⋱ Prólogo ⋰

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Há dois anos.

A única certeza que temos sobre a vida é a morte.

Vamos ser francos é a realidade, não temos certeza sobre absolutamente nada e mesmo quando achamos que temos a verdade é que não temos. Não quero que tome isso como algo negativo, porque não é.

Ao menos eu não vejo dessa forma, porém, também não é algo positivo.

Tá legal, agora você deve estar achando que enlouqueci – não que em algum momento da minha doce vida eu tenha sido normal, mas não estou louca e posso provar.

Vejamos, as pessoas em geral costumam associar a morte a algo ruim, trágico e finito, no entanto, tendem a reclamar da vida o tempo todo. Logo tornam a vida um martírio para a morte, encarando esta como o fim de tudo, ainda assim tendem a ter problemas em desapegar, eu não conheço uma pessoa que queira morrer e mesmo aquelas que se arriscam a dar um fim para suas agonias tendem a ter medo, e isso ocorre porque somos propensos a sentir medo do desconhecido.

É um fator binário, não sabemos o que tem quando acaba e também não controlamos o que vivemos, para quem gosta ou acredita somos peças do acaso, para mim destino não existe. Somos responsáveis por nossas escolhas e cada uma delas serão responsáveis em nos guiar até o veredicto final, o que tem do outro lado continuará sendo um mistério, que continuará nos fazendo questionar se tomamos as decisões corretas, se fomos boas pessoas, para onde vamos? De onde viemos?

É uma boa pergunta para a qual nunca obteremos respostas, não há certezas para vida apenas tentativas, nossa única certeza é a morte.

Olhem esta mulher deitada a minha frente nessa superfície dura e gelada, tá legal que ela não está mais aqui para se sentir desconfortável, mas ainda assim acho que ela não gostaria de estar nessas condições, nua e tendo seu corpo mutilado para "o bem maior".

Ela é... bom, era jovem e bonita, sem sombras de dúvidas vaidosa e como meu assistente – ausente no momento diria: "com uma vida inteira pela frente".

Ela está morta, mas não sabia que iria morrer. Acho que ninguém sai de casa e veste um belo vestido esperando por isso, ela fez uma escolha ruim, o que não justifica um filha da puta tê-la matado, abusado dela e jogar seu corpo em um beco qualquer. Mas infelizmente aconteceu e agora ela está deitada aqui de um jeito que eu nunca imaginei vê-la.

Sim, eu a conheço.

Conhecia.

Amber Scott, foi o meu pesadelo na faculdade de medicina. Tinha um senso de humor péssimo e uma carreta de homens se jogando aos seus pés, linda e deslumbrante como toda garota deseja ser, seu pai era um excelente cirurgião plástico, então naturalmente Amber seguiria seus passos. Foi o que ela fez, transformar tragédias em algo bonito, ou apenas elevar o ego de alguém – você decide.

Competimos durante todo o curso, enquanto ela estava em festas eu estava enfurnada no canto mais vazio da biblioteca – eu sempre gostei de lugares solitários – acho que foi o principal fator que me fez decidir pela medicina forense, afinal mortos não falam.

Ou não deveriam, então se está ouvindo algo deveria procurar ajuda, um psicanalista costuma resolver.

Voltando a Amber, fomos rivais durante todo o curso e não vou mentir que desejei vê-la rolar as escadas do auditório em que fizemos o juramento de Hipócrates, mas eu nunca desejei vê-la morta.

Pode achar hipocrisia da minha parte, mas não é. Não nos odiávamos apenas nos usávamos como ponto de partida para nossas ambições, se ela era boa em algo então naturalmente eu teria que ser melhor.

Minha competição com Amber, mais que minha força de vontade talvez tenha sido o principal fator que fez de mim a número um. Devo a Amber Scott meu espirito saudável de competição.

Nunca mais competiremos, essa vadia está morta.

Alguém havia arrancado o brilho natural que ela sempre teve, todo seu carisma seria esquecido e o pior de tudo era que ninguém pagaria por isso.

O corpo dela seria só mais um para as estatísticas e a garota brilhante achada em um beco de Chicago cairia no esquecimento.

Respirei fundo antes de puxar o lençol para cobrir as marcas do seu corpo e cai em minha cadeira, não conseguia acreditar que acabaria assim, a polícia simplesmente desistiu de encontrar o culpado. Arquivariam o caso depois de um mês inteiro de investigações que não levaram a lugar nenhum e o corpo dela voltaria para os pais.

— Você é tão bizarra... — Kerem estava encostado na porta com um olhar de reprovação para mim. — Como consegue comer perto disso.

— Não é "disso" é uma pessoa.

— Uma pessoa morta.

Revirei os olhos dando outra mordida no sanduiche de frango e picles. — Não se preocupe quando chegar a sua vez prometo preparar um banquete. — Ele estalou a língua entrando. — O que quer?

— Soube que encerraram o caso.

Acenei vagarosamente. — Sim... mesmo depois de concluírem que foi homicídio.

— Você está bem com isso?

Expirei me virando para a figura magricela com um óculos pendurado no pescoço por uma cordinha. — Não, não pegaram o culpado. Vão tratar o caso com menor importância de agora em diante...

— Não encontraram a língua?

— Não. — Neguei, me levantei e comecei a juntar minhas coisas na mochila.

Pendurei a mochila nos ombros agarrando meu sanduiche para continuar meu jantar às três e meia da manhã. Antes de deixar a sala me virei uma última vez para Amber com um suspiro longo e uma despedida silenciosa.

— Vai mesmo para Londres? — Kerem me perguntou quando alcancei a porta.

— Sim, acho que depois dessas últimas semanas Londres me fará muito bem.

— Sentirei sua falta, Doutora Yildiz. — Ele me deu um sorriso tímido. — É a melhor legista com quem trabalhei.

Sorri de volta. — Pode me ligar sempre que precisar de ajuda com os crânios e massas encefálicas. — Ele anuiu a poucos metros de mim. — Boa sorte com a formatura, Kerem.

— Doutora, — Assenti. — Sinto muito por sua amiga.

Kerem suspirou se inclinando para vê-la melhor.

— Não erámos amigas, Kerem. Mas obrigada.

Estou prestes a sair quando ele emenda. — Espero poder trabalhar com você de novo, Doutora Yildiz.

Dou a ele um meio sorriso. — Eu ficaria feliz com isso. 

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