Capítulo 1

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— Estamos perdendo ela! Preparar carrinho de parada!

— Chefe ela assinou a ordem de não ressuscitar!

— Nós estamos falando da Kelly! Você vai mesmo perder tempo com isso? Carrega em 100... Afasta!

— Nada chefe!

— Kelly vamos lá... não desista! Carrega em 200!!! Afasta!

O aparelho não capta nenhum batimento sequer... Com os olhos cheios de lágrimas e absolutamente descrente do que estava acontecendo o chefe diz:

— Hora da morte: 06:46.

Não eram nem 7 da manhã e eu acabava de ver um óbito no meu primeiro dia de residência. Isso é que eu chamo de começar com o pé esquerdo! Ah... já ia esquecendo de dizer: Meu nome é Nicole Becker e sou a nova residente de cirurgia do Hospital São Rafael.
Mesmo estando em choque com aquela cena, sigo a instrução da recepcionista do hospital que pede para que eu aguarde no corredor em frente ao vestiário. Chegando lá dou de cara com mais cinco residentes e junto comigo chega o chefe da cirurgia.
— Olá a todos, eu sou o Doutor Paulo, chefe da cirurgia. Quando eu mencionar seus nomes, por favor levante a mão... Lucas, Nathália, Patrícia, Breno, Nicole, Cíntia e Pedro.
Olho ao redor e pelo visto o tal Pedro não estava presente, até que sou literalmente atropelada por ele.
— Opa! Desculpa! Sou o Pedro Alves, desculpe meu atraso!
O Doutor Paulo o encara e diz:
— Bem, pegue sua carona com a mamãe mais cedo rapaz! Chegar com 10 minutos de antecedência no meu plantão já é considerado atraso se você não me trouxer um café!
Ele engole seco e diz:
— Desculpe senhor! Não irá se repetir!
Ele assente com a cabeça e diz:
— Sigam-me que vou mostrar pra vocês o departamento e em seguida o restante do hospital. É bom pegarem aquele famoso bloquinho de anotações visto que esse hospital é imenso e na hora que houver um código azul na ala leste, vocês não terão lá muito tempo de pedir informações.

   Depois de preencher umas cinco folhas do meu bloco de anotações, eu e meus colegas residentes fomos levados ao pior lugar do hospital... o necrotério! Mesmo tendo dedicado 5 anos da minha vida à medicina, eu ainda me arrepio quando o assunto é a morte. Mas a função da minha profissão é justamente fazer o possível para que a morte não ocorra, então acho que ainda tenho chances de sair daqui uma boa médica, ou melhor ainda, não sair daqui! Em cima de uma das mesas estava o corpo da mulher que eu vi falecer na recepção, e no segundo em que o doutor Paulo a encarou ali em cima, ele não conseguiu conter as lágrimas...
— Não acredito! Eu nem sequer fui comunicado!
Ele cobre o rosto com as mãos e seguida a Nathália pergunta:
— Nossa doutor... tem alguma coisa que possamos fazer pelo senhor? Quer que chamemos alguém?
Ele sinaliza que "não" com mão, seca as lágrimas e a medida do possível se recompõe dizendo:
— Kelly era uma das enfermeiras do hospital, muito querida por todos os membros da equipe e principalmente pelos seus pacientes. Estava em remissão do câncer, mas pelo visto seu pulmão não aguentou. Infelizmente essa é uma parte cruel da nossa profissão. Às vezes mesmo com todos os recursos nós perdemos pacientes. E nesse caso, eu perdi uma grande amiga! Bem... vamos lá agora para o departamento de enfermagem onde vou apresentar pra vocês a segunda chefe de vocês! Se duvidar, ela é até minha chefe também!

    Chegando na enfermagem, damos de cara com a chefe da enfermagem. Seu nome é Daffiny e só de ouvir suas primeiras palavras eu já entendi por qual motivo o doutor Paulo se referiu a ela como chefe dele...
— Bom dia coisa nenhuma pra vocês! A partir de hoje a vida de vocês vai virar um verdadeiro inferno! Eu não sei por qual motivo escolheram essa loucura de profissão e muito menos porque insistiram nessa ideia idiota, mas já que chegaram até aqui, saibam que o mais próximo de uma amizade que terão na vida de vocês são seus colegas residentes, que na verdade são seus concorrentes oficiais de profissão! Eu jamais serei amiga de vocês, visto que terei que chamar a atenção de vocês, do chefe de vocês, do chefe do chefe de vocês e até mesmo da mãe de vocês! Residentes novos só fazem besteira! E saibam que quando isso acontecer, eu estarei bem aqui de olho em vocês e pronta pra pegar o bisturi da mão de vocês a arrancar seus lindos dedos como recompensa por ter que aturar as vossas idiotices! Toda a minha equipe de enfermeiros me odeia, mas trazem chocolate e biscoitos pra mim todos os dias na tentativa de deixar o dia deles mais leve, por tanto saibam que eu amo café cremoso e chá gelado. Não errem, não sejam pegos dormindo por mim, engulam a comida depressa e fiquem de olho nos celulares, pois eu amo denunciar vocês para o RH! Sejam muito bem vindos! A propósito, meu nome é Dafiny! Mas podem me chamar de deusa da enfermagem!
O silêncio reinou completamente entre nós! O doutor Paulo a abraçou e disse:
— A cada ano o seu discurso de apresentação fica mais interessante! Esse ano você foi boazinha com eles! Na minha época não tive a dica do chá gelado e do café cremoso!
Ela puxou a orelha dele e respondeu:
— É que eu tava cansada de receber aqueles descafeinados terríveis! As embalagens dos cafés são todas iguais então eu acabava provando.
Ela pega duas pilhas de fichas e coloca sobre a bancada dizendo:
— Aqui estão seus pacientes de pré e pós operatórios. Se eu fosse você começaria com o senhor Luiz do leito 5, pois ele não para de infernizar as minhas enfermeiras com suas dúvidas incontáveis sobre os antibióticos intravenosos! Ludmila do leito 2 teve duas paradas cardíacas na sua ausência, mas está estável agora. E o insuportável Enzo já ligou umas 500 vezes pra cá querendo falar sobre a dor no quadril dele e insiste que só o senhor pode atendê-lo! Bem, vou lá que ainda não tomei o meu segundo café da manhã. Dá um beijo na boca da Iza!
Assim que ela sai doutor Paulo pega as fichas, separa 3 nas mãos dele e as outras ele joga nas mãos do Pedro dizendo:
— Presentinho pelos seus minutos de atraso! Carrega aí meu chapa!
Fomos andando em direção aos pacientes enquanto ele dizia:
— Agora vamos ao que realmente importa: os pacientes! Eles são o verdadeiro motivo pelo qual acordarmos todos os dias de manhã para viver em perfeita paz e harmonia com a Daffiny! Não vou nem perguntar o que acharam dela, pois é óbvio que ela é um verdadeiro amor de pessoa.

    Chegamos em frente ao primeiro paciente. E calmamente doutor Paulo examinou e sanou todas as dúvidas do senhor Luiz. Em seguida fomos vendo ficha a ficha e auxiliando ele em pequenos procedimentos, medicações e exames. Doutor Paulo era um profissional incrível! Era muito bonito de ver sua dedicação com seus pacientes, a gentileza que tratava todo mundo e até mesmo a forma que ele nos ensinava. Estava bem atenta aos detalhes, anotava tudo e ficava a cada segundo mais apaixonada por essa profissão!
Me sentia muito feliz com o meu presente e super ansiosa com o meu futuro! Apesar de estar me pelando de medo da "deusa da enfermagem" acho que estou no lugar certo.

    Após esse primeiro dia um tanto quanto cheio, tiro meu jaleco, o coloco em meu armário e pego a minha bolsa. Assim que a abro, meu celular vibra e vejo que é ela... "Algemas, chicote, espartilho e dominação! Procuro jovem bonita, experiente que queira me dominar por completo! Custos por minha conta!" Assim que leio a mensagem, saio do meu estado comum e já imagino a cena formada em minha cabeça. Clico em "responder": "Topo! Já estou saindo do plantão. Passo em casa tomo um banho e pego as coisas. Aguardo o endereço." Guardo o celular dentro da bolsa e tomo um susto com a Cíntia entrando no vestiário.
— Oi Nicole! Grande dia né? Olha, eu e o resto do pessoal vamos num barzinho aqui perto para comemorar o primeiro dia. Quer ir com a gente?
Eu respiro fundo e respondo:
— Ah, obrigada. Mas eu tô moída e meu corpo está pedindo cama! Talvez na próxima eu vá. Tchau!
Ela faz uma carinha de triste e diz:
— Tá ok. Eu aviso ao pessoal. Bom descanso!
— Obrigada! Divirtam-se!

    Depois de pegar o ônibus, eu desço em casa, corro pro meu quarto arrancando minha roupa e me atiro no chuveiro. A água renova minhas energias! E é debaixo dela que eu faço minha transição pessoal acontecer... junto da água que desce pelos pés a médica cansada adormece e o frescor da água que toca meu rosto desperta a dominatrix solicitada naquela mensagem. Me enrolo na toalha, saio do banho e abro o meu armário. Vou até a última gaveta e ao abrir vejo as minhas roupas de couro e entro de cabeça nessa minha realidade paralela... meu mundo secreto de dor e prazer!

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