Praguejos e passos molhados entraram em sintonia com os fortes pingos que caiam pela cidade, reverberando pela noite uma sinfonia grossa da água atingindo o chão.
Um borrão notório de amarelo correu em meio a chuva até a proteção mais próxima na penumbra escura, onde refugiou-se sob a cobertura de um ponto de ônibus, voltando a soltar reclamações, enquanto tentava de maneira fútil diminuir a água presente em suas roupas.
- Aaah, merda merda merda... - Tomando o tecido de seu moletom mais maleável em mãos, Yuuji o esticou e torceu, estremecendo pela brisa que o assolou e pela quantidade de água que foi espremida. - Era o último limpo cara, que droga! - O adolescente prosseguiu praguejando baixinho, puxando os cantos de suas vestes para tentar aliviar sua tremedeira e o peso de suas roupas encharcadas.
"Você pode me ver?"
Foi automático; com a resposta na ponta da língua, Yuuji ergueu a cabeça pronto para responder a pergunta inesperada, ignorando o fato dele estar sozinho e não ouvir nenhum barulho ao seu redor com exceção da forte chuva.
A imagem que o recebeu foi grotesca, perturbadora em muitos níveis superando seus amados filmes de terror, mas seu instinto de sobrevivência foi mais forte e sua visão foi bruscamente mudada para o lado, não dando a chance da criatura ser analisada para sua mente entrar em detalhes.
Itadori Yuuji tremeu, e ele tinha certeza que estava longe de ser de frio.
Seus dentes que outrora batiam pelo clima congelante, deram lugar a sua alma trêmula e coração ressoando nos ouvidos, estremecendo todo o seu corpo em puro terror e fatal medo.
Respirações apressadas deixaram seus lábios entreabertos que foram desfeitas pela chuva, o ar quente sendo consumido pelo frio. Seus olhos âmbar estavam desfocados tentando encontrar uma saída para a situação.
Engolindo em seco, Yuuji levou suas mãos frias, dormentes e pálidas aos bíceps e esfregou, olhando ao redor ansioso e com as pernas trêmulas: - Merda, está frio o suficiente para espasmos. - Ele riu, uma mistura gritante de desespero e terror em cada sílaba e sons que saiam de sua garganta seca e arranhada, deixando um amargor que o arrepiou ainda mais.
Sua respiração engatou e seus olhos assumiram o tamanho de pires quando o monstro entrou em sua linha de visão.
"Você consegue me ver?"
Em pânico, Yuuji simulou um espirro para justificar sua expressão, desviando o olhar para o chão e analisando seus pés, cobertos pelo encharcado all star vermelho que se tornou um vinho apagado.
"Ei, você pode me ver?"
Sim, eu consigo ver você, ele pensou perturbado, sentindo seus olhos lacrimejarem.
O adolescente deu passos hesitantes para trás, agora analisando seus arredores pela visão periférica e tateando seus bolsos em busca do celular, quase desmaiando em alívio quando o trouxe no alcance dos olhos e o viu ligar.
"Eeei, você consegue me ver?"
Yuuji teve um mini-ataque cardíaco quando viu os pés (?) da criatura rente aos seus. Viu os braços estendidos na intenção de o cutucar, mas ele ignorou habilmente e indo contra todos os avisos e instintos que ressoavam em seu ser e se inclinou para frente, fingindo olhar aos arredores pelo seu transporte, mas tudo que conseguiu foi um arrepio inebriante pela espinha e sua visão embaçada pelo corpo da criatura.- Maah, onde está esse ônibus? Vou ficar doente desse jeito. - A criatura se moveu para o seu lado, agachando até a altura de seus olhos e olhando firmemente para o seu direito.
Tudo que Yuuji conseguia ver era um abismo interminável.
Pelo que pareceram horas, o monstro se ergueu e saiu resmungando:
"Ele não consegue me ver..."
Yuuji observou o espírito ser consumido pela chuva e escuridão da noite, antes de respirar fundo, com o peso do mundo caindo sobre suas costas e pulmões, se apoiou no banco ao centro do ponto e gaguejou:
- Q-Que merda, que merda, que merda...! - Soluçou, colocando o celular de forma errante no bolso e tampando a boca, sentindo lágrimas escorrerem por suas bochechas. - E-Eu conseguia ver aquela c-coisa..!
