Zoológico

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Sabe quando você olha à sua volta, soma todas as coisas boas que estão acontecendo e parece até ficção? Eu olho para os animais presos em suas jaulas e mal posso acreditar na oportunidade que estou tendo. Sempre quis vir ao zoológico - e libertá-los.
- Lina, a tia Rita nos deixou andar sem ela, em duplas, desde que a gente volte para o almoço. - Lara pisca através das grossas lentes de seus óculos, me despertando para a sua fofura ansiosa.
- Certo, amiga, então vamos! - Sorrio e saio saltitando sem esperar por ela, mas sabendo que suas pernas curtas suam em meu encalço.
Preciso despistá-la. Não quero que ninguém saiba que eu vou soltar os animais. Aliás, não quero ir presa. Mas, pense comigo, eles são animais como nós. Então por que nós andamos livres e eles ficam presos para nos entreter?
- Lina... Espere... - Ela se abaixou ofegante, olhando fixamente para o chão, e eu segui em frente, virando para fora do seu campo de visão.
Certo, Lina, concentre-se. Onde guardaria as chaves, se tivesse um zoológico? Bom, me lembro de uma aula de ciências em que a professora explicava como era a alimentação desses prisioneiros indefesos. Acho que essa será minha chance. Me encosto em uma pedra e aguardo alguém aparecer para alimentar o mico e sua família que estão atrás de mim.
Como esperado, uma mulher vem com umas pencas de banana e balança uma chave em direção à porta da jaula. Mas para e me olha seriamente.
- Menina, se afaste da porta da jaula por favor. Eles podem se assustar com a proximidade. - Eu dei dois passos tímidos para trás e ela olhou em volta de mim, como se soubesse o que procurava. Então perguntou: - Você está sozinha aqui? Se perdeu?
Balancei freneticamente a cabeça e disse com a minha voz mais firme:
- Não, meus pais estão na lanchonete.
- Entendo. Aguarde aqui, sim? - Ela não acreditou em mim, obviamente. Mas se virou, abriu a porta e entrou na jaula com os micos. Eu aproveitei para me livrar daquela situação e cumprir minha missão: Agarrei as chaves que ainda estavam na porta e saí correndo, antes de que ela se desse conta do que eu tinha feito.
Duas quadras de distância depois, joguei as chaves na lixeira e rumei para a lanchonete para almoçar. Porém, chegando lá, minha professora conversava com dois seguranças e parecia um pouco pálida. Será que me atrasei para o almoço? Ou eles contaram o que fiz?
Respirei fundo e marchei na direção deles, resignada com meu destino. Eu fiz o que precisava fazer.
- Ah, Lina, que bom que apareceu! Onde está Lara? Vocês não deviam estar juntas? - Ela mal respirava e ficava mais pálida a cada palavra.
- A Lara não voltou? Ela estava ofegante, achei que voltaria para pegar a bombinha.
- Não, ela sumiu. Ninguém a viu em lugar algum e... - Um dos seguranças a interrompeu e me apontou com um significado nos olhos que eu ainda não alcançava direito, mas a tia Rita se calou.
Suspirei sem saber porque os adultos eram tão misteriosos às vezes, e temi por minha amiga. Lara era doce, fofa e bem chatinha. Mas me dava atenção, quase como se tivesse uma certa admiração. E, não vou negar, isso me agradava muito - mamãe diria que fazia bem ao ego. Por causa de minhas escolhas a menina estava desaparecida. E se ela não aparecesse nunca mais? Nunca mais comeríamos sonhos juntas?
A ideia me aperta o coração e pequenas lágrimas se formam nos cantos de meus olhos. Acho que Lara não é tão chatinha assim. Eu sentirei sua falta.
Um som estridente chama minha atenção e levanto a cabeça direto em um pesadelo que eu jamais imaginaria para um dia que começara tão bem. Três carros de polícia estacionaram perto de nós; algumas das crianças da minha turma abraçam seus pais, que eu nem sei quando chegaram; e minha professora está sentada sendo abanada por pessoas que não conheço.
- Carolina! - Os braços de minha mãe me apertam antes que eu possa vê-la. Sinto lágrimas molhando meus cabelos e já sei que a situação é muito pior do que me disseram, do que, provavelmente, me dirão. Acho que Lara não vai voltar.
- Mamãe, o que faz aqui? O que está acontecendo? - Eu só quero parar esse dia no meio e voltar para quando Lara estava ofegando atrás de mim.
- Filha, vai ficar tudo bem, vai ficar tudo bem. - Seus olhos giram de um lado a outro, como que fazendo sua própria busca, mas não se comunicam com a falta de respostas que ela me dá.
Suspiro. E meu corpo treme. Ela parece perceber e esfrega meus ombros, não sei se tentando esquentar ou consolar. Ou ambos.
Um policial se aproxima devagar e aponta para mim olhando para a minha mãe. Isso eu conheço dos filmes: Ele quer me fazer perguntas, ótimo. Ela acena em positivo e segura meus ombros com carinho, se posicionando atrás de mim.
- Oi, Carolina, eu sou Marcos. Tudo bem? - Digo que sim com a cabeça. Me pergunto se meus olhos estão tão abertos quanto eu sinto que estão. É quase como se as pessoas tivessem sido ampliadas. - Que bom. Olha, eu vou fazer algumas perguntinhas e você me responde o que souber, tá?
- Tá. - Minha voz é um sopro fino. Como as batidas do meu coração.
- Certo. Você estava com a Lara na hora de passear pelo zoológico? - Faço que sim. - Ok, e vocês passaram por quais lugares?
E agora? Minha transgressão seria descoberta e, na falta de Lara para encontrar, me levariam presa como prêmio de consolação. Mas eu precisava contar a verdade. Se eu mentisse e não a encontrassem, eu me sentiria culpada. Mas, de qualquer forma, eu me sentiria culpada por deixá-la para trás... Meia verdade, então.
- Eu... Nós nos perdemos uma da outra logo no início da caminhada, porque ela tinha a perna curta e eu ando rápido. - Nem tão mentira, nem tão verdade.
- Entendo. Obrigado pela sua ajuda. - Ele saiu decepcionado enquanto eu respirava aliviada por ainda estar livre, e minha mãe me fazia cafuné. Um silêncio dolorido pairou na lanchonete.
Entretanto, não demorou muito e fomos todos dispensados. Só a professora e os pais de Lara ficaram lá. Isso foi há 38 dias. Lara ainda não voltou. E eu nunca mais voltarei em um zoológico. Aquela alegria era mesmo ficção e eu não consigo mais rodar esse filme.

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⏰ Última atualização: Jul 15, 2022 ⏰

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