pai.

pai, eu sei que a gente nunca foi tão próximo e que você nunca conseguiu demonstrar o seu amor por mim porque você nunca recebeu quando era criança.

eu gosto de pensar assim.

pai, eu sinto sua falta. me desculpa por não demonstrar meu amor por você.

acho que herdei isso de você.

eu te odeio, te odeio muito.

queria poder dizer que você é meu herói mas não é, talvez tenha sido por um tempo.

sempre foi assim, você bebia e fumava quando estava estressado ou triste. 

eu cresci vendo suas traições e agressões contra a mamãe.

eu odeio vocês dois.

eu odeio vocês porque vocês deixavam cinco crianças pequenas em casa para irem beber com os amigos, porra, a gente não sabia se cuidar direto.

não tenho muitas lembranças boas da minha infância, mas as pouquíssimas que tenho eu sempre vou guardar dentro do meu coração.

eu sinto saudade das viagens de carro ao som de legião urbana, de ir pra casa do titio no interior, de ir pra pizzaria. de tudo.

eu tive pais ausentes, não tive amor.

pai, você me ama?

eu também queria que você morresse, me desculpe.

pai, eu sempre vou lembrar do teu cheiro.

eu sempre vou lembrar das vezes que eu não pude ir brincar na rua porque o senhor botava um monte de livros na minha frente, porque eu tinha que aprender a ler.

pai, me desculpe eu não sou inteligente como o senhor queria que eu fosse.

se eu fechar bem os meus olhos eu consigo sentir o gosto do suco de caixa e do jacaré [salgado] ou como eu chamava: crocodilo. que você me comprava toda vez antes que ir me deixar na escola.

pai, eu sinto que sou injusto com a mamãe. eu sinto que sou injusto com você.

eu não consigo te abraçar ou conversar contigo normalmente, eu sinto vergonha.

somos dois estranhos.

pai, você está vivo mas pra mim é como se estivesse morto.

eu sempre vou te amar mesmo não querendo.