Escusado será dizer que Yuuji olhou para os passageiros do ônibus em pânico mal contido e ansiedade a mil esperando um deles revelar sua verdadeira face.
Assim como chegou em casa.
Ele respirou fundo como podia em suas roupas secas e duras ao movimento, tremendo de frio e medo, olhando para os cantos escuros como se algo fosse pular em seu rosto.
Pela primeira vez na vida adolescente, ele odiou o fato de estar sozinho, principalmente a noite.
Verificou todos os cantos possíveis após dar uma olhada superficial para não arriscar uma reação direta a o que quer que pudesse encontrar, e finalmente sentindo-se seguro, foi para o seu quarto e posteriormente para seu banheiro.
Após um banho que ele considerou rejuvenescedor, Yuuji começou sua rotina noturna - onde grande parte foi induzida por Nobara, principalmente os cuidados com a pele -, e faltando apenas higienizar os dentes, ele enxaguou sua boca e ergueu o rosto da pia, para enxergar seu reflexo no espelho logo acima, mas apenas quase bateu sua testa no mármore com a força e velocidade que a abaixou novamente.
Havia outro lá, outra criatura, monstro, espírito, lá, atrás dele. Pelo vislumbre que teve, este tinha o pescoço anormalmente longo, ao ponto de enrolá-lo em duas curvas e encará-lo de forma inclinada, ao contrário do anterior que tinha a aparência e estrutura mais robusta.
Bem, pensou Yuuji, foda-se.
- Oh droga, meu cílios virou. - Exclamou em reflexo, levando a mão ao olho.
Ele pensou tardiamente com uma segunda olhada que o espírito teria ido embora, sendo apenas um ledo engano quando ele apenas se aproximou para olhar atentamente o adolescente.
- Deixa eu ver qual cílios virou... - Colando sua cara ao espelho, Yuuji repensou sua vida e solidificou seu autocontrole.
Após quinze minutos enrolando no banheiro, juntando uma frágil coragem para fingir ignorância ao ser atrás de si, ele se retirou apressadamente, indo para a cozinha, pegando um pacote de sal e uma tigela.
Dizem ser eficazes, hm?, matutou, admirando sua duvidosa proteção dentro de seu quarto fechado, sendo uma simples tigela cheia de sal.
Suspirando, sentindo todas suas energias de esvairem do corpo, ele se virou para sua cama, pronto para enfrentar o progresso e eventos duvidosos de seu dia enquanto tentava adormecer, ansiedade, paranóia e pânico a mil, alimentando sua insônia.
Não seria hoje, pelo visto, já que ao levantar as cobertas, outro espírito espreitava pelas grossas camadas de tecidos, sorrindo em escárnio para si. Novamente, Yuuji fingiu e apalpou seu colchão, suspirando em meio a mais arrepios.
- Minha cama está muito fria. - "Constatou" pegando seu travesseiro. - Sukuna-nii saiu a pouco tempo, aposto que ele dormiu o dia inteiro, então a cama dele ainda deve estar quente. - Ele saiu pelo corredor em um monólogo até o quarto do seu irmão, invadindo em pânico ao notar-se livre de presenças aterrorizantes.
Yuuji jogou-se na cama que surpreendentemente estava com os tecidos mornos, sorrindo em respirações trêmulas ao constatar sua solidão, literal.
Virando para o lado, o Itadori mais jovem adormeceu rapidamente, o desgaste físico e emocional finalmente o atingindo como um tapa, forte o suficiente para o nocautear por boas horas.
Apenas para ele acordar duas horas depois, com o espírito de pescoço longo gemendo enquanto tentava abrir a porta, onde estranhamente não conseguia atravessar as paredes, mas não importa, isso era mais fácil de ignorar.
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Yuuji-kun
ParanormalA força de vontade de Itadori Yuuji se estende a sua ignorância ao sobrenatural, tentando livrar a si e seus amigos dos danos que eles tentam infringir. Um problema: eles estavam por toda parte. A solução: Yuuji estava protegido, por algo que ele nã...