Capítulo 1

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O garoto cobriu a cabeça com os cobertores de lã, apertando os olhos o máximo, como se quisesse expulsar aqueles pensamentos da mente. Mãos geladas, enrugadas e húmidas com garras vermelhas raspando sua pele até o sangue. É claro que era irreal, mas para as outras pessoas. Todos os medos são reais, desde que eles sejam seus. Nada que não existe pode causar uma sensação tão forte. A mãe levou-lhe no psicólogo, que disse a ela que era absolutamente compreensível que crianças sentissem medo. Tobias já estava com doze anos, e isso a preocupava. Crianças de doze anos não perdem noites inteiras de sono e encharcam o travesseiro de lágrimas quentes. Ele se recusava a contar o que acontecia, mas a verdade é que ele inventava os medos. E era incapaz de viver sem eles.

Tobias abriu os olhos e olhou pela fresta entre os cobertores e o colchão, distinguindo uma sombra negra atrás da cômoda do quarto. E no mesmo momento, o dia em que isso começou veio em sua mente como um filme.

Sentado em uma banqueta alta, em frente à lareira, a avó estava com um livro velho nas mãos. Tobias estava com não mais de sete anos, e, com toda a curiosidade dessa idade, perguntou várias vezes do que se tratava o livro. Mas a mulher se recusava a contar, e tentava mudar de assunto.

- Não, não, Tobias. Este livro é da vovó. Eu tenho vários outros na biblioteca, você pode escolher o que quiser!

- Mas... - Ele estava se sentindo atraído pelo livro como um imã atraindo metal.

-Não. - A voz dela soou dura, e percebendo seu erro, ela tratou de consertá-lo, assumindo um tom de voz doce. - Sabe como é, este livro é de receitas. Era do meu pai, e antes foi da mãe dele. Já que seu pai morreu, eu vou passa-lo a você quando tiver idade. - A velha envolveu a capa do livro com os dedos longos e alvos

Ela se levantou e foi colocar o livro na biblioteca. O menino percebeu que aquilo tinha uma ponta de mentira. Ele acreditou na maior parte, mas aquilo definitivamente não era um livro de receitas.

À noite, ele acordou de madrugada e rastejou pelo carpete em direção à biblioteca da avó. Tudo tinha um estilo vitoriano. As mesas e estantes de mogno, poltronas e a lareira criavam um ambiente acolhedor e confortável para passar horas lendo sem parar. A ausência de relógios era a melhor parte, pois a sexagenária sempre dizia que, enquanto lemos, devemos esquecer-nos do mundo nosso e entrar em outro. Mundo onde o nosso tempo não interfere. Logo, relógios lá eram completamente inúteis.

Acendendo um abajur, pôde perceber que os livros tinham um brilho diferente. Percorreu as inúmeras prateleiras por um tempo impossível de definir, até encontrar o livro em questão. Todo decorado com fitas vermelhas e amarelas, o livro encapado com couro rústico tinha um aspecto imponente. Ele pegou o livro com as mãos tremendo, sentindo a rusticidade e aspereza da capa do livro, rudimentarmente costurada. Era claro que se tratava de um livro antiquíssimo e que já havia passado pelas mãos de muitas pessoas e salpicado mundo de conhecimento.

Tobias repousou o livro cuidadosamente sobre o tapete, à luz tênue e amarelada do abajur vermelho. Com a ponta dos dedos, afastou a capa e encontrou um título escrito com algo parecido com tinta neon vermelha. Ele caminhou apreensivo todas as letras luminosas com os olhos, o título era "A Enciclopédia dos Medos", e virou a página, imaginando que ela poderia se rasgar a qualquer momento com o atrito com sua pele.

Ele aproximou o nariz do livro e inspirou, um aroma de poeira invadiu suas narinas. Ele abafou a tosse com a manga da blusa. Somente livros novos tinham um cheiro agradável, concluiu. Fechou os olhos com força para reter as lágrimas, que as partículas de poeira causaram. Ao abri-los, surpreendeu-se ao encontrar em sua frente um lobo de olhos vermelhos.

O ambiente estava escuro. Não era mais a biblioteca. Era uma floresta. O lobo à frente, rosnava mostrando os caninos branquíssimos e extremamente afiados. O menino caiu de costas, e se arrastou pelos cotovelos até bater as costas em uma árvore. O impacto fez um ruído oco, mas o lobo continuava à espreitá-lo.

Não era um sonho. Definitivamente não era. Todos os seus sentidos funcionavam perfeitamente. A dor nos braços, o frio, o gosto de sangue na boca e o cheiro podre tirava toda e qualquer dúvida de questão. Era real. O lobo avançou vagarosamente, saboreando cada momento. Aquilo não era um animal, era um monstro. Ele gostava de vê-lo sofrer e desejava tragar seu desespero e sua carne. A fome era um mero acaso. Aquela criatura era má, a forma mais pura de maldade sem nenhum objetivo. A maldade pela maldade, o prazer de ser sádico.

A fera rosnou, e deu um salto no ar. O garoto se atirou para o lado, rolando pela terra úmida. Ao olhar para os lados, surpreendeu-se ao perceber que o lobo sumira. E surpreendeu-se ainda mais ao notar que sentia falta dele. Era algo estranho. Coçou os olhos e piscou diversas vezes. As árvores à frente pareciam se dissolver. Em um momento, sentiu-se novamente na biblioteca.

Seu corpo tremia descontroladamente, uma dor gritante percorria seu corpo e suas roupas estavam sujas de terra. Começou a emitir gemidos que se elevaram à gritos. Sentiu uma língua gelada percorrer a superfície do seu braço, e a dor foi aos poucos sumindo. Em poucos instantes, a figura franzina da avó apareceu na porta, com uma expressão assustada. Correu em direção ao neto, chutou o livro para o lado, fechando-o, e pegou o garoto no colo. Sentou-se em uma poltrona, sussurrando baixinho uma cantiga dos tempos de criança ao envolvê-lo com os braços afetuosamente.

Tobias dormiu com a imagem de um lobo feroz na mente, e mal se deu conta de que pequenos olhos vermelhos observavam tudo por trás de uma estante de mogno.

Sua mente infantil era incapaz de imaginar o que aconteceria a seguir.

O Inventor de MedosOnde histórias criam vida. Descubra agora