— Você disse não? — Sílvia não escondeu a surpresa nos olhos escuros e muito menos na voz ao encarar a filha.
— E pediu demissão? — Gustavo, seu irmão gêmeo, parecia realmente surpreso com a segunda parte da sua informação. Ela quase riu disso. Estava esperando esse tipo de reação, sabia que ele não ficaria impressionado com a recusa do pedido de casamento do homem com quem passou quase sete anos junto. Mas, sim, de ter pedido demissão do emprego que tanto amava.
E por isso que ela ligou para a mãe para organizar um jantar com o irmão. Que tinha novidades para eles sobre sua vida. Não levou malas, chegou de manhã na casa da mãe com o vestido caro que Murilo tinha comprado. Que logo trocou por umas roupas suas que por sorte, sua mãe ainda tinha guardado. Fez o jantar, esperou que todos comecem e contou sobre o fim do seu relacionamento.
Sabia que sua mãe estava curiosa, e comentou o dia todo de como ela parecia triste. Mas, Giovana não quis corrigi-la. Não estava triste. Zangada, usada, frustrada e envergonhada, sim. Triste? Não. Nenhum pouco. O que a deixava ainda mais brava. Dedicou anos da sua vida a Murilo para no final não sentir nada? Nadinha de nada?
Ela deixou essas questões dançarem na sua mente durante todo o dia; mas agora, depois do jantar, estava melhor. Cozinhar a tinha acalmado e organizado seus pensamentos.
— Murilo usou do meu amor pela culinária, usou minha determinação e roubou meus sonhos — Giovana bebericou o vinho Bodini com os olhos fixos nas duas pessoas mais importantes da sua vida. — Nós construímos aquele restaurante juntos. Meu Deus! Eu planejei todo aquele lugar! A decoração, a contratação dos funcionários... tudo! Murilo só tinha aqueles contatos chiques e um pai rico.
— Bem, não posso dizer que sinto muito. Estou feliz por você ter acordado para a vida — Gustavo sorriu para a irmã.
— Gú... — Sílvia repreendeu o filho, não era hora para aquilo.
— O que foi mãe? É a mais pura verdade! Murilo nunca a amou e a senhora vivia me dizendo isso.
— Mas agora não é hora de criticas e ...
— Gustavo tem razão mãe — Giovana sorriu tranquilizadora. — Não sei porque não percebi antes. Só me dei conta ao ouvi-lo dizer sobre como tudo que ele tinha feito pelo restaurante. Era tudo dele... E vi o que eu realmente representava para ele.
— Ah querida...— Sílvia segurou a mão dela por cima da mesa. — Eu sinto muito. A pior sensação do mundo é a de ser usada e descartada.
Giovana olhou para a mãe. Sim, ela, melhor que ninguém, compreendia a sensação. Poderia não ter sido traída como seu pai traiu sua mãe, mas ainda, sim, era a mesma sensação.
— E como Murilo ficou depois que você recusou o pedido dele? — Gustavo quis saber, torcendo para que sua irmã o tinha humilhado.
Giovana fez uma careta ao lembrar da cena.
— Murilo riu, achando que eu estava brincando. Sinceramente, acho que até agora ele não entendeu. Deve ter achado que eu estava muito surpresa e confusa. Deu tapinhas nas minhas costas, que esperaria eu me acalmar do choque.
Gustavo bufou e revirou os mesmos olhos azuis-esverdeados da irmã. De todos os Bodini.
— Aposto que nem passou pela aquela cabeça egoísta dele que alguém pudesse recusar um pedido de casamento.
Giovana assentiu, concordando com o irmão.
— Bem, azar o dele. Porque eu falei sério. Eu não sei quando deixei de amá-lo; mas não o amo mais. Não posso construir ou ser feliz ao lado dele.
— Ou talvez, querida... — Sílvia apertou a mão dela, carinhosamente — você nunca o tenha amado.
Giovana franziu o cenho, tentando lembrar do momento que se conheceram, da sensação que tomava seu corpo toda a vez que estava com ele e... não se lembrou de nada. O que tudo isso significava? Ou ainda estava magoada demais para lembrar das coisas com clareza?
— E o que você vai fazer agora? — Gustavo quis saber.
Giovana respirou fundo.
— Não sei. Abrir meu restaurante e seguir meu sonho. Reconstruir minha vida. Começar de novo. Tremo só de pensar em voltar no apartamento de Murilo para pegar minhas roupas.
— Posso ir com você.
— Agradeceria muito, mãe.
— Ou pode deixar tudo lá — Gú sugeriu com um brilho maldoso no olhar. — Adoraria ver quando dias levaria para o idiota perceber que você deu um pé naquela bunda magra dele.
— É uma ideia tentadora, mas não posso usar as poucas roupas minhas que a mamãe guardou. Preciso das minhas roupas, sapatos, joias...
— Compra tudo novo. Vida nova, tudo novo — piscou para ela.
— O problema é que se eu quiser abrir meu restaurante, vou precisar economizar; não posso me dar ao luxo de gastar tudo com roupas.
— Espera! — Sílvia estralou os dedos. — Seu irmão vai voltar para Blumenau a trabalho, porque não aproveita e vai com ele?
— Mas o que eu irei fazer lá, mãe?
— Abrir seu restaurante. A Nonna não te ofereceu apoio? Você me contou sobre isso quando voltou de Blumenau ano passado.
— Verdade! Gio, eu posso arrumar um quarto para você na pousada, posso colocar você no mesmo voo que a equipe de produção. Aí, podemos passar na vinícola e conversar com a nonna.
A cabeça da Giovana girou com as possibilidades, com o caminho que sua mãe e irmão estavam abrindo diante dela. Possibilidades. Família.
— Nonna só estava sendo educada, não vai simplesmente me dar dinheiro assim — tentou racionalizar.
— Nonna Carmine Bodini nunca faz nada por educação — Sílvia afirmou com a convicção de quem conheceu muito bem a ex-sogra. — Tudo que ela faz é porque quer fazer.
— Você tem o número da nossa prima Liliana, não têm? Então, liga para ela e fala sobre essa ideia. Aí, vamos juntos para o sul e você pode conversar pessoalmente com a família. — Gustavo falava com convicção. — É uma ideia, Gio. Uma possibilidade.
Giovana viu o brilho nos olhos da mãe, a certeza do irmão e cedeu. Afinal, não tinha mais nada a perder, não é?
— Tudo bem. Acho que não custa nada tentar.
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Tempero de Desejos ( Série Bodini)|DEGUSTAÇÃO|
Romance* ESSE É O SEXTO (6º) LIVRO DA SÉRIE BODINI, NÃO É NECESSÁRIO LER OS ANTERIORES PARA ENTENDER ESSA HISTÓRIA, MAS PODERÁ CONTER SPOILERS DOS LIVROS ANTECEDENTES * Giovana Bodini tinha apenas um sonho: cozinhar no seu próprio restaurante. E uma oport...