Um

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— Dimitry, sua vez. O que quer fazer? — perguntou Viktoria, com seus fios avermelhados como o fogo e repletos de cachos rebeldes balançando. 

O Dimitry em questão, meu amigo, enterrava uma colherzinha de plástico em um pote de um litro de sorvete. Cavava o chocolate e morango e deliciava-se no doce, enquanto fazia caras e bocas para tomar uma decisão importante.

— O quão cansado está o Balachko? — respondeu, dando mais uma grande colherada no sorvete.

A ruiva balançou a cabeça em negação, fez um quase silencioso "tssc!"  e colocou dois dados avermelhados com bolinhas brancas nas mãos dele. 

— O que quer fazer? — repetiu, firme.

O loiro me encarou com seus grandes olhos azuis e balbuciou, como se fosse impossível de a garota ao nosso lado escutar:

— O que eu faço, cara?

Um riso, mais como um sopro, saiu por meus lábios e dei de ombros. Fingi confusão. Do outro lado da mesa, a menos de um metro, Viktoria me encarava furiosa, e eu sabia o que seu olhar fulminante queria dizer: "se ajudá-lo, vou usar seu corpo como saco de pancadas". Okay. Recado dado. 

— Eu não sei, D — respondi, simplório. — Estou morto. 

De fato, estava morto.

Nós estávamos jogando um RPG de mesa inventado por Viktoria que se assemelhava bastante a Dungeons & Dragons, o famoso D&D, mas voltado para deuses e criaturas eslavas. 

Meu personagem, um mero humano guerreiro, morreu para Baba Yaga, uma velha bruxa, quando tentou atacá-la. Ver meu homenzinho feito à mão ser esmagado pelo bonequinho, também feito à mão, de Baba Yaga foi uma experiência um tanto... frustrante. E ali eu sabia que o bonequinho de Dimitry estava prestes a ser esmagado pelo da criatura Balachko se ele não fosse inteligente. 

— Eu quero... — começou o loiro, que já devorara boa parte do pote de sorvete enquanto pensava. — Vou tentar pular e cortar uma das cabeças dele com minha espada.

Viktoria sorriu, maléfica.

Eu escondi meu rosto com a mão direita e amaldiçoei o rapaz por ser tão burro.

Agora, vejam bem: Balachko são criaturas eslavas gigantes e com três cabeças, das quais duas possuem poderes mágicos. Uma solta fogo, a outra um vento congelante. Você não tenta pular em um Balachko e arrancar uma cabeça dele.
É como pular em uma Hidra e tentar arrancar alguma de suas cabeças, sendo que várias outras estão lá, prontas para te engolir.

Observei o que seriam os últimos segundos daquela partida enquanto Dimitry usava suas mãos meladas de chocolate para jogar os dois dados. Mesmo que ele tirasse um belo vinte, nada o ajudaria. Viktoria sabia disso, por isso seu semblante estava feliz. 

Os dados rolaram.

Cinco.

Cinco de vinte.

Escondi meu rosto ainda mais e encolhi meu corpo, pronto para permitir que o puff vermelho com pelinhos me engolisse. Aquela era a derrota mais vergonhosa da história dos RPG's. 

— Você tentou pular, mas o salto foi tão baixo que não alcançou nem mesmo o peitoral dele — sibilou a garota. — Sua espada caiu, o Balachko te pegou pelo pescoço como uma formiga e BAM! — Ela gritou do nada, esmagando o bonequinho de Dimitry com a criatura. — Você morreu.

Angus Baram E O Titã Nas EstrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora