Outros conhecidos

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Ele me encara. Como se eu fosse à intrusa ali. Sua roupa está molhada, como será que ele veio? De onde? Será que fala comigo? Ou entende minha língua?

Meu Deus, ele está imundo. Por onde passou antes de cair aqui? Será que era ele que estava fazendo o barulho, porque o mesmo cessou. Afinal, porque a névoa mandaria um garoto para cá? Pelo que eu saiba, ela não gosta de sexos diferente no mesmo lugar em que ela predomina. E mesmo assim, ele se materializou diante o claro, pingando água, com o olhar confuso e assustado. Deve ter a minha idade, se for contar por sua altura. Desço do balanço entre outros inúmeros iguais, e vou em direção do menino, que se encontra agachado e tremendo de frio. Ele está com os olhos inchados, esteve chorando, e suas mãos possuem cortes quase invisíveis. Não tentou me bater, e não abriu a boca. Sentou-se no chão, as roupas imundas e pingando o líquido escuro do lago.

-Como chegou aqui?-perguntei, encolhendo-me no balanço.

Ele levantou a cabeça. Os olhos de cor âmbar brilhando com os feixes de luz do sol, colocando-se para dormir no final da tarde, desaparecendo no horizonte.

-Quem é você? -perguntou.

-Eu também não sei- dei de ombros- Estou aqui desde que me conheço como gente.

-Porque estamos aqui?

O encarei, por que um garoto? O que a névoa pretendia agora?

-Eu não sei. Como chegou aqui?

-Estava na escola, e do nada eu me senti tonto, e fui para a enfermaria. Um cara muito estranho me atendeu lá, senti uma dor na nuca, e desmaiei.

-Como ele era?

-Alto, com capuz, não vi seu rosto.

-Comigo foi à mesma coisa.

Ele se encolheu, tremendo. Estranho para um garoto que tinha músculos e ombros largos. A blusa molhada estava larga, mostrando o formato largo e definido das costas. Mas ali, encolhido e os olhos cheios de medo e solidão, ele só parecia um guaxinim assustado. Senti pena por ele, vir para cá, já tão velho. Ele tinha o rosto alinhado com os cabelos escuros, grudados na testa. Comecei a falar com ele, mas ele não me respondeu mais. Tive raiva por ser ignorada, mas o que podia fazer? Obrigá-lo a falar? Não, com certeza não.

-Sabe- falei, mesmo que ele me ignorasse-, ali atrás das árvores tem um lago limpo e quente, você pode se limpar lá, se quiser. Não fique muito tempo, vão esquentar para que você se queime e saia logo.

Ele ficou parado por alguns segundos, e se levantou, indo para o caminho que indiquei, cambaleando, com as roupas pesadas e sujas.

Minha curiosidade foi maior, e tive que segui-lo, caso ele tentasse sei lá, se matar ou algo do tipo. Confesso que não fiquei surpresa quando vi. Ele estava tomando banho no lago, como eu sugeri, ele tinha me escutado afinal! Não consegui me concentrar, suas costas nuas exalando o vapor da água, tinham gominhos na barriga delineada, do qual eu não sabia o nome. Comecei a me afastar, tirando a imagem de suas costas da minha mente, e como descuido pisei num galho, foi um barulho pequeno, mas como eu pretendia fazer silêncio, foi um barulho enorme. O garoto se virou e se assustou quando me viu espiando-o. Droga!

- O que está fazendo?- ele perguntou, balançando os cachos escuros.

-Eu... Vim ver se não estava tentando se matar.

-Por que eu tentaria?

-Por que... Aqui é um inferno.

-Entendo. Com quantos anos esteve aqui sozinha?

-Dez anos. Completando hoje.

-Hoje? Hm, seu aniversário?

-Hm. Sim.

Virei-me para trás, voltando aos balanços.

-Não vá!-ele gritou- É ruim ficar sozinho aqui.

-Eu sei como é- cochichei- é horrível, não? Tente se acostumar.

E então, fui para longe deixando-o ali, implorando-me para ficar.

O Vale SombrioOnde histórias criam vida. Descubra agora