Capítulo três

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Terceiro Ato

Faltando uma semana para a estreia da readaptação de Romeu e Julieta, Yongha decidiu confrontar Daehyeon, após dias sem olhares roubados no meio dos ensaios, sem mensagens furtivas no início das frias madrugadas daquele outono, sem beijos ou abraços que costumavam aquecer-lhe o coração.

Estavam sozinhos em cima do pequeno palco no canto da sala do clube de teatro. Quando Yongha enfim criou coragem e segurou as lágrimas com força, perguntando ao rapaz sentado ao seu lado o que "eles" significavam. Daehyeon, com a maestria de um artista que vai do choro ao riso em questão de segundos, mascarou os seus reais sentimentos e apenas disse:

— Eu me perdi no personagem — sorriu brevemente. — Isso acontece, você não deveria levar tão a sério.

Daehyeon saiu sem olhar para trás. Se olhasse, veria Yongha debruçado nas próprias lágrimas, afundando no meio do palco, sozinho, ferido, despedaçado.

No dia seguinte, Yongha faltou ao ensaio.

Não havia ânimo algum em seu ser, e para todos os cantos que ele olhava, via Daehyeon. Sentia seu cheiro. Ouvia sua voz. Desejava, em seu mais profundo egoísmo, tê-lo somente para si. Mas Daehyeon nunca foi seu, ao menos não de coração, e na frágil sinceridade dos momentos felizes que viveram juntos, para Daehyeon, no final, tudo não passou de seu personagem querendo enxergar através de seus olhos.

Os dias que se seguiram não foram os melhores. Yongha definhou, despedaçou -se como um vaso de cerâmica no chão, enlouqueceu no compasso das noites em que revirou na cama sem conseguir dormir. Mas tentou se erguer, seguir em frente e encontrar a tal graça que a vida deveria achar em sua falta de sorte.

Voltou ao clube de teatro, na antevéspera do grande show.

Mas havia algo de errado.

Um humor sombrio em formato de olhos medonhos e acusadores lhe seguia pelas salas e corredores em que passou.

No clube de teatro, todos do elenco olhavam para ele de canto. Pareciam querer rir de sua cara. Decerto, deveria existir alguma piada interna que Yongha não conhecia, ou talvez ele era a piada.

A certeza veio quando ficou cara a cara com Daehyeon no camarim. O sorriso desdenhoso em seu rosto ao olhar-lhe nos olhos diziam que a comédia era por conta do pobre novato, inexperiente e perdidamente apaixonado pelo talentoso protagonista. Yongha se tornou o bobo da corte entre os membros do clube de teatro. Ele era a piada. A grande comédia.

E, outra vez, Yongha sentiu um pedaço seu ser arrancado por Daehyeon. Mas ele jurou que aquele seria o último pedaço.

O  Ato Final

O último ensaio estava marcado para às 16h no teatro central da Universidade, uma noite antes do tão esperado dia de estreia.

Todo o elenco se reuniu, inclusive Yongha. Eles ensaiaram por horas, organizaram os últimos detalhes e se despediram às 20h. Somente os dois protagonistas permaneceram no teatro para ensaiar um pouco mais.

O cenário estava montado.

O último ensaio da cena final de Romeu e Julieta era o que separava Yongha de sua triunfal reviravolta, orquestrada no silêncio da madrugada.

Os holofotes permaneciam a cobrir-lhes as silhuetas e a música ao fundo se tornava cada vez mais intensa, anunciando o ato final.

Yongha então fingiu beber o suco de uva dentro de um pequeno frasco de vidro, e, assim como Julieta,  encenou a própria morte, caindo ao chão, com o frasco contendo o líquido púrpura preso entre o punho.

— "Meu amor!" — exclamou Daehyeon, aproximando-se do corpo de Yongha. — "Como poderei viver neste mundo sem poder ter-te em meus braços?" — algumas lágrimas escorregaram por suas bochechas.

Ele se inclinou sobre o corpo desfalecido e suavemente tocou os lábios de Yongha em um beijo de despedida. Apanhou o frasco com o líquido cor-de-vinho das mãos alheias e, em um único gole, virou-o na boca, sentindo um amargor e o gosto de uva se misturarem em seu paladar.

— "Prefiro a morte, do que uma vida sem ti. Adeus, querido!" — Daehyeon disse, se deitando ao lado de Yongha.

Não demorou para o veneno fazer efeito. Logo seus pulmões se tornaram fracos e o gosto de sangue invadiu sua boca. Daehyeon já não conseguia respirar direito.

Yongha então se levantou.

Secando as lágrimas dos olhos, olhou para Daehyeon. Ele se debatia no chão, com os olhos arregalados, acusando o outro sem precisar dizer uma única palavra.

O grande momento finalmente havia chegado. Yongha limpou a garganta e, olhando nos olhos turvos e quase sem vida de Daehyeon, disse:

— A vida imita a arte, meu caro. E nesta trágica peça teatral, você não é nada além de uma comédia, mas eu sou o melhor comediante.

Yongha saiu do teatro sem ouvir os aplausos, visto que a platéia não compareceria, pois, assim que o faxineiro abrisse o teatro pela manhã e visse o corpo de Daehyeon jogado sobre o palco, a polícia iria fechar o lugar e cancelar a peça, e todos logo estariam à procura do culpado.

🎭

Naquele momento, sentado no banco vazio da rodoviária, cessando o riso eufórico e vencedor, Yongha percebeu que uma das principais características de uma comédia é o engano. O cômico se encontra no fato de um personagem ser enganado ao longo de toda a peça, assim, na medida que  este vai sendo ludibriado, o público se deleita na cruel graça do sofrimento alheio.

A vida tinha se mostrado a maior das comédias para Yongha, com seus atores e personagens perdidos em um palco gigante. Ao menos ele pode ver de perto como a vida imita a arte, e vice e versa.

Quando o ônibus chegou, Yongha entregou o bilhete ao motorista e se sentou em um dos últimos acentos.

A luz da cidade adentrava a janela de sua poltrona. Ele então fechou as cortinas e tentou adormecer, esperando que algum dia tivesse a chance de interpretar um outro papel, em uma outra comédia, quem sabe. Havia tomado gosto pelo teatro.

Notas:

ainda não superei a música do Jeff - 'Comedy' 🎭, e nem esse final aqui kkkkk, preciso me redimir com meus bebês Yongha e Daehyeon :'')

Foi isso, muito obrigada por ler, espero que tenha gostado! Um abraço e se cuida 💜

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