Era um dia como qualquer outro na casa dos Collins. Pássaros chilreavam nos galhos das árvores do jardim ao que o vento fazia farfalharem suas folhas. Debaixo da sombra destas, as crianças divertiam-se, enquanto eram vigiadas pela mãe — que àquela altura do dia, já preparava o almoço — pela janela da cozinha. Enquanto isso, o pai, estava trancado em seu escritório, afundado em uma pilha de papéis. Como já foi dito, era apenas mais um dia comum. Não fosse. Por aquele acontecimento.
O sol brilhava alto no auge da tarde. As crianças cochilavam depois do almoço. A senhora Collins sentara-se na varanda lendo um livro, e o senhor Collins, por sua vez, voltara ao escritório. Tomando seu celular em mãos para conferir as notificações e colocar uma sinfonia de Schubert — que, de fato, era seu favorito —, deparou-se com algo muito estranho. Na verdade, estranho é eufemismo para descrever o que vira o Sr. Collins. A mensagem dizia o seguinte:
"Estou chegando.
Ass. Morte"Arregalou os olhos, achou aquilo o cúmulo, e, pensando tratar-se de uma brincadeirinha de mal gosto, resolveu conferir o número. Para sua surpresa, o número que enviara aquela mensagem era tão estranho quanto a própria. Pra começar, havia um número a mais. Notou também, que os cinco primeiros números formavam a data de seu nascimento: 1/12/81. E o outros cinco, formavam a data daquele dia. Ainda assim, considerava ser uma brincadeirinha de mal gosto. Muito bem-feita, por sinal.
Mas algo chamou-lhe a atenção. Havia outras mensagens no histórico. A primeira delas, datava de primeiro de dezembro do ano passado.
"Feliz aniversário.
Aproveite seu dia, pois não verá o próximo."Como ele não havia visto todas aquelas mensagens antes, era uma grande incógnita. Se isso era mesmo uma brincadeira, a pessoa já planejava aquilo há bastante tempo. Mas àquela altura, o Sr. Collins começava a duvidar dessa hipótese. Outra mensagem chegou, então, para acabar inteiramente com sua dúvida.
"Estou a 10 quadras de sua casa, aproveite seus últimos minutos"
Não que o Sr.Collins fosse supersticioso, ou qualquer coisa do tipo, mas ele também não era cético. Estava convencido de que um assassino — ou mesmo a morte em pessoa — estava vindo a seu encontro. E então, decidiu sair de casa. Não avisou nada a ninguém. Entrou no carro e deixou a casa imediatamente. Não pensou em seus filhos ou sua esposa. Pra falar a verdade, o Sr.Collins, em meio à toda a sua afobação por fugir de seu assassino, sequer lembrara-se deles. Já estava na altura da rodovia principal de seu bairro, quando se lembrou de que havia abandonado sua família em casa, enquanto um assassino se dirigia para lá. Sentiu remorso, percebeu o quanto foi covarde, e talvez fosse tarde demais. Mas o que ele poderia fazer? Se um assassino estivesse mesmo indo até sua casa, estando ele presente ou não, sua família estaria ali de qualquer jeito.
Arrependeu-se de sua covardia, e num ímpeto de coragem e adrenalina, fez o retorno. Mesmo que fosse preciso morrer, ele defenderia sua família até o último momento.
Se ele chegasse em tempo, claro.
E por isso, decidiu acelerar. Acima do limite de velocidade. Não estava muito longe de sair da rodovia principal. Seu celular vibrou. Desviou o olhar. O mesmo número que mandara mensagem, agora ligava. Clicou para atender a chamada. De repente, um estrondo. Na mesma hora perdeu os sentidos, e um zumbido se instalou em sua cabeça.
Abrindo olhos fracamente, percebeu que estava de cabeça para baixo. Cacos do para-brisa se espalhavam por toda a extensão de sua vista. Seu celular estava bem próximo. E logo em seguida, uma voz carregada, seca e pesada falou ao outro lado da linha:
— Obrigado por facilitar meu trabalho. É aqui que nos despedimos.
Levantou os olhos e viu uma figura de preto, segurando numa mão uma foice, e em outra, um celular. Olhava fixamente para ele. O aglomerado de pessoas — que aumentava cada vez mais — parecia não notar sua presença. Piscou os olhos com dificuldade. Ela não estava mais lá.
Uma lágrima solitária escorreu de seu rosto, entendeu que seu fim se aproximava a cada segundo, cada vez mais rápido. Então, outra lágrima escorreu. E depois outra, e outra. Percebera que teve a oportunidade de aproveitar seus últimos dias. Suas últimas horas. Poderia ter visitado seus pais. Abraçado seus filhos. Beijado sua esposa.
Mas, em vez disso, se metera na inútil empreitada de fugir da morte. Agora percebera o quanto fora ridículo. E então chorou. Chorou amargamente. Até que se aproximou da luz. E então, suspirou. Pela última vez.
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Escritos do fundo da gaveta
RandomUm compilado de textos, poesias, contos e crônicas totalmente loucos e completamente aleatórios