do dia anterior, mas ainda assim, uma frase específica insiste em voltear minha cabeça.
"Você não é a mesma desde o Ethan."
O que Megan quis dizer com isso?
A água escorre por todo meu corpo, o vapor é reconfortante, banhos quentes são definitivamente minha religião.
Espero que este seja capaz de levar tudo o que me atormenta embora pelo ralo.
Mas isso não acontece.
Me recordo de Layla me repreendendo, de Martin seminu em minha cama, de Liam atônito à beira de minha janela. O que será que ele estava pensando?
E então me recordo de Ethan, de quando se despediu de mim e de quando me tocou pela última vez.
O banheiro de repente começa a ficar abafado, talvez o banho já tenha durado tempo demais.
Reprimo todo e qualquer sentimento que ameaça vir à tona.
Antes de me deitar, decido ir ao quarto de minha irmã, quero anular qualquer chance de que ela comente sobre o ocorrido após a festa, apenas inflamaria a situação.
Entro em seu quarto e a encontro sem ar. O que a faz rir tanto nesse momento?
Ela conversa com alguém pelo computador, impeço minha curiosidade de perguntar para apenas valorizar aquele momento.
Há quanto tempo não a vejo sorrir?
"Oi Aurie."-diz ela, por entre risos.
"Tudo bem?"
"Sim, olha, vim aqui pedir um coisa. Pode não falar nada sobre a festa? Por favor."
"Aurie, nossos pais não sabem que você saiu ontem?"-ela põe a mão na boca e faz uma expressão de falsa surpresa.
Como assim?
"Sabem, sim."
"Não estou te entendendo, o que houve?"
E só agora entendo, Megan não lembra da noite anterior.
Devo me culpar pela onda de alívio que me preenche nesse momento?

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⏰ Última atualização: Jul 05, 2022 ⏰

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