Nunca sabemos qual amor estamos vivendo até que ele, por alguma eventualidade - ou ironia do destino - acabe. Quase sempre de uma maneira triste... Alguns amores são duradouros, como o tempo que leva para uma estrela morrer, como o tempo que levaria numa viagem espacial, numa viagem intergaláctica. Infinitos, intensos, genuínos. Outros passam voando, como as horas de bons momentos que parecem segundos - embora, de bom, tenham quase nada. Os ponteiros dão voltas e voltas ou o pêndulo vai repetidamente de um lado para o outro, tantas vezes, enquanto o tempo passa, assim como aquela bola ia e vinha no ar naquela comum tarde de julho.
- Mais alto, Bruno, mais alto. - dizia Bianca, minha irmã mais nova, enquanto jogávamos na garagem de casa.
- Melhor não, a gente pode quebrar uma lâmpada ou algo do tipo.
- Então vamos fazer assim: joga na altura do peito e, quando receber, arremessa pra cair na minha mão. Assim. - disse, demonstrando o movimento.
- Assim? - tentei.
- Não exatamente. Tenta de novo.
Eu não era a melhor pessoa do mundo com esportes, mas adorava minha irmã. Além de ser divertido brincar com ela, ainda era ótimo para o meu coração, já que eu não costumava sair para me exercitar. Era uma tarde comum no fim das férias. Logo as aulas retornariam e logo eu seria adulto perante a lei, com a minha carteira de identidade comprovando que todos me tratariam como um adulto dali por diante. Portanto, aquela era também uma maneira da minha irmã aproveitar nossos últimos dias sem lições de casa e a minha de aproveitar meus dias contados como adolescente.
O tempo esfriara na última semana por conta de uma frente fria. Os meteorologistas falaram disso todos os dias nos telejornais, até que ela finalmente deu as caras. Nenhuma gota caiu do céu, mas as temperaturas caíram bastante, o que é atípico para essa época do ano. Culpa da La Niña ou algo assim, foi o que disseram.
- Acho que vou entrar e vestir um casaco, o vento está frio. - Bianca disse.
- Continua. O exercício gera calor e nos aquece - incentivei.
- Você vai se cansar antes de mim, Bruno. - constatou minha sábia irmã.
- Bianca, - fiz uma pausa, fitando-a nos olhos - eu sempre canso antes de você.
- É verdade, mas é a única ajuda que tenho para a competição semestral da escola.
- E você vai vencer esse ano, não é?
- Eu vou tentar... - falou, insegura.
Depois de algum tempo, Bimo, nosso gato saiu em direção à calçada. De frente para a rua, eu conseguia vê-lo: estava encolhido, junto à parede, à espreita de dois pardais que bicavam mais adiante.
- Gato bobo... ele nunca consegue pegar um passarinho.
- Quem sabe ele tenha sorte dessa vez... - sugeri.
- Duvido muito - para uma garota de catorze anos, Bianca era bem pessimista às vezes.
- Psi! Psi! Psi! Vem bichano, vem Bimo - fui ignorado.
Logo em seguida, um latido grave e contundente preencheu todo o cômodo. Tremi em meus tornozelos, logo antes de sentir as palmas de minhas mãos começarem a suar.
Donde tinha vindo aquele som?
Quão próximo aquele bicho estava?
Não demorou até que um pastor alemão cruzasse a frente de nossa garagem. Bimo correu em disparada, provavelmente para sua almofada na sala de estar, Bianca pulou em resposta ao susto que tomou com aquela breve confusão. Eu observava a cena petrificado.
Meus olhos percorreram o caminho partindo das patas do animal, passando pelos dentes afiados, pela língua pendurada, a boca aberta donde provinha um som ofegante, a pelagem preta em seu torso, a guia azul... e o moço que a segurava... meu novo vizinho... encantador... arrastado levemente por aquele gigante canino.
- Brutus, junto! - ordenou, quando percebeu que o cachorro latia em nossa direção.
A fera atendeu de prontidão, voltou para o seu lado e seguiu certinho.
- Desculpem! - ele nos disse, com um sorriso inseguro, porém sincero. E que sorriso...
Por um momento, talvez eu esteja enganado, nossos olhares se encontraram. Sua expressão desajeitada e a minha expressão assustada - para dizer o mínimo - tiveram dois segundos de conversa, antes dele sair apressado com o cão, sem que eu admirasse um pouco mais aquela barba escura por fazer, aquele cabelo meio despenteado, o brilho do sorriso daquele rapaz, ou dos seus olhos, ou das lentes dos seus óculos expostas ao sol e... enfim, sem que eu continuasse paralisado por conta do meu incomum medo daquelas criaturas de quatro patas.
- Muito velho - Bianca comentou, sem perceber minha palidez - mas esse vizinho novo não é uma gracinha?
- É... ele é...
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ENTRE CÃES, ENCONTREI VOCÊ
Roman d'amourO que aconteceria se um garoto com cinofobia (medo irracional de cachorros) se apaixonasse por um adestrador de cães? Bruno está tentando descobrir, agora que Douglas se mudou para casa ao lado e mexeu com seu coração adormecido há um tempo.