But Their Hearts Don't Beat Like Ours

304 34 6
                                    

Existem muitas coisas dentro de Agatha. Uma desconfiança natural, um grande vazio e um buraco escuro sem qualquer utilidade além de fazê-la passar noites em claro remoendo todos os seus pecados.

São comuns as noites como aquela - onde seus olhos cor de ébano encaram o teto manchado do minúsculo apartamento onde reside, as pupilas negras varrendo todo o cômodo em busca de algo que possa a entreter já que dormir não é mais uma opção; não quando acordou ofegante de mais um pesadelo que tirou todo o seu sono.

Seu relógio, abandonado em sua mesa de cabeceira, brilha por baixo de um pano de prato qualquer que usou para esconder o brilho irritante dos números que iluminam todo o quarto mesmo nas noites mais escuras. Quando dormir era extremamente difícil, Agatha não precisava de mais empecilhos que, em poucos dias, criariam bolsas negras abaixo de seus olhos cansados. Ouve apenas um tique-taque imaginário, criado por si mesma como uma forma de não enlouquecer quando escuridão é tudo o que vê.

As persianas, tortas e sujas, conseguem esconder bem a paisagem da cidade abaixo de si. Apenas resquícios de uma madrugada gelada invadem sua visão, como a luz do poste que convenientemente brilha bem em frente à sua janela, e os ruídos ocasionais de bêbados cruzando a rua pouco movimentada, às vezes atravessada por um ou dois carros em baixa velocidade cujo som do motor desperta uma pequena curiosidade na morena - mas não o suficiente para se levantar e observar a vista.

São em momentos como esse em que Agatha recorre a sua única opção: o telefone surrado jogado ao seu lado na cama. Grudado em diversas partes com fita adesiva e repleto de adesivos punks, sua tela inicial exibe um contato fixado do aplicativo de mensagens que usa, e um rosto familiar sorri para ela. Seus dedos trêmulos dançam sobre a tela, como se repelisse a atração causada pelo aparelho, mas logo clica em seu contato e inicia uma chamada telefônica naquele mesmo instante.

Pelo rápido vislumbre que teve das horas no celular, era algo em torno das três horas. O tique-taque inexistente ainda continua a tocar em sua mente, mas dessa vez, parece mais lento enquanto espera você atender o telefone.

A primeira coisa que ouve é um resmungo e o som de algo movendo-se. Inconscientemente, a tatuada engole em seco, sentindo-se culpada por alguns segundos por te acordar no meio da madrugada, mas você não parece se importar.

— Agatha? — Sua voz sonolenta atinge os ouvidos da mais alta, que volta os olhos para o teto. — Aconteceu alguma coisa?

— Pesadelo.

Silêncio do outro lado da linha. Você parece ponderar, talvez assimilar as informações por alguns instantes. Agatha suspira, fechando os olhos e concentrando-se no som de sua respiração.

— Você… Se machucou?

— Não.

— Teve outra crise?

— Não.

— ‘Tá… Se sentindo sozinha?

Agatha morde o lábio inferior, de repente sentindo um frio incomum que sempre aparecia quando conversava tão intimamente com você. Pousa a mão livre sobre a barriga, não gostando das borboletas que pareciam remexer-se lá dentro. Não te respondeu, não conseguiu te responder - para Volkomenn, há palavras complicadas demais para serem ditas.

— Você sabe que logo vai amanhecer, não sabe? — Você murmura, desejando poder abraçá-la mesmo que a garota te afastasse de qualquer maneira. Agatha responde com um quase imperceptível “uhum”. — Eu quero que você lembre disso. ‘Pra cada sol que se põe, uma nova manhã aparece.

Você detesta os momentos em que vê a fragilidade da amiga. Odeia saber que Agatha sente aquilo todos os dias, e somente esconde seus sentimentos para parecer-se como uma pessoa comum, por mais difícil que seja. E nesses instantes, o silêncio que emana da garota é ensurdecedor, quase escondendo sua personalidade extrovertida que sempre possui um sorriso no rosto - e isso dói, te corrompe por dentro. Machuca saber que ela nunca estará livre de si mesma.

O silêncio pode até machucar, mas há outras coisas que também ferem. Como a queimação na garganta da tatuada, que deseja vomitar palavras em sua direção: obrigada, eu sinto muito, estou feliz por ter você aqui. Elas queimam porque são difíceis de se dizer, e Agatha nunca foi boa com palavras. Então, prefere deixar o silêncio ecoar entre vocês, somente escutar sua respiração cansada entre as linhas telefônicas e deixar uma lágrima fria desenhar padrões irregulares por sua bochecha enquanto foca nos sons produzidos por sua voz.

Lentamente, fechando os olhos com mais força, Agatha sente como se seus corações batessem em sintonia por alguns instantes. As batidas às vezes parecem descompassadas, batendo duas vezes mais rápido do que o normal, mas se acalmam e ressoam conforme as suas. Volkomenn se sente até feliz, pela primeira vez, ao ser diferente dos outros - porque sabia que, naquele momento, nenhum coração batia e queimava como o dela.

A de cabelos curtos ouve desatentamente as palavras que você sussurra, sentindo-as envolver sua mente como um cobertor quente, e relaxa os músculos antes tensos. Algo em seu interior pede para que ela desligue o telefone e te deixe dormir, pare de te encher com seus próprios problemas e contente-se com uma amizade casual, mas Agatha ignora todos os pensamentos intrusivos e sorri, secando os olhos marejados com o polegar.

O mundo era uma merda, e sabia disso melhor que ninguém. Mas ele parecia até um pouco bonito quando você estava nele.

the world is uglyOnde histórias criam vida. Descubra agora