A maldição do colar (incompleto)

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As gotas de chuva escorriam graciosamente pelo vidro. O cheiro de pinheiro e terra molhada penetrava as janelas e invadia todo o vagão. Margaret largou o livro que lia em seu colo, abrindo as cortinas para contemplar os enormes picos esculpidos e cobertos por um manto de neve, que erguiam-se imponentes à sua frente.

Colocou a mão no vidro. Seu estômago novamente se contorceu em mil e uma borboletas, ao olhar para o delicado fio de ouro que contornava seu dedo, adornado por uma safira emoldurada por pequeninos brilhantes, e lembrar-se do compromisso que assumira a poucos meses.

A porta do gabinete se abriu e a princesa Marianne entrou com uma bandeja, fazendo com que Margaret se virasse, tirando a mão da janela, e dissipando os devaneios que ocupavam sua cabeça.

- Está com frio? - indagou Marianne colocando a bandeja sobre a mesa redonda.

- Não. Obrigada por se preocupar! - Margaret voltou-se novamente para a janela, deixando seu olhar perder-se em algum lugar na extensa floresta de pinheiros.

- De qualquer forma, trouxe chá para nos aquecermos. - proferiu Marianne ao sentar-se e tomar o delicado bule de porcelana da bandeja, servindo uma das xícaras, colocando à frente de Margaret.

- Obrigada! - agradeceu voltando-se para o interior do vagão e finalmente encarando Marianne.

Marianne era uma bela mulher. Apenas dois meses mais jovem que Margaret, possuía longos cabelos castanhos ondulados e a delicada boca característica das mulheres Vignonetti. Dona de olhos azuis com traços castanhos que eram sem dúvidas, os mais belos e gentis que Margaret já vira.

Haviam se conhecido há quatro verões em 1888, quando depois de muito insistir, a imperatriz permitiu a Marianne ir à Inglaterra, desde que o irmão mais velho - Pierre - fosse junto e fizessem uma visita de estado formal em nome de Vossa Majestade. A visita se deu no Castelo de Balmoral. A rainha Victoria, trajando com sempre, um vestido preto, os recebeu pessoalmente. Marie Caroline era uma das poucas - se não a única - monarca europeia cuja rainha ainda não havia tido quaisquer desavenças, então qualquer que fosse visitá-la em nome de Marie Caroline, seria o mais bem recebido possível. Principalmente se estes visitantes tratassem-se dos filhos dela.

O dia, belo e ensolarado, fora um dos mais memoráveis de sua vida. O cheiro das flores que emanava do jardim, entrava sorrateiramente pela janela entreaberta do seu quarto. Naquele dia, Margaret estava feliz, sem saber o porquê. A rainha havia convidado os príncipes meraveses para tomarem chá no jardim e apresentá-los as irmãs Hesse - que após a morte da mãe, passavam os verões com a avó materna na Inglaterra.

A princesa saíra de seu quarto disposta a distribuir "bom dias" para qualquer pessoa que cruzasse seu caminho, fossem elas meros empregados, fossem membros da realeza. Em dado momento encontrou com a irmã mais nova, Alix - de quem era muito próxima. Ao saírem pelas portas do palácio, paralisou quando seus olhos encontraram os de Pierre. Alix a chamou, tentando, sem sucesso tirá-la do estado de transe.

Margaret nunca acreditou em amor à primeira vista. Pelos não até aquele momento. Seu coração titubeou apaixonado por Pierre, assim como o dele por ela. As coisas então, evoluíram para algo mais sério.

- O que foi? - Marianne deu um meio sorriso, dissipando as memórias que há pouco, se materializavam diante da princesa.

- Nada, Nada... - suspirou.

- Ansiosa?

- Até demais!

- Não se preocupe, vais gostar de mamãe!

- Essa é menor de minhas preocupações! - Arqueou a sobrancelha, rindo pelo nariz, ao pousar a xícara no pires sobre a mesa. Expirou.

- E o que tanto a aflige?

- Não sei se vai entender...

- Fale assim mesmo - pôs a mão sobre a de Margaret -, é bom desabafar as vezes.

- Não sei se estou pronta pra isso.- indicou o anel de noivado em seu dedo.

- Como assim? - franziu o cenho - não amas à Pierre?

- Sim, é claro que o amo, só Deus sabe o quanto! O problema é...- Seu semblante tomou uma forma entristecida quando expirou fundo. - não me sinto pronta para me tornar Imperatriz.

- Não se preocupe com isso, mama está longe de morrer, e certamente ela lhe ensinará a portar-se como uma Imperatriz.

- Não, Marianne! Não estás me entendendo. O problema não é portar-se como Imperatriz, o problema está em SER imperatriz. Ser a ... Imperatriz dos meraveses... - seu estômago se revirou novamente - Governar esta imensidão de terras, num futuro desconhecido, seja próximo, seja distante, é uma ideia no mínimo, assustadora! - Enalteceu a voz, fixando os olhos nos detalhes intrincados do tapete, logo em seguida.

Nos minutos que se sucederam um silêncio excruciante se instalou entre as duas. Marianne assim que terminou sua xícara de chá, disse:

- Com licença, vou lhe deixar a sós. Aproveite para descansar, mama certamente não a deixará em paz quando chegarmos! - levantou-se e logo em seguida saiu.

Margaret assentiu cabisbaixa, ainda com o olhar fixado no tapete. Assim que a porta se fechou, ela ergueu a cabeça, olhando sua volta, e notando o quão luxuoso era o gabinete. Paredes forradas de brocado vermelho, móveis de nogueira escura com douraduras, porcelanas de Sèvres* e de Meißen*, relógios, espelhos, candelabros, frisos, e tudo o que se tinha direito ornava o salão.

E em breve todo aquele luxo seria seu. Apenas para seu próprio usufruto e de sua futura família.

Voltou-se para a janela, novamente perdendo-se entre os milhares de pinheiros. Expirou, fazendo o vidro embaçar. Levantou-se, abriu o sofá adaptável, transformando-o numa confortável cama, e então jogou-se. Cobriu as pernas com um fino lençol, e olhou uma última vez para as janelas, antes de virar-se para a parede, sentindo os olhos pesarem, e logo, adormecer.

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Postarei mais alguns textos por aqui, mesmo que não terminados.

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⏰ Última atualização: May 02 ⏰

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