No jardim das palavras | Part 2

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— Se quiser descobrir a resposta, deverá perguntar diretamente a Ele. Deus não está muito longe de você. Na verdade, ele está bem aqui, agora mesmo, esperando que você fale com ele.

Silêncio. Miguel não entendeu. O velho curvou a cabeça sobre as mãos, em uma oração silenciosa. O vento soprou em seu chapéu de palha, trazia sensações de um verão cálido e esquecido.

— Eu não quero falar com ele — Miguel retrucou. — Ele é mal.

O velho ajeitou-se no banco e consultou o relógio — ainda tinha algum tempo antes de ir. Pegou um capim e começou a mastigá-lo.

— Você está errado, menino. Deus é bom o tempo todo.

— Então,  porque ele levou minha vó? — Miguel indagou, com raiva. — Ele não amava ela?

— Só porque Deus permite o sofrimento e a dor, não quer dizer que ele não nos ame. Ele mesmo entregou seu único filho, a única coisa valiosa que possuía, ao sofrimento só porque nos amou. Tudo tem um propósito neste mundo, Miguel. Até mesmo a morte.

— E a minha dor? Qual é o propósito dela?

— Te fazer crescer. Se você conseguisse ver o propósito Dele no seu sofrimento, se alegraria com sua dor. Eu sei o quanto está doendo. Por mais que tudo seja confuso e doloroso, pode ser onde Deus quer que hoje esteja .

— Mas por que ela? A vovó não fazia mal pra ninguém... Eu pedi pra Deus não levá-la, mas ele não me ouviu.

— Deus nem sempre fará a nossa vontade. Miguel, você não era o único que a amava. Todos nós a amávamos. Deus não era indiferente à situação de sua avó. O câncer a fazia sentir dor. Ela estava sofrendo. E Deus estava sofrendo com ela também. Mesmo assim, ela não queria ir, pedia para ficar mais um pouco por você. Aurora, mesmo com dor, conseguia ver a bondade de Deus em todas as coisas. Num amanhecer, nas estrelas, na brisa... em você. — Ele encarou Miguel — Os homens são egoístas o suficiente para criticarem o trabalho de Deus. Eles não aprendem a confiar em Deus. Não entendem que a vida não é só mais um passo para o paraíso. Ela é um processo. E Deus está nele. Mas vocês têm o favor de Deus ao seu lado, isso é o bastante. E eu sei que essa perda deixou uma ferida profunda em você, mas eu quero ajudá-lo a cicatrizá-la. Você pode escolher entre aceitar e confiar, mesmo sem entender, ou apenas contestar. Você é livre para decidir.

— Eu só queria ver a vovó de novo — Miguel falou tão baixo que era impossível alguém ter escutado. Mas o velho escutou.

Era teimoso igual o avô. O velho suspirou profundamente, então, disse:

— Parece que meu tempo acabou.

— Pra onde vai?

— Irei ver sua avó. Estou com saudade dela.

— Mas ela não...

— Você tem fé? Acredita que Deus pode fazer o impossível?

— Eu — as lágrimas batiam na porta, mas ele não abriu —, eu tenho. E acredito.

— Então venha comigo.

O velho levantou-se e estendeu a mão calejada que exibia uma cicatriz estranha no meio da palma. O garoto pegou-a e, lado a lado, começaram a caminhar.

— Miguel! — Uma voz distante chamou sua atenção.

Era sua mãe. Ela vinha correndo em sua direção. Mas parou no meio do caminho. Ela ajoelhou-se e apalpou o rosto de um menino caído ali, sem vida. Esse menino era Miguel. O homem percebeu a hesitação do garoto e lhe disse que era a decisão dele ir ou ficar. Miguel segurou firme a mão do velho e seguiu com ele, para onde estava sua avó.

— Filho, acorda, meu amor — Dona Clarice pedia inconsolável com o corpo do filho nos braços. — Por favor, acorda. Não faz isso comigo, por favor...

— Clarice! — José que viera acompanhando a polícia, correu até sua esposa. A abraçou. — Isso não pode estar acontecendo! Meu Deus! O que ele veio fazer aqui?

— Ele veio conversar com Deus.

Conversando com Deus Onde histórias criam vida. Descubra agora