Não! Eu sabia que não devia ir ao seu encontro, mas fui. Sei que a cada passo que dava, ficava mais habilitada a meter-me em sarilhos... Mas eu tinha que ir - O meu sexto sentido dizia para eu ir - E eu fui.
As minhas pernas começaram a andar lentamente para a roulotte número 14, a do Dr. Jack. Ouvi gemidos de dor e gritos de aflição vindos da roulotte, o que me deixaram preocupada. Sabia que o Dr. Jack não regulava bem da cabeça mas nunca o imaginara a magoar alguém. Ou talvez aqueles gemidos e gritos eram dele?
Sabia que tinha que ir para a minha roulotte, a número 18, ter com o Sal mas aquela pessoa ou coisa que estava a ser torturada na roulotte 14 não me estava a deixar à vontade e afinal de contas, o Sal pode esperar.
"Truz, Truz" bati à porta
Os gemidos e gritos pararam de repente e o silêncio tomou conta da situação.
- Quem é? - Perguntou uma voz de homem, mas isso não queria dizer que era um homem. Nós aqui em Ardel do Sul sabemos imitar o timbre de toda a gente, por isso por de trás daquela porta pode estar uma criancinha adorável.
- É a Dois! - respondi.
Nós não nos tratamos por nomes, tratamo-nos por números o que é muito mais eficaz porque são infinitos (e por isso não há repetidos) e é muito mais fácil nos agrupar.
- Como posso saber que és a Dois e não a Seis? - Interrogou a vozNós aqui em Ardel somos extremamente desconfiados. Cada experiencia vive na sua roulotte com o seu criador, raramente saímos e fazemos visitas a outras roulottes.
- Mostra-me a tua marca! - Exigiu a voz
Cada um de nós (experiencias) tem uma espécie de "desenho" gravada no braço, um desenho abstrato; e é isso que, para além do nosso número, nos distingue das outras experiências.
Apontei o meu ante-braço para a mini-câmara da roulotte de modo a que ele pudesse verificar que era eu. Um lazer vermelho percorreu a minha marca e segundos depois a voz falou:- Okay Dois, o que queres de mim?
Bom, obviamente que não podia dizer a verdade. Tinha que inventar uma desculpa, o que não é muito difícil para mim.
- Dr. Jack - aos criadores tratamos sempre pelos nomes - Eu acabei com a minha caixa de comprimidos hoje de manhã, será que me poderia emprestar uma?
Ouvi um ranger de uma cadeira e o Dr. Jack abriu-me a porta. Estava igual ao mesmo de sempre: com o cabelo preto oleoso até aos ombros, olheiras de cansaço e com uma bata branca.
- Toma! - Ele passou-me a caixa de medicamentos para a mão e eu tentei espreitar pelas pernas dele, quem é que estava a gemer e a gritar há pouco, mas não consegui.
- Tem alguém consigo? - Perguntei com muito cuidado. Ele não costumava ser muito amigável
- Dois, tens que ser menos curiosa... A curiosidade matou o gato! E sim, está cá a Vinte e Quatro
ESPERA O QUE? A VINTE E QUATRO NA ROULOTTE DO DR. JACK? Porquê? A experiência do Dr. Jack é o Trinta e Oito, não é a Vinte e Quatro. Será que os gritos que ouvi vieram dela?
- O que é que a Vinte e Quatro está aí a fazer? - perguntei tentando parecer não muito interessada
- E o que tens tu a ver com isso?
- Nada, nada. Eu só queria...
- Vai-te embora Dois, aqui não és bem-vinda. Além disso, o Sal está à tua espera.Era verdade.
Hoje era o inicio do mês de Março por isso o Sal, o meu criador, tem que me fazer uma análise ao "chip" só para ver se eu estou saudável.- Pois, tem razão Dr. Jack. Eu vou ter com o Sal... Adeus Vinte e Quatro!
Fiz aquilo de prepósito. Se ninguém me respondesse, o Dr. Jack estava-me a mentir
- Adeus Dois!
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Dois - BREVEMENTE
Science FictionArdel é um pequeno sitio onde não vivem só seres-humanos como "experiencias meio-humanas". Todas aquelas tarefas que nem o homem nem as máquinas conseguem fazer, fazem a experiencias. Vivem todos em roulottes com os seus criadores, comem comprimidos...