Capítulo 7

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 — Não me diga que este negocinho é o Gorgan? —Perguntou Tobias.

 —Ei! — Mirela deu-lhe uma cotovelada forte. — Mais respeito. E sim. É o Gorgan. Por quê?

 — É que esse nome passa certa... — Ele não terminou a frase.

 — Você esperava um homem grande, corpulento e suntuoso. Não? — Perguntou o anão. Ele tinha o cabelo branco e escasso, e um nariz redondo do tamanho de um ovo pequeno.

Tobias imaginou realmente um homem grande, de aspecto real, com uma capa vermelha comprida, barba, cabelo no ombro e músculos possantes. Era exatamente a figura que esperara, e o contrário da que encontrara.

 — É... É sim.

 — Hum... Dane-se. Venha comigo, pequeno rei. — Disse o homenzinho.

 Tobias foi e puxou Mirela consigo. Por mais que desconfiasse de tudo, confiava na garota de uma forma estranha.

 Por dentro, a casa era simples, mas bem arrumada e limpa. Uma cama estava encostada na parede ao lado, uma mesa, um fogão e uma pia à frente e uma sala de estar no lado oposto. Dois sofás, uma mesa com várias velas acesas e uma lareira. Pela janela, podia-se ver que estava escurecendo. Este tempo era mesmo louco.

 Gorgan mandou-lhes sentar à mesa e serviu, vagarosamente, duas xícaras de algo parecido com café, mas mais arroxeado. Por fim, ele sentou-se.

 — Por que acha que está aqui? — Perguntou ele, bebericando o líquido.

 —Bem, — Tobias ainda não teve a coragem nem de aproximar a bebida da boca. — Acho que sou louco.

 Gorgan repousou a xícara na mesa. Levantou as grossas sobrancelhas e mexeu no cabelo  grisalho.

 — E se não fosse louco? Por que estaria aqui? – Ele esticou as mãos.

 —Por que eu abri o livro. — Respondeu o garoto, olhando para o líquido fumegante na xícara.

 — Qual livro? — Perguntou Mirela, intrometendo-se com um ar arrogante. O anão enviou-lhe um olhar duro, e ela se retesou.

 Em seguida, Gorgan fez a mesma pergunta à Tobias.

 — O... A Enciclopédia dos Medos.

 — Hum... Interessante. Pelo que soube, quem continha o domínio deste material tão perigoso era somente a rainha. Mas ela morreu.

 Tobias se endireitou na cadeira, com uma postura ereta para disfarçar o medo. Sim, ele de novo. O Medo.

 — Quem era a Rainha? — Indagou o menino, curioso.

 — Ah, você deve conhecer. Você é o seu sucessor, ora bolas. Todos a chamavam de Aurora Bergerac.

 Por mais que fizesse tempo, por mais que as lembranças fossem desaparecendo como névoa, Tobias sempre se lembrou daquele nome. Uma das certezas de sua vida é que não existiu nem nunca existirá alguém que o amasse tanto quanto ela amou. Claro, esse alguém era sua avó.

 — Não. — Disse o garoto, mecanicamente. Em seguida, repetiu a palavra diversas vezes.

 —Sim. — Falou o velho anão. — Sim, sim, sim. Esta história deveria ter sido passada a você, mas não houve tempo. Não se preocupe, somos amigos.

 Tobias manteve-se calado, evitando olhar para os lados, focando somente na xícara branca com o líquido roxo escuro.

 —Pode beber. — Instigou-o Gorgan.

 Lutando contra todos os seus instintos, engoliu a bebida de uma só vez. Descobriu que seus instintos estavam certos, pois a escuridão o envolveu.

 Seguiu-se uma imagem.  Sem dúvidas, o Vilarejo de Ronan. As casas estavam diferentes e havia mais árvores, porém o rio, a cachoeira e as montanhas não deixavam enganar.

 Uma garotinha corria pelo gramado com o longo vestido cor-de-rosa esvoaçando, em direção a uma casinha branca. Como em um sonho, a visão de Tobias seguiu a menina até dentro de casa. Um homem estava sentado a mesa escrevendo em um papel amarelado.

 —Papai! — Chamou a garotinha, Tobias calculou cerca de dez anos. — O que você queria me contar?

 — Olá, Aurora. Você vai ter que vir comigo.

 Obediente, a menina o seguiu até uma pequena sala repleta de estantes e almofadas jogadas pelo chão. O homem esticou-se e tirou um livro de cima de uma estante, em seguida mandou a filha fechar a porta e trancou-a, assim como as janelas de madeira. Logo, tudo ficou preto. Às cegas, o homem tateou à procura de uma lamparina. Acendeu-a dificultosamente. Logo a luz inundou a sala e delineou as tétricas sombras dos móveis.

 — Minha querida, você vai ter que saber de uma coisa que vou contar a você agora. E nunca pode se dar ao luxo de esquecer, pois não sabemos de eu estarei aqui amanhã e você será a responsável por este livro.

 — Eu gosto de ler. — Falou Aurora, alegremente.

 — Não, não... Este livro não é para ler. — A voz do pai resumiu-se a um sussurro abafado. — É uma chave. E chaves abrem...

 — Portas! — Disse a garota, alto demais para o gosto do pai.

 — Sim, portas. E algumas portas só podem ser abertas depois que você já tem a capacidade de saber com o que está lidando. Eu vou te mostrar, e não fique assustada. É algo da nossa família. Da nossa linhagem. A única no mundo, que segue o primogênito de cada primogênito. Não somos sobrenaturais nem nada disso, somente veja.

 O homem abriu o livro na última página. Uma figura estranha estava estampada no papel. O símbolo começou a reluzir e cintilar. Um espiral.

 Poucos segundos depois, o ambiente se dissolveu e uma floresta deu lugar à onde era a biblioteca.

 A mesma floresta em que Tobias esteve. Exatamente igual. Até as flores em torno dos troncos das árvores.

 — Onde estamos, papai? —Perguntou a jovem Aurora, e é claro que Tobias já havia se dado conta de quem ela era.

 — Este lugar é nosso, filhinha. — Ele olhou demoradamente para o horizonte. —Estamos em Geóvia.

O Inventor de MedosOnde histórias criam vida. Descubra agora