Ela, o Chapéu, a Coca, o Rato e eu

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Eu moro numa cidade bem tranquila onde morre uma pessoa a cada três dias por causa da velhice, meu sonho é sair dessa cidade e ir para Tokyo, porém eu tenho uma clara noção de que daqui há uns oitenta anos eu serei mais um velhinho que irá deixar essa cidade e esse mundo. Nessa mesma cidade não acontece nada nunca, a única preocupação das pessoas são os jogos de futebol ou as novelas que dão na televisão, a preocupação vem do fato que as moças das novelas sempre estão indecisas se escolhem o rico humilde ou o pobre humilde, e as mulheres que assistem ficam nesse dilema até o fim da novela, quando a moça escolhe o rico humilde. Já os homens se preocupam com a vitória do time do coração, que na cabeça deles é o melhor time do mundo, mas na realidade sempre acaba perdendo.
Sabendo disso, a única coisa que nos resta é viver um dia de cada vez fazendo as mesmas coisas idiotas de sempre, por exemplo.:
varrer a casa, lavar a louça, tirar o lixo, inclusive, por falar nisso, acabei de lembrar que eu não tirei…

Minha mãe estava me xingando ininterruptamente, até que seu fôlego começou a se esgotar e seu rosto foi ficando cada vez mais azul celeste. Ela puxou o ar com força, e suspirou por alguns segundos. Seus olhos me condenavam e o silêncio me quebrava, ela colocou a mão sobre a testa e perguntou:
-Porquê você não tirou o lixo, guri?
A única pergunta que até a filosofia ainda não achou uma resposta, o porquê algo que deveria ser feito, não foi feito.
-alienígenas gigantes japoneses, começaram a destruir o planeta, então eu me uni junto com os oito cavaleiros de metal lendários, e nos transformamos em um mecha enorme para derrotarmos o mal mais uma vez!
Era o que eu poderia ter dito, porém esta é a realidade, e qualquer coisa que se pareça com animes e tokusatsu está fora de ser crível. 
"Eu não sei" foi a única coisa que eu consegui dizer, eu ia falar o quê? "Eu me esqueci"? cringe. "Eu não lembrei"? Muito cringe. 
Eu tenho que parar de falar "cringe" e começar a inventar desculpas novas.
A mãe gritou um icônico:
-vai tirar o lixo imediatamente!!
E Marchou em direção à sala bufando, achei meio exagerado ela ter ficado tão brava só por causa de um lixo, mas de qualquer forma eu fui em direção ao mesmo, ele fedia muito, parecia que toda a população do mundo comeu tudo o que gostava, e nisso todos fizeram suas necessidades em um buraco, daí cientistas conseguiram fazer um perfume com essa fragrância fedorenta e borrifaram no nosso lixo. Ok, talvez eu esteja exagerando, mas estava sim, bem fedorento. O lixo é interessante porque nada que contém nele presta, parece um auto retrato meu. Levantei a sacola de lixo e corri pra fora, ao sair eu vi pessoas sorridentes caminhando pela rua, todas figurantes, existentes apenas pra mostrar que existem mais pessoas nesse mundo, se a gente vivesse numa simulação era só eu falar "//cry", e elas iriam começar a chorar. Caminhei até a lixeira e ali deixei o lixo repousar, até aparecer um homem de azul que vai levar ele pra algum lugar mágico, que irá transformar o lixo em alguma coisa que preste. Que analogia legal essa que eu criei agora, alguma coisa que transforma o lixo em alguma coisa que preste, será que isso acontece com as pessoas?
Eu fitei o lixo pra ver se ele não estava pingando, e pra minha sorte ele estava, agora eu tinha dois problemas, primeiro o lixo estava pingando, então eu teria que encontrar uma sacola pra cobrir ele, o que seria uma missão categoria 5, e o segundo problema era que eu percebi que, como o lixo estava pingando, a casa estava com um rastro de água de lixo que terminava bem onde eu e o próprio estávamos. Franzi a testa e cerrei os punhos, agora o protagonista aqui, tinha que resolver mais problemas que surgiram após tentar resolver um problema já existente, por que eu simplesmente não desisto de tudo?
Fui até o lugar específico da casa, onde a gente tem uma coleção de sacolas de todas as cores imagináveis, e peguei uma sacola branca do tamanho da outra que continha o lixo. Corri até a lixeira, e coloquei a sacola na sacola de lixo que estava pingando; colocar a sacola na sacola é uma redundância?
Ao terminar eu dei um soco no lixo e ouvi uma criança dizendo:
-mamãe, mamãe, aquela garota tá mexendo no lixo!
Eu juro que escutei a mãe daquela criança dizer:
-não devemos julgar, meu filho...
Honestamente, Não sei o que achei mais engraçado, a criança duplamente enganada, ou a mulher com seu falso moralismo, eu vi muito bem ela sorrindo quando disse aquilo.
Caramba, moralismo é uma palavra boa, vou usar futuramente para algum diálogo que eu possivelmente vou ter. 
Eu estava divagando quando ouvi o grito da minha mãe vindo de dentro de casa:
-Raí, olha o rastro de lixo que tu deixou aqui!!!!!


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