O sol raiava e eu e o meu primo Afonso riamo-nos sem parar da piada que ele tinha acabado de dizer
-Já tinha saudades disto- disse eu ainda entre risos.
-De quê? Da minha cara bonita? -escarneceu o Afonso.
Comecei de novo a gargalhar, mas a verdade é que eu tinha sido sincero. Há alguns anos atrás eu e o Afonso costumávamos passar as férias de verão juntos neste local. Nunca soube dizer oque mais me encantava na pequena vila de Santo Ambrósio.
O rio límpido e fresco que dividia a vila em duas, o chilrear dos pássaros e o coaxar das rãs logo pela manhã , o céu estrelado durante a noite devido á baixa poluição luminosa ou os pirilampos esvoaçantes ao final da tarde. Mas agora que penso sobre o assunto acho que a melhor parte sempre foram as pessoas. Nunca me irei esquecer das tardes passadas com o Afonso, a brincar por entre os campos e as fazendas da vila ou á espera da passagem do comboio para acenarmos aos passageiros. E a avó, que saudades tenho dela!
No entanto o tempo foi passando e eu e o Afonso fomos crescendo, a pouco e pouco fomos deixando de brincar e começamos a focar nos no nosso futuro. Eu licenciei me em história e agora dedico me a pesquisar sobre a vida do rei D. Raimundo IV. Com as minhas pesquisas deixei de ter tempo para conviver com o meu primo.
Mas lá estávamos nós , de novo naquele lugar, tudo tão diferente mas tão igual ao mesmo tempo.
De repente fui invadido por um som que reconheci de imediato, a sirene que indicava a passagem do comboio tocava na linha a alguns metros de distancia de nós.
- Ei...- bati no ombro do Afonso.
- Bora acenar ás pessoas como fazíamos em miúdos ?- sugeri.
- Vamos...Mas vamos ter de correr se ainda quisermos apanhar o comboio. - disse o Afonso
E tinha razão, já conseguia avistar o comboio a vir a alta velocidade na nossa direção. Sem esperar um pelo outro eu e o Afonso desatámos a correr como as duas crianças que fomos um dia. Estava tão entusiasmado que quando cheguei perto da linha não reparei no pedregulho que havia no chão e, sem querer, tropecei.
Aconteceu tudo tão rápido que eu só me lembro de dar por mim no meio da linha, mas quando percebi oque estava a acontecer era tarde demais. Senti uma pancada e a minha visão escureceu.
Abri os olhos lentamente e deparei me com o céu azul. Já não sentia o ferro dos carris nas minhas costas, mas sim um monte de relva fofa e confortável.
Levantei- me ainda atordoado, percebi que já não estava em Santo Ambrósio e quando olhei ao meu redor fiquei sem fôlego.
Eu estava em cima de uma pequena colina verdejante oque me dava uma visão privilegiada do vale. Haviam árvores e plantas por todos os lados, abetos, carvalhos, margaridas, tulipas, madressilvas e tantas outras. Estavam todas em flor, não se via uma única planta seca, por mais pequena que fosse. Entre duas das montanhas da cordilheira que rodeava o vale caia uma cascata harmoniosa e de água límpida, diretamente para um pequeno lago. Reparei que embora estivesse um dia solarengo não havia sol no céu. Que estranho !
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O primeiro raio de sol [Conto]
RomansaMiguel é um historiador no início da sua carreira, que após anos de dedicação e sacrifícios pessoais conseguiu o emprego dos seus sonhos estudando a vida dos mais importantes reis, rainhas, príncipes e princesas da nossa história. Durante as suas fé